(entre cá e lá...)
XXXV
"LISBOA"
Nesta cidade gente se amontoa...
Entre autocarros... carros... me baralho...
Eterna confusão... progresso falho...
Feito para gastar cada pessoa...
E num ritmo feroz... onde ressoa
Aquilo a que ainda chamam de trabalho:
Descanso à sombra fresca de um carvalho
Num dos muitos jardins que tem Lisboa!
Não quero essa vivência envenenada,
Que esta cidade vibra, goza a vida,
Na floresta de asfalto arquitetada,
Lisboa, para tudo, tem saída.
Com o Tejo a compor a aguarela
Cortejo a capital porque ela é bela!...
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XXXIV
"ALÉM DA MORTE"
Eu amo-te, Ah!... Como eu te amo vida,
Luz, alma gémea, em mim redescoberta.
Tu és o rosto azul, na sala aberta,
Ao Sol que da janela, de fugida,
Te torna mundo, terra agradecida,
Por seres nascente, fonte, na deserta
Planície de mim, por ti desperta,
Qual primavera solta, ao ar florida!...
Eu te amo, meu amor, flor encantada,
Perfume que o meu ser à força quer,
Deusa que Deus, um dia, fez mulher,
Para tornar minha alma apaixonada!
Tu és a minha estrela, a minha sorte,
E neste verso, minha… além da Morte!
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XXXIII
"ÉS TU"
Ah! Quem nos olhos trás a primavera...?
Quem no sorriso tem a branca neve...?
Quem dança como pena, ao vento, leve...?
Quem pode ser humana e ser tão fera...?
Quem faz parar o mundo quando espera...?
A quem este poema tudo deve...?
Por quem se torna a vida uma hora breve...?
P'ra quem nasceu tão meiga esta quimera...?
E quem tem a frescura de uma brisa?
Quem tem traços mais brandos que aguarela?
Quem faz ferver as águas do Tamisa?
É quem o alto Olimpo inveja ao vê-la...
Não se compara a Héstia ou Artemisa...
És tu... que brilhas mais do que uma estrela!
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XXXI
"GAIA"
Vila Nova de Gaia foi menina,
Vila e moça, gaiata sem idade,
À beira rio viveu a mocidade,
Esquecida p’los deuses, mas divina...
Vila Nova de Gaia, a feminina
Musa do Douro, altiva majestade,
O direito ganhou a ser cidade
Depois de tantos anos de traquina...
Noiva do Grande Porto, geradora
De quem passou a ponte da memória
Por ter nas mãos a garra criadora,
Esse dom de do nada fazer História:
São teus: Teixeira Lopes, Isolino,
Soares dos Reis... as artes, um destino...
(entre cá e lá...)
XXXI
"TORRE UNIVERSITÁRIA"
Naquele austero monte de granito,
Símbolo da ciência nossa, lusitana,
Escava a negra chuva desumana
Rios de dor, murmúrios de infinito,
Na pedra, eternizada pelo mito
Do doutoral poder da raça humana;
E o corpo mineral, por dentro, inflama,
Mas sem que a negra rocha solte um grito...
E já o Sol desponta, em seu socorro,
Curando a dor da torre dolorida
E ainda a brisa acalma a sua mágoa,
Quando silva no espaço, em todo o morro,
O juvenil chegar na raça querida
Trazendo a tempestade... em copo de água!...
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XXX
"FADO"
Nesta cidade velha de estudantes,
Ouvindo hoje à noite a serenata
Na sé velha, velhinha, aristocrata,
Tudo parece, em redor, como dantes:
Mundo novo de livros e amantes,
Mas antigo no negro da gravata
E nas guitarras, p’la noite abstrata,
Tocando negros fados suplicantes...
E do negro das capas, das batinas,
Despertam encantados sentimentos
Nos corações perdidos das meninas.
Não tenho eu nessas capas meus talentos,
Mas declamo mais alto, apaixonado,
Meus versos para ti: supremo Fado...
Gil Saraiva
(entre cá e lá)
XXIX
"COIMBRA"
São cabelos teus as ruas sombrias
Onde a pouco e pouco um viver constróis...
E esses olhos são mil luzes, faróis,
Iluminando mil filosofias...
E esses lábios teus são academias
Onde estudantes sonham ser heróis...
E o teu cantar é dos rouxinóis
Que no fado te cantam poesias...
E esses seios de sonho, são colinas,
Que abrigam à noite a vida do frio...
E do teu corpo brotam cristalinas
As fontes de água do Mondego rio...
E no teu ventre guardam-se as ruínas
De latinas paixões, de amor vadio...
Gil Saraiva
XXVIII
"BASTOU"
Nos braços de mulheres, vezes sem conta,
Caí durante um tempo que não sei...
E nos seus ventres foi meu ceptro rei,
Vassalo, escravo, prémio e mesmo afronta...
E nos seus lábios minha boca pronta
Bebeu todo um amor que eu não provei...
E porque tudo tive... nada dei,
Apenas saciei-me em carne tonta...
Em braços, por mulheres, meu ego andou,
Vampírico animal por emoções...
Eu fui o outro lado do que sou
Somando caras, ventres, ereções...
Mas me perdeu, um dia, Lúcifer,
Bastou um só olhar, de ti, mulher!...
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XXVII
"DOCE"
Existe uma palavra que hoje em dia
Não me deixa a cabeça, o pensamento,
E quando penso nela, no momento,
Sinto a tua presença e alegria…
Não sei se sofro de alguma fobia,
Se um vírus apanhei no ar, no vento,
E doença não é, pois, sofrimento
Não está associado à euforia…
Mas que há ligação, e que ela é estranha,
Não a posso negar, pois sinto, assim,
Uma impressão, um fogo, um frenesim,
Quando a mim chega, de onde quer que venha….
Existe uma palavra, quem a trouxe?
Só tu podes ter sido, que ela é: doce.
Gil Saraiva
(entre cá e lá)
XXVI
"SORRIU"
Riu! Sorriu para nós, o nosso amor,
Pela primeira vez na tenra vida.
Sorriu, ainda meio adormecida,
E logo a mão fugida ao cobertor
Se levantou, qual gesto sedutor
Cortando o ar, buscando (que atrevida...)
A forma, o movimento, a cor garrida
Ou apenas um colo protetor.
E pareceu querer falar, gritar ao mundo
Um ingénuo, mimado, "- Aqui estou!"
E no espaço restrito de um segundo
O quarto, todo ele, se iluminou...
Ficou mais quente, terno, mais macio
E tudo só porque a bebé sorriu!
Gil Saraiva