XI
"BATEU..."
Bateu,
Algures no mundo,
Um coração...
Bateu de amor,
De dor,
De sofrimento...
Bateu
Milhares de vezes
Num momento...
E ninguém o ouviu,
Nem mesmo eu...
Nem mesmo eu!
Bateu,
Chamou a vida
Em alta voz,
Mas ela em despedida,
Pareceu querer ficar
A sós...
Bateu,
Gritou pelo amor
Em pulmões plenos,
De um ar sem o calor
De verões serenos...
Bateu,
Chorou saudade
Pelos cantos frios,
Mas a resposta
Se esvaziou nos rios...
Bateu um coração
Em vil tormento…
Bateu
Milhares de vezes
Num momento...
E ninguém o ouviu,
Nem mesmo eu...
Nem mesmo eu!
Gil Saraiva
X
"AMANHÃ"
A manhã passou
Pela minha pele
O radioso sorriso
Do seu Sol...
A dançar,
Atravessei as portas
Da alma...
Lá dentro
Um hino erguia-se mais alto
Com sons de dádiva
E oração...
Um hino à vida,
Uma melodia plena
De odores de amor,
Correndo entre essências,
Que germinam existências,
Num ocaso rubro de ilusões...
Rara visão esta!...
A um canto,
Para lá das portas da alma,
Um caixão coberto de flores
Parecia sozinho...
Porém, na sombra,
Uma velha senhora,
Aparentando ter morrido,
Velava abandonada
Numa cadeira feita de mágoa e dor...
Velava a morte,
Dentro do caixão,
Entre pétalas e espinhos:
Pétalas de amor;
Espinhos de tristeza...
A senhora,
A quem o tempo que passou
Chamou de eternidade,
Parecia não sair dali...
Todavia,
Olhando em redor,
Lá a fui descobrindo,
Um pouco
Em toda a parte!
Já não sofria
No canto da felicidade!...
Ria, dançando,
Ao ritmo vivo da alegria!
Noutro, o da saudade,
Chorava
Rios de suspiros
E lagos de esperança...
Mais além,
No recanto do amor,
Parecia ter dezoito anos
Tal era a orla
Repleta de Emoção...
A manhã passou
Pelos meus lábios
Num sensual beijo
De existir...
E, sem querer,
Descobri,
Nesse momento,
Porque vale a pena
Esperar por amanhã!
Gil Saraiva
IX
"O DIA INTERNACIONAL DA MULHER..."
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher,
Mas...?
Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias
De quem são?
Um, eu sei...
Onde há peru ou leitão...
É Natal,
Dia do Rei,
Do Papa ou do sacristão...
Outro ainda eu conheço,
É terça de Carnaval,
Tem também um da Criança
E outro dos Namorados...
Mas que nos importa afinal
Esses dias de lembrança,
Seja dia de Finados
Ou dum longo tempo Pascal?
E o dia do ladrão?
Da alegria? Da velha?
Da fome ou da tradição...?
Ninguém me diz quando são?
O Dia Internacional da Mulher...
Mas que coisa que inventaram,
Um dia que aproveitaram
Para enganar… quem quiser...
Exploram e chamam fraco
Ao sexo feminino...
Esse bebé é menino?
Ou… a menina está bem?
Não!
Eles não enganam ninguém!
É medo... Eu sei!
É medo que fique forte...
Dão-lhe um dia, fazem corte,
E através dele criam lei...
Mas que grande hipocrisia,
Dos senhores da valentia...
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher.
Mas...? Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias de quem são?
São daqueles a quem
Um seio materno
Deu vigor, amor, dedicação...
São daqueles por quem
Esse ser terno
Sentiu dor, fome,
Raiva, humilhação...
Nos outros dias do ano,
Nos dias do dia-a-dia,
Eu vejo a panela ao lume,
A casa passada a pano,
A rotina do costume:
Roupa cosida, lavada,
Comida bem preparada,
Casa pronta,
Chão esfregado,
E o soalho encerado...
Mais o trabalho lá fora,
Pago por meio ordenado,
Se quiser ou vai embora...
Nos outros dias do ano
Sexo fraco é para manter,
Assim manda o soberano,
Porque assim é que é viver...
Ter que ser mãe
E ser escrava,
Fazer tudo e calar só.
Andar descalça na lava
E depois limpar o pó...
E não esquecer o marido,
Pois o pobre homem,
Coitado,
Deve estar aborrecido,
Se deve sentir cansado,
Porque cansa
Ser servido
E dar ordens bem sentado...
O outro dia foi o Dia Internacional da Mulher…
Mas...? Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias
De quem são?
Não importa!
Mulheres do mundo inteiro,
Digam: Não!
No Paquistão,
Ou no mais simples outeiro...
Desse dia da mulher
Façam um dia de luta!
Porque há de a mulher
Ser puta e o homem
Garanhão?
Nesse dia da mulher
Façam vigílias e luto
Contra o Patriarca bruto,
Neste mundo
De tabus e repressões...
Digam bem alto,
Gritando:
"- Chega de humilhações!"
Que esse dia da mulher
Seja apenas mais um dia
Para as que já conquistaram
O que mundo lhes devia...
Porém,
Para a maioria:
É o dia da revolta,
Não de festa,
Mas de garra,
De uma garra
Que se solta
Para acabar a fanfarra,
Para impor a igualdade,
Para conquistar:
Liberdade!
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher...
Gil Saraiva
VIII
"OS OLHOS DA TESTEMUNHA"
Ela viu!
Ela viu a pedra dura
Na mão
Do criminoso...
O movimento fatídico
Do braço...
A explosão de sangue quente
Na fronte aberta
De uma vítima...
Ela viu...
No sítio incerto,
Na hora errada,
O facto absurdo...
E os olhos
Da testemunha
Brilharam parados...
Ela viu
Que ele a viu a ela!...
Gil Saraiva
VII
"EMBRIÃO"
"- Já sinto o nosso menino..."
Diz a mãe,
Com lágrimas nos olhos
E flores no coração...
"- Vem, põe aqui a mão,
Também o sentes?"
E o pai envergonhado
Diz que não...
O embrião corre pró milagre,
Mais alguns meses
E irá nascer...
E os pais perguntam:
"- Quem será ele um dia?"
"- Que missão terá ele
Neste mundo?"
"- O que fará
O nosso querido filho...?"
"- Que nome lhe daremos?"
"- Adolfo...?"
"- Lindo..."
Diz o pai...
"- Adolfo... Adolfo Hitler!"
Até o mal,
Um dia, teve
De nascer...
E quantas vezes
Ele nasce
Por amor?
O que faríamos nós
Se, previamente,
Conseguíssemos saber?...
Gil Saraiva
VI
"TODOS CONHECEM A TERRA...”
Todos conhecem a Terra
Que vem dos confins do Tempo,
Vem de um talvez contratempo,
É testemunha afinal;
Vem de tochas e de fráguas,
Tem o timbre
Dos cantores,
Tédios,
Tranquilos, vapores
No transparente das águas…
Tem
Temporal de bágoas
Em temores de rostos mil,
Tem tempestade viril
Na transcendência do Ser...
Todos conhecem a Terra,
Tradição,
Trigo,
Ternura,
Um terreno de bravura
A transbordar
Tatuagens,
Qual talismã de miragens
De uma tarde ainda futura...
Todos conhecem a Terra,
Texto, terreiro, trabalho,
Trato, taxa ou espantalho,
Trégua em tratado tardio...
Taciturna por um fio;
Território, telegrama,
Transitório trunfo, trama
A transbordar de tensão...
Tabuleiro de tornado,
Turno de turma, pecado,
O tardar da televisão
Que é sinal de tempestade;
Tomar tarefa, torpedo,
Trincheira cheia de medo…
Trânsito,
Tiro de verdade,
Telemóvel e brinquedo;
Transtornada tentação,
Terramoto,
Temperatura,
Tiquetaque de rotura…
Tromba-d'água, tubarão;
Talhar de teima, temer,
Tecer truque tenebroso,
Testemunho que odioso
Nos faz tombar e torcer...
Todos conhecem a Terra,
Que é trampolim da comédia
E que num truque se encerra,
De transpirar sem recibo
Em tirania e tragédia
Na traição de uma tribo...
Todos conhecem a Terra,
Telefone de trovão
Que tosse
Como um tufão
Tóxicos traumas da guerra,
Que não para, não tem termo,
Não tem fim, é um tormento...
Tantas toupeiras num ermo,
Quais tanques em movimento,
Três, treze e quantas mais
Vão cavar túmulos fatais...?
Todos conhecem a Terra,
Onde até o topo erra,
Que é como um túnel, tesouro,
Termómetro
E tenebroso
Tráfico feito sem ouro,
Por um bandido tinhoso,
Que trafica à tonelada,
Sem tática ter traçada...
Tráfego,
Tranca, tarado,
Testículo abandonado
Por um traidor que merecia
Não um trono,
Mas torrado,
Ser em turbina de azia,
Sem eles morrer castrado...
Todos conhecem a Terra,
Técnica,
Troféu total,
Tímpano,
Trauma, torneio,
Transporte e tribunal,
Tanto trilho,
Transfusão,
Tentáculo de traiçoeiro,
Travessia terminal
Da trincheira de um tumor...
Troco,
Turista, terror,
Tratamento pra tirar
Tudo o que houver que depor,
Sem a tropa a tripular...
Todos conhecem a Terra...
E se houver uma Terceira
Guerra de trevas final,
Começada à terça-feira
Por um taliban fatal...?
Temível, totalitário,
Louco querendo trucidar
Um trémulo mundo ao contrário
Que não sabe ripostar...
Da tristeza à transfusão,
Com um terço em cada mão,
Vamos todos esperar
Que em bem possa terminar
Esta luta dita santa
Por quem tem cérebro de anta,
Que as torres, fez desabar!...
Todos conhecem a Terra...
Se tramou a Economia
Capitalismo tremeu,
Tradução que tardaria
A trazer luz neste breu...
Direitos Humanos? Tampão!
Tratamento em turbilhão...
Troika trocos troca, tintas
Pintam tapumes tapando
Com cores de Tirania
Tratados tornados fintas...
Lá os Direitos Humanos
De gregos ou portugueses
Tomados pelos germanos
Aos Estados tão totós
Triturados como em mós...
Mas nada disto adianta,
Todos conhecem a Terra:
Havendo homens no mundo,
Num segundo travar guerra
É tara, filosofia,
Sonho tornado magia
Que vem dos confins do Tempo,
Vem de um talvez contratempo…
Testemunho que entre mil
Nos faz tombar
E torcer
Em tempestade viril
Na transcendência do Ser...
Gil Saraiva
V
"A POESIA DO TÊ"
T: de Terra, de Território,
De Tempo, de Ternura, de Texto,
De Timbre, de Terreiro,
De Trabalho, de Tédio,
De Tranquilo, de Transcendente,
De Trato, de Turno, de Turma...
De Tarde, de Tardio, de Tardar,
De Tradição, de Trégua, de Trigo,
De Trânsito, de Transitório,
De Tratado, de Torneio, de Telefone,
De Telegrama, de Telemóvel,
De Televisão, de Taciturno, de Taxa...
De Talvez, de Tabuleiro,
De Tatuagem, de Transparente,
De Tentação, de Tráfego,
De Temperatura, de Termómetro,
De Temporal, de Trompa, de Tempestade,
De Tubarão, de Terremoto, de Temor...
De Trovão, de Toupeira, de Tornado,
De Tufão, de Teima, de Temer,
De Tragédia, de Treze, de Trunfo,
De Terceira, de Twin Towers, de Topo,
De Túnel, de Tesouro, de Talismã,
De Trade, de Tonelada, de Trampolim...
De Testemunha, de Torpedo, de Tranca,
De Talho, de Tímpano, de Truque,
De Transbordar, de Tanque, de Tiro,
De Tocha, de Torrado, de Tomar,
De Tarefa, de Tombo, de Tensão,
De Tecer, de Técnica, de Torcer...
De Transpirar, de Tráfico, de Tática,
De Testículos, de Tique-Taque,
De Turbina, de Transporte, de Travessia,
De Tirar, de Trincheira, de Tumor,
De Trilho, de Tripular, de Taliban,
De Tribo, de Trono, de Trama, de Três...
De Tirania, de Totalitário, de Tarado,
De Traidor, de Traiçoeiro, de Temível,
De Tenebroso, de Tentáculo, de Terror,
De Terrorista, de Trofeu, de Totalitário,
De Tóxico, de Transtornado, de Tanto,
De Todo, de Total, de Termo...
De Terminal, de Tormento, de Trucidar,
De Terça-Feira, de Trevas, de Tumulto,
De Turista, de Tossir, de Tristeza,
De Transfusão, de Trauma, de Tratamento,
De Trémulo, de Túmulo, de Terço, de Tropa,
De Troco, de Tribunal, de Travar e de Tudo!...
Gil Saraiva
IV
"VERGONHA"
No eco dos sentidos
Mais profundos
Procuro com fervor
Uma outra idade...
E lembro os velhos tempos
Com saudade...
E, outra vez,
Vivo-os, por segundos...
Mas se meus anos
Foram tão fecundos,
E já alguns eu tenho
Em minha idade,
Noventa devo ter eu
De ansiedade
Pois tenho o Ser e a Alma
Moribundos,
Perdidos entre sonhos,
Vagabundos...
Meu eco,
Do sofrer,
Viveu imune
Até dele alguém
Fazer denúncia...
Não mais poderá
Ficar impune...
E a vida irá mudar
Se houver renúncia...
Meu ego
Esqueceu como se sonha...
Ficou dentro de mim,
Por ter vergonha!...
Gil Saraiva
III
"ALGUÉM"
Vagabundo Dos Limbos...
Haragano, O Etéreo...
Senhor da Bruma...
Uma jangada de palavras
Que flutuam pela internet
Sem um rumo certo...
Sou
Aquilo que sempre fui:
Um sonhador!...
Sinto todas as lágrimas
Que choro em gotas de bits
E cascatas de bytes
Sem destino...
Sou
Um Vagabundo Dos Limbos...
Sou
O Haragano, o Etéreo...
Porque sou o Senhor da Bruma!
Que mais posso almejar
Do reino das palavras?
Quero a verdade!
E isso é muito?
Rindo de mim mesmo
Vou ficando...
Quem fala verdade
A um haragano?
Quem, na jangada,
Tem rumo, destino?
Para que eu possa amar,
Mulher, só quero uma...
Quem se poderá fundir
Ao Senhor da Bruma?
Haverá quem?
Ah!...
Tem de haver alguém!...
Gil Saraiva
II
"ELA..."
Ela
Não podia estar ali...
Talvez...
Nos confins do pensamento,
Longe de tudo...
Não de todos!...
Um rosto jovem no sorrir...
Um rosto,
Com raios de Sol
Caindo nos ombros,
Em cabelos de um ouro
Que brilha no escuro...
O azul do mar
Repousando nas pálpebras,
De uns olhos castanhos
Que brilham também...
Um doce poente
Poisado nos lábios,
De uma boca que arde
E cheira a pecado...
Um luar de prata
Em seu meigo rosto,
De uma Lua Cheia
Que ilumina a serra...
Os traços de Vénus
Moldados num corpo,
Que Gaia quis tão fértil
Como sensual...
O entardecer
Descendo no ventre,
Qual crepúsculo
Anunciando a plenitude...
O sabor a sal
Colando-lhe as coxas,
Húmidas de ansiedade,
De ante prazer...
O toque da seda
Envolvendo os seios,
Tentando esconder
A derme perfeita...
O amor perdido
Em seu terno olhar,
Que busca, sedento,
Outro olhar igual...
E um ar de oásis
Cobrindo-lhe a pele,
Qual neblina ténue
Desejando Sol...
Ela...
Não podia estar ali...
Talvez...
Perto de alguém,
Imaginário ninguém,
A quem espera,
Um dia,
Vir a encontrar!...
Ela
Não podia estar ali...!
Não!...
Não existe tal paisagem,
Pois as quimeras
Nunca são reais!
Mas...
Se por força
De acasos impensáveis,
A paisagem
Não for mera miragem...
Se o ocaso
Realmente for poente
Que chega ante meus olhos
Suspensos na exceção,
Então... então...
Então tudo eu dou
Pela paisagem!...
O que sou,
O que fui
E o que serei,
O que tenho
E o que possa vir a ter...
Tudo!...
Porque tudo é pouco
Se puder na paisagem
Meu ser eu colocar...
Num canto,
Ali...
Mas enquadrado...
Ela
Não podia estar ali...
Gil Saraiva