I
"ACHO QUE MORRI..."
Para que servem meus olhos
Se não te vejo no horizonte...
Minhas mãos perderam-se
Pois não sinto a tua derme
Entre meus dedos...
E paladar pra quê?
Se o teu gosto perdi
Nos confins
De uma amazónica saudade...
Seria talvez melhor
Ter nascido surdo
Eu que não mais escutei
A doce melodia dessa tua voz...
De que me serve sentir
O odor das flores
Se já não cheiro mais
A infinita loucura
Do teu ser...
Acho que morri!
Mas se morri...
Como posso pensar
Ainda em ti? Obrigado…
Gil Saraiva
XX
"EXTINGUIU"
Tu existes num mundo longínquo,
Distante do olhar,
Do toque, do sentir...
Teus sonhos são meras ilusões,
Ondas lançadas
Num Atlântico sem fim,
Cuja espuma se desfaz
Nas areias vãs
Deste velho continente...
Amar, porém, exige a atração
Entre dois polos de idêntico sinal,
Contrariando as leis da física...
Amar,
Exige o sorriso do vento
Em nossa pele,
A fusão do pensar e do sentir.
Amar,
Exige o acender da lágrima
Em chamas de milagre
Quando a própria chama
Se extinguiu...
Gil Saraiva
XIX
"QUEDA DE ÁGUA"
Não sei se aqui encontro
O abrigo quente,
O refúgio terno,
De palavras de alegria,
A doce sensação do existir
Entre quem sente,
De quem vagueia
E não se encontrando
Recebe, por fim,
Um sorriso protetor...
O que me pode dar a internet
Que eu não saiba já?
Não sei...
Mas quem dera poder sentir, por fim,
O sangue correr em minhas veias
Com a força de um rio que se esvai
Em direção à queda de água...
Como era bom saber
Que sinto igual aos outros...
Saber que existe amor
Para mim também...
Afinal é disso que todos nós vivemos...
E há mesmo ainda
Quem morra por amor...
Não quero morrer
Sem sentir meu sangue desaguar, por fim,
Na queda de água
De algo a que eu chame:
Os nossos sentimentos...
Gil Saraiva
XVIII
"NUNCA SE CALA"
Para se distinguir as formas
Importa focalizar o conjunto no seu todo...
Para se conhecer a alma
Importa saber ler o ser na sua essência...
A premência do aperfeiçoamento
Gera o maravilhoso campo
Do existir com sentimento...
Queremos ser perfeitos para alguém...
Que nunca nós!
Se a arte é longa e a vida é breve...
Se o espírito é força que a matéria move...
Se o corpo é existir e a alma é ser...
Se a dor é berro... e o amor é grito...
Quero que me falhe nunca a fala
Para poder dar voz ao coração,
Que por ti berra e grita ao infinito:
"- Vem arte eterna de ser e de emoção...
Tu és o amor que em mim resvala,
Palavra de ordem que pode até chorar
Mas que não... jamais... nunca se cala!"
Gil Saraiva
XVII
"Então..."
Se a vida tivesse o encanto
De um mágico no palco,
Se cada pomba branca
Saída de uma manga,
Mais não fosse
Do que um voar suave para a paz...
Se na existência da ilusão total
Houvesse a essência
Enciclopédica do ser...
Ai! Se...
Se tu me amasses
Como eu te amo...
Se tu sentisses
Como eu sinto...
Se tu fizesses
O que eu faço...
Se tu pedisses
O que eu peço...
Se a merda deste SE
Não existisse...
Então,
E só então,
Eu poderia conquistar
A felicidade...
Se eu não fosse
O Senhor da Bruma,
Ser cuja alma se perdeu...
Gil Saraiva
XVI
"MAIS LONGE"
Vagabundo de mim...
Qual haragano,
Um Etéreo farrapo de uma nuvem
Sob um céu de verão:
Se chover serei lágrima...
Se ventar serei sombra
Que passa e não protege...
Se o Sol sobre mim
Poisar seu manto quente
Serei humidade,
Orvalho na alvorada,
Gota de prazer em cada pétala
Pingando sede de viver
Na terra ressequida!...
Senhor da Bruma...
Haragano dos Limbos...
Uma vaga esquecida...
Pouco mais sou agora
Do que um náufrago
Do tempo e do olhar...
Quero encontrar
A ilha da esperança,
Mas não sei como ou onde procurar...
E assim, perdido, nas voltas que dou,
Mais longe vou ficando
Qual ermita, vagabundo, monge
Que sem ninguém por perto, está mais longe.
Gil Saraiva
XV
“FÉNIX”
Arte... harmonia do Tempo, em cada tempo...
Reflexo cultural semigenérico
Que só alguns dotados
Conseguem realmente apresentar...
Arte... porque qualquer de nós tem por dever:
Compreender, amar, saber sentir...
A estética é bela, “Fenixiana” pura
E a Arte é o sentir representado
Da harmonia estética do mundo,
De fénixes mil por cada tema:
Reflexos de nós e nada mais!...
Séculos há em que a Fénix se propaga...
A espécie ganha força, gera frutos,
Num movimento imenso: universal!
No vigésimo primeiro século da História
Uma outra ave nasce... é de rapina
E tem uma palavra nova para a explicar:
“Artítese”!
Um monstro deformado, devorador de Fénixes,
O Anticristo da Ordem dos Dotados Criadores!...
Rareia, agora, a Fénix na Terra
E todos temem, tremem, mas não falam!...
A “Artítese”
Proclama-se de Fénix e diz renascer da anterior...
Tem falta de harmonia,
Foge à estética e só ao medíocre dá aval!
Artistas, criadores, deste planeta,
Património de toda a Humanidade,
Ajudem-me a matar o predador!
É necessário tentar salvar a Fénix!
Gil Saraiva
XIV
"BALADA DO HOMEM”
(Que queria ser parte de outro alguém)
Fosse eu um às, cavaleiro, armado de capa e nada...
Negro corcel, derradeiro, cavalgando a madrugada...
Fosse eu um nobre de outrora p'ra quem a honra era espada...
Brilhante, afiada, espora acelerando a montada...
Poderia, finalmente, te olhar de cabeça erguida,
Com o orgulho de gente, que a batalha tem vencida,
Rendendo-me humildemente ao nosso amor e à vida!
Ai! Fosse eu um dos Infantes, ínclito filho de um rei...
Monarca, como era dantes, p'ra quem palavra era lei...
Ai! Fosse eu mago e magia, feito, bruxedo ou proeza...
Dono e senhor da alquimia, mestre da mãe natureza...
Poderia, finalmente, te olhar de cabeça erguida,
Com o orgulho de gente, que a batalha tem vencida,
Rendendo-me humildemente ao nosso amor e à vida!
Fosse eu qualquer coisa assim, com importância acrescida,
Poderia, então, por fim, encontrar uma saída...
Fosse eu, logo, o primeiro, a pedir-te a mão, querida.
Só o inalar teu cheiro dar-me-ia nova vida...
Poderia, finalmente, te olhar de cabeça erguida,
Com o orgulho de gente, que a batalha tem vencida,
Rendendo-me humildemente ao nosso amor e à vida!
Gil Saraiva
XIII
"FACHO OLÍMPICO"
A noção de perda
Só se torna objetiva
Quando tomamos consciência absoluta
Que algo se perdeu irremediavelmente...
Perder um ente que nos é querido
Cai fundo dentro do ser que constituímos
E abala os alicerces da razão
Do nosso próprio existir...
À memória chegam-nos,
Apressadamente,
As memórias do que de bom existia
Na vida agora finda...
Sorrimos com nostalgia,
Choramos com saudade...
E apelamos, desenfreadamente,
A Cronos que nos faça esquecer com rapidez...
Mas o registo fica,
Gravado algures na alma
Que nos faz humanos,
Para que algo de quem se findou
Se perpetue naqueles
Que lhe foram próximos e que por cá ficaram...
E seja por amor ou amizade
É nesses registos de alma e existir
Que a chama se mantém acesa,
Para sempre impedida de apagar,
Qual facho olímpico
Que importa manter e preservar...
Gil Saraiva
XII
"POR ENTRE LABAREDAS E AMARRAS"
Um dia... alguém me falou de amarras...
Amarras não são para quem vagueia, como eu,
Perdido na ilusão de sorrisos ocos,
Sem encontrar o eco das palavras
Que teclo nesta tela, uma vez mais...
Vagabundo, estou condenado a ser,
Até que alguém me liberte
Com um simples reflexo do sentir...
A liberdade trará, por certo,
A fresca alvorada
De um novo amanhecer ante meus olhos...
As vestes dos limbos, do vagabundo que sou,
Qual Haragano, o Etéreo, por fim,
Serão queimadas na fogueira dos novos sentidos,
Nas labaredas de quem arde de amor...
Não poderei, então, continuar Senhor da Bruma,
Fria, húmida, sem sentir.
Bruma que me esconde eficazmente
Do que fui, sou ou estou para vir a ser.
Vá, diz-me amor porque demoras?
Porque saudades minhas tu não choras?
Porque não vens tu, em labaredas,
Entre véus eróticos ou sedas,
Tirar-me da Bruma, que são horas?
Ah, vem amor, porque não me agarras?
Prende-me, junto a ti, enquanto coras,
Faz de mim o altar onde tu oras,
Timidamente cria essas amarras.
Sê a primavera deste infinito inverno...
Quero guardar em nós o amor eterno
E ser a presa viva em tuas garras.
Gil Saraiva