V
"MEDITANDO"
Brada o pincel,
Contra a tela, irado,
Pelo fervor frenético
Que a mão do artista
(Veículo último da inspiração
De um homem),
Lhe imprime
De forma apocalíptica...
Banhado de cor
Grita as imagens da mente,
Que gere seu movimento
Na tela,
Antes crua de sentir...
Escorrega
Entre materiais anacrónicos
Que pelo génio conjugados
São vassalos da dor,
Da pobreza,
Da crise, da fome,
Do medo
Ou da euforia, da esperança,
Da vida
E do amor…
São sinónimos ocultos
Da mão de um criador...
Exclama, grita, brada, berra,
Mas não chora, mas não ri,
Medita apenas na imaginação
De quem, olhando a obra terminada,
Lhe bebe a essência
Na busca da verdade...
Porque afinal o pincel
Apenas se deixa ir,
Levado por quem
Contempla a obra,
Em pensamentos nem sequer,
Nunca, sonhados pelo pintor,
Mas que chegam por quem olha
E se fica pela obra
Meditando…
Gil Saraiva
"QUATRO..."
Quatro! Naquela mesa quadrada...
Quatro: Cadeiras, almas, lembranças,
Cabeças, crânios, partidas,
Amarguras não esquecidas
Desde um tempo de crianças...
Quatro: Pessoas e pensamentos,
Vidas, homens e esperanças
Num mundo já sem mudanças...
Da raiz dos sentimentos
À terra e aos elementos...
Quatro: Apagadas existências,
Memórias,
Membros, vivências
E outras coisas que na História
Não representam glória...
Tão-somente... simplesmente...
Quatro!
De olhos postos nessa coisa
Metálica e retorcida,
Fundida pela própria Morte,
Substituta do corte
Da faca ou da catana;
Nova força soberana:
Cano, gatilho, tambor,
Com seis vagas para a bala
E quatro vagas na sala,
Bilhetes de ida sem volta
Para um mundo sem revolta,
Tão sem corpo, tão sem vida
E tão sem jogo...
Quatro: Investimentos na Sorte,
Apostas loucas na Morte...
Quatro... de olhos postos nessa arma
Metálica, enegrecida,
Apontada para a vida...
Um dedo coloca a bala…
(Silêncio cortando a sala),
E o tambor gira e revira até se imobilizar...
Arma beijando o crânio, um gatilho a disparar...
Pólvora, bala, volfrâmio, sangue intoxicando o ar...
Tão-somente... simplesmente...
É só premir o gatilho...
Seis buracos, uma bala,
No tambor daquele revólver
Que gira e se torna imóvel!...
Naquela mesa quadrada...
Três!
Corações,
Filhos ou pais,
Organismos conscientes
Das pulsações anormais,
Tão dementes,
Decadentes,
Fora dos convencionais...
Três...
De olhos focando a peça
Metálica e suicida,
Passaporte para a Morte,
Lenço ao vento, à despedida...
Outro mete a munição,
E o tambor gira e revira,
Num gozo de mil aflitos...
E Inferno, culpa, traição,
São pensamentos e gritos
Num palco feito emoção...
Um dedo já no gatilho
(Cano, metal e cabelo…)
E quatro-olhos ao vê-lo
Esperam morbidamente...
Foi um clique...
Foi suspiro...
Alívio, esperança, retiro
Tão pouco consolador...
Três!
E a arma muda de mão,
Para outra vez tocar
A cabeça de um dos outros...
E depois... ao disparar,
Um rio de sangue quente
Invade tudo e todos
E impune escorre no chão...
Tão-somente... simplesmente...
Dois!...
Naquela mesa quadrada
Dois...
Dois...
Frente a frente,
Sem ver nada...
E qualquer deles medita,
Num silêncio que irrita
A própria sala abafada...
Dois!
Mas porque dois são demais,
O jogo tem de acabar!...
E de olhos postos na arma,
Após instantes,
Momentos,
Gotas, transpiração,
Da arma... fogo
É disparo…
Tão-somente...
Simplesmente...
Um!
Um homem sobreviveu...
E olhando a fria peça,
Metálica, enegrecida,
Vê no chão os seus três filhos
Com quem jogara à roleta,
E o premir de mil gatilhos
Lhe assombram o olhar!...
Um...
Naquela mesa quadrada:
Um!...
Olhos loucos, boca assada,
Língua pastosa, gretada,
Soltando ruídos roucos...
Um,
Mete seis balas ali,
No revólver prateado,
Enegrecido de Morte,
Daqueles para quem a sorte
Não ligou...
Ou fez sentido...
Porque a pobreza isolara
Uma família tripeira,
Onde a fome se instalara
Ficando a sorte solteira...
Veio o fisco...
Muitos eram...
Nem as contas se fizeram!...
E para um puder viver,
Três teriam que ficar,
Para só um sobreviver
E a esperança alcançar!...
Quando o recurso é escasso,
E o Estado é comilão,
Há Passos em cada passo,
E há passos que não se dão...
Fecham-se Portas e Portas,
Renasce uma depressão,
E vão aparecendo mortas
Vítimas sem ganha-pão...
Deu a Troika desemprego,
Alguém falou alemão,
Retirou-se o aconchego
E o fim veio de empurrão...
Um!...
Arma na mão, na cabeça...
Cano, gatilho, tambor...
Com seis vagas para as balas,
Com seis balas nessas vagas...
E o tambor de novo gira
Até atingir o fim,
Num grito chamado ira,
Naquela noite ruim...
O tambor gira e revira
Num gozo feito vitória...
E o gatilho é mortal
Num jogo já sem sentido,
Satisfeito, sem memória!...
Naquela sala vazia
De vida, tão sem ruído...
Tão-somente... simplesmente...
Ninguém...
E naquela mesa quadrada…
Cadeiras, corpos sem vida,
Num silêncio suicida
Onde a voz já não diz nada...
Vítimas da violação
De um Estado
Sem Direitos
Dos Humanos imperfeitos,
Porque a razão tem guardado
Memorandos do eleito,
Que um dia será julgado...
E...
Naquela sala parada
Só ela fica a brilhar:
Cano, gatilho, tambor,
Balas frias de metal...
Um presente de Natal...
Naquela mesa
Quadrada...
Tão-somente... simplesmente!...
Gil Saraiva
"PALAVRAS"
Pensemos
Em tudo o que nos constitui,
Em qualquer universo
De existir...
Aqui!
Neste mundo em que vivemos,
Enquanto seres
Que se desenvolvem
Pela comunicação das partes
Com o todo,
Na nossa realidade,
De humanos
Que se movem
Pelas relações entre eles
E o próprio meio...
Aqui,
Onde aquilo que mais depressa
Se devora, consome
Ou se assimila e que,
Por outro lado,
Mais produz, cria
Ou desenvolve é,
Com inequívoca certeza,
A Palavra.
Esse conjunto de letras certas,
Absolutas ou relativizadas,
E não um qualquer paleio
Ou palavreado em abstrato...
Não se trata
De uma simples conversa
Sem sentido
Ou mera circunstância...
Não!
Importa sim o ato criativo
Que nos ajuda a pensar e progredir...
Importa realmente a expressão última
Que nos torna comunicativos,
Únicos e humanos:
A Palavra.
Em suma:
Nada é tão apelativo
Como uma boa meia dúzia
De doces palavras...
Ditas no momento correto,
Na altura exata,
À pessoa certa!
É imenso o valor dessa
Palavra!...
Tudo se constrói pela linguagem!
Tudo se pensa pela soma
De palavras
Em contínuo turbilhão...
Tudo se vive e vibra
Nas palavras...
Caem governos
Por uma palavra
A mais ou a menos,
Sobem e descem ações,
Vivem dela os Mercados,
Vive a crise, a inflação.
Até a Lei e a ordem
Da palavra fazem força.
Descreve a queda do Euro,
O confisco dos mais pobres
E o fausto
Dos magnatas...
Ficção ou realidade;
Sonho ou existir;
Ser ou Não Ser;
Liberdade ou tirania;
Meu Deus...
Palavras!
A tentação
Última dos poetas:
Sobreviver
Depois do Ser!
E renascer nas páginas
Que deixam
Para a eternidade
Somatórios de letras,
Que lhes darão vida,
Após a morte:
Palavras!
Palavras
Que se escrevem a sangue
Ou no vermelho dos cravos,
Fáceis de dizer,
difíceis de cumprir:
Paz, Liberdade, Solidariedade,
Saúde, Vida...
Palavras,
Matamos por elas,
Sofremos por elas,
Morremos por elas,
Mas também nascemos, vivemos,
Sentimos, rimos e festejamos
Por elas.
Que se calem jamais essas palavras.
Gil Saraiva
III
“BALADA DO 25 DE ABRIL”
Na negra noite andaste
Décadas mudo, sem pio
Ai, nessa vida passaste
De emigrante a vazio...
Anos assim de tortura,
Silêncio sem liberdade...
Para ganhar à ditadura,
Tens que morrer com vontade...
Quarenta e oito, um a um,
Anos de fome, ilusão,
Criaram força incomum,
De resistir na prisão...
E o vinte e cinco de abril
Foi madrugada dos bravos
Capitães que no fuzil
Trocaram balas por cravos...
E cantar Sérgio Godinho,
Zeca Afonso e outros mais,
É ser na voz adivinho
Daquele abril de imortais...
Na negra noite andaste
Décadas mudo, sem pio,
Ai, nessa vida passaste
De emigrante a vazio...
Sempre lutar contra engodos,
Contra a PIDE e o calar,
Nasce o Sol, é para todos,
Cabeça erguida a sangrar...
E o vinte e cinco de abril,
Foi madrugada dos bravos
Capitães que no fuzil
Trocaram balas por cravos...
E agora que o Sol nasceu,
Na noite clara de abril
Mais de trinta, conto eu,
São os primeiros de mil...
Na negra noite andaste
Décadas mudo, sem pio…
Ai! Nessa vida passaste
De emigrante a vazio...
Mas tão curta é a memória
De um povo que já esqueceu
Que Salazar tem na História
A nossa noite de breu...
E o vinte e cinco de abril,
Foi madrugada dos bravos
Capitães que no fuzil
Trocaram balas por cravos...
De economia vivemos,
P'ra nos manter lutamos,
Casa e emprego não temos,
Quem nos pergunta onde vamos?
Somos: imposto, tributo,
Finanças ocas, impostas,
Eu não estou só, num reduto,
Há mais quem queira respostas!
Que o crepúsculo, a madrugada
Anuncie sem ter saudade...
Queremos não ver estragada
Nossa razão, liberdade!
E o vinte e cinco de abril,
Foi madrugada dos bravos
Capitães que no fuzil
Trocaram balas por cravos...
Prisão p´ra quem enganou
O nosso Povo, afinal,
Não tem perdão quem roubou
Nossa alma em Portugal.
Os passos foram enganos,
Mas a memória não esquece,
Pelos Direitos Humanos
Justiça a quem a merece!
E o vinte e cinco de abril,
Foi madrugada dos bravos
Capitães que no fuzil
Trocaram balas por cravos...
Urge de novo escutar:
“—Aqui!
Posto de Comando
Do Movimento das Forças Armadas!"
Das nossas Forças Armadas!
Gil Saraiva
“PARA QUE A TROIKA NÃO SE ESQUEÇA”
Dizem
Que temos nós
Direito à vida.
Dizem
Que vem na lei,
Que tem de ser.
Dizem
Que ninguém pode,
Dela, ser privado,
Salvo se crime houver
E, sem saída,
Se age
Por mais meios
Não haver…
Uns dizem
Que é direito assegurado,
Que assim se constrói democracia…
Outros dizem que tirá-la
É pecado,
Sentença capital da agonia,
Condenando,
Até ao fogo eterno,
As almas pecadoras ao Inferno.
Mas o que dizer de quem,
Que aplica um memorando
E navegando à vista, navegando,
Saca de todos nós o que não temos?
Rouba dizendo que devemos
Não se sabe o quê, à Troika prenha,
Que tanto nos odeia e desdenha,
Roubando a quem tem necessidade,
Tirando a quem não tem capacidade.
Impõe-se assim esta ordem estranha,
Injusta, violenta, uma artimanha,
Que nos vai forçando a cumprir,
Sem vontade se ter e sem sorrir,
Tudo o que nos obriga a própria lei,
Imposta porque quem tem força de rei.
Uma lei tão vil,
Tão errada, falsa,
Tão tamanha,
Que o povo ao suicídio
Vai levando ou à pobreza,
Por não haver maneira
Ou poder ter
Como se cumprir um tal comando,
Que da força da lei
Faz fortaleza,
Imposto por um Governo fraco
Que apenas quer encher o saco.
É assim a vida,
O que dizer?
Pergunta o Estado,
Vendo cofres a encher,
Num confisco que cheira realeza,
De quem o povo, aos poucos,
Vira presa…
Dizer que são culpados!
Porque não?
Dizer
E condená-los a Prisão!
Homicídio involuntário
De gente sem saída,
Gente que se mata,
Só por desespero,
Gente fraca, sem sorte,
Sem alma e sem bocado,
A quem o futuro foi roubado.
Gente que não sabe de roubo
Ou contrabando,
Que grita dor e fome em desespero,
Que definha pelo exagero
Do saque em favor do memorando
Assinado, à revelia, por tal bando.
Dizem que temos nós direito à vida.
Dizem que vem na lei, que tem de ser.
Quem julga os assassinos,
Das almas sem saída,
De tanta gente que assim
Ficou perdida?
Quem julga um Estado destes, a preceito?
Um estado assim tão vil, tão mau, demente,
Que abusa do Povo já desfeito,
Como se nada fosse, ou… quiçá…
Nódoa atroz que sai com detergente.
Dizem que temos direito à vida…
Dizem… e quem o diz,
Só mente!
É preciso avivar, de todos, a memória
Dos tempos em que vida foi avessa,
Lembrar os dias sem saída, sem glória,
Para que a Troika não se esqueça!
Gil Saraiva
"O DIA INTERNACIONAL DA MULHER..."
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher,
Mas...?
Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias
De quem são?
Um, eu sei...
Onde há peru ou leitão...
É Natal,
Dia do Rei,
Do Papa ou do sacristão...
Outro ainda eu conheço,
É terça de Carnaval,
Tem também um da Criança
E outro dos Namorados...
Mas que nos importa afinal
Esses dias de lembrança,
Seja dia de Finados
Ou dum longo tempo Pascal?
E o dia do ladrão?
Da alegria? Da velha?
Da fome ou da tradição...?
Ninguém me diz quando são?
O Dia Internacional da Mulher...
Mas que coisa que inventaram,
Um dia que aproveitaram
Para enganar… quem quiser...
Exploram e chamam fraco
Ao sexo feminino...
Esse bebé é menino?
Ou… a menina está bem?
Não!
Eles não enganam ninguém!
É medo... Eu sei!
É medo que fique forte...
Dão-lhe um dia, fazem corte,
E através dele criam lei...
Mas que grande hipocrisia,
Dos senhores da valentia...
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher.
Mas...? Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias de quem são?
São daqueles a quem
Um seio materno
Deu vigor, amor, dedicação...
São daqueles por quem
Esse ser terno
Sentiu dor, fome,
Raiva, humilhação...
Nos outros dias do ano,
Nos dias do dia-a-dia,
Eu vejo a panela ao lume,
A casa passada a pano,
A rotina do costume:
Roupa cosida, lavada,
Comida bem preparada,
Casa pronta,
Chão esfregado,
E o soalho encerado...
Mais o trabalho lá fora,
Pago por meio ordenado,
Se quiser ou vai embora...
Nos outros dias do ano
Sexo fraco
É para manter,
Assim manda o soberano,
Porque assim é que é viver...
Ter que ser mãe
E ser escrava,
Fazer tudo e calar só.
Andar descalça na lava
E depois limpar o pó...
E não esquecer o marido,
Pois o pobre homem,
Coitado,
Deve estar aborrecido,
Se deve sentir cansado,
Porque cansa
Ser servido
E dar ordens bem sentado...
O outro dia foi o Dia Internacional da Mulher…
Mas...? Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias
De quem são?
Não importa!
Mulheres do mundo inteiro,
Digam: Não!
No Paquistão,
Ou no mais simples outeiro...
Desse dia da mulher
Façam um dia de luta!
Porque há de a mulher
Ser puta e o homem
Garanhão?
Nesse dia da mulher
Façam vigílias e luto
Contra o Patriarca bruto,
Neste mundo
De tabus e repressões...
Digam bem alto,
Gritando:
"- Chega de humilhações!"
Que esse dia da mulher
Seja apenas mais um dia
Para as que já conquistaram
O que mundo lhes devia...
Porém,
Para a maioria:
É o dia da revolta,
Não de festa,
Mas de garra,
De uma garra
Que se solta
Para acabar a fanfarra,
Para impor a igualdade,
Para conquistar:
Liberdade!
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher...
Gil Saraiva
"ENTRE IGUAIS"
Nada
Do que eu sou,
Ou fui,
Ou era,
Será o que serei
Daqui prá frente.
Não sei como não vi...?
É evidente!
Tudo o que eu fizer
Será diferente!...
Como aquilo que eu fiz
Não teve igual.
Simples,
Não sei como não vi,
É natural.
Apenas sou
Um ser diferente,
Diferente entre iguais...
Cheio de ideais...
Assim sou eu
E toda a gente...
A toda a hora um ser
Sempre diferente,
Especial,
Que pensa,
Em cada instante,
Ser diferente,
Mas que a todo o tempo
É igual!...
Gil Saraiva
"POSTO DE ESCUTA"
Posto de Escuta, escuta!
Escuta o velhinho de olhos doentes
Que num canto chora os filhos ausentes...
Escuta a senhora
Que casa não tem,
Como demora,
A resposta não vem...
Escuta o homem de voz dormente
Que quer ser ouvido permanentemente,
Alma magoada, trémula assim
De quem se vê só
Tão perto do fim!
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta o pedido de uma cadeira,
De rodas, feita para a liberdade,
Porque faz sentido
Que alguém queira
Ter o direito à mobilidade!
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta o taxista da grande Lisboa,
De histórias mil, Cais Sodré, Madragoa,
Que levou o homem, nu, o coitado,
A quem a amiga deixara pelado...
Oh… Posto de Escuta
Escuta!
Escuta os versos do cantar do Povo
Que em surdina gritam por um mundo novo...
Escuta as quadras de senhoras meigas,
De voz carente,
Gramáticas leigas,
Coração ardente,
Alma empenhada
Em tudo dar em troca de nada...
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta a dor de quem foi tratado
Num hospital como um renegado...
Escuta o cego de recursos parcos
Pra quem a bengala chora na montra...
Escuta o coração
Que perdeu a filha
Cavalgando ao vento a última milha...
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta a guitarra, que toca baixinho,
Acordes que o tempo não pode apagar...
Escuta o fado em voz de carinho
De quem nos recorda saudade e amar...
Escuta um país de alma ferida
De quem quer apenas o que é natural
Ou vozes alegres cantando a vida
E que em português gritam Portugal!
Posto de Escuta, escuta!
Escuta agora, ninguém ignora
Que no dia-a-dia tu és mais valia,
Sem julgar, bater, sem opor,
Almas de éter, quase um vapor...
Posto de Escuta, escuta!
Escuta um Povo que grava no cobre,
Em letras de ouro
A alma mais nobre!
Posto de Escuta, escuta!
Ó como é lindo o teu escutar
Na noite, no éter, sem um olhar,
Vozes de vida, formas de luta...
Escuta os casos da Troika viral,
Que dum memorando fez memorial
Ou vã lembrança de um país
Outrora chamado de Portugal...
Escuta o teu Povo que pede ao Governo
Que mude já ou se vá embora (e sem demora)
Que o desgoverno cria quem chora...
Posto de Escuta
Escuta!
Oh! Por favor não pares de escutar!
Escuta,
Posto de Escuta!...
Gil Saraiva
"AS VOZES"
No austero silêncio
Da internet
A comunicação é infinita,
De todos
Para todos,
Tal como o infinito
Que nada mais é
Que tudo
Para tudo...
Neste novo Éter
Nascem ideias e projetos,
Negócios e amores,
Crimes e violações,
Qual cópia da vida que vivemos…
Por uma rede
Universalmente livre,
Que não se calem, nunca,
As vozes do futuro:
As nossas vozes!
Nascemos selvagens
E livres
Para a internet...
Sem regras,
Sem normas,
Sem segurança,
Com garra, com ganas de saber...
Agora, na ânsia do lucro,
Os vampiros do capital
Procuram o comando…
Os Estados, a par com esta gente,
Tentam impor regras neste mundo global
Que nasceu nosso,
Porque foi feito por nós
E para nós!...
Por todos os meios tentam controlar
A plataforma mais livre do planeta.
Falam de perigos infindáveis e maliciosos.
É verdade.
A internet tem muito de mau,
Mas, como a vida,
São os riscos da liberdade…
Por uma rede
Universalmente livre,
Que não se calem
Nunca
As vozes do futuro:
As nossas vozes!
Gil Saraiva