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XIII
"CRONOS"
Que de mim tenha Cronos piedade...
Eu, a folha, nascida a meio Outono,
Eu, o último verde, antes do sono
Da árvore agora sem fertilidade...
Que me seja tão longa a mocidade:
Como uma solidão tem de abandono;
Como um rei vitalício tem de trono
E como a própria vida tem de idade...
Que, p'ra mim, tenha Cronos justiceira
A sua mão do Tempo, de governo...
E que somente a poise, derradeira,
Quando na minha vida for inverno...
Apenas se a minha alma passageira
Tiver de prestar contas no Inferno!...
Gil Saraiva
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XII
"AS GRADES DE CRONOS"
Que hoje tenha Cronos justiceira
A sua mão do Tempo... em presbitério
Me julgue imparcial, de modo sério,
E se a sentença, enfim, for derradeira,
Que leve esta minha alma passageira,
De volta ao mundo escuro do etéreo,
Abandone meu corpo em cemitério
E este meu ego deite na fogueira...
Eu, o último verde, antes do sono,
Da árvore que secou, já nem dá fruto,
Poderei aceitar o abandono,
Sem que, por mim, ninguém me chore o luto...
Todavia, jamais terei saudades:
"- Ó Cronos, libertai-nos destas grades!"
Gil Saraiva
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XI
"ADEUS MÃE"
São as chagas de Cristo em cada palma,
Soluços que o meu peito não contém...
Flagelos mais de mil, aqui... além...
São lágrimas de fogo em noite calma!
São farrapos dispersos da minha alma,
Que parecem morrer com minha mãe...
Recordações, saudades, sei lá bem...
São como as roxas malhas de uma talma,
Quais sombras de mistério... vago fumo...
Folhas seguindo o vento, neste outono
Rolando pelo chão. Um fim de um sono
De quem velou por mim e me deu rumo!...
Chora-me o ser... por fim, grita-me a boca
Uns sons, que já não saem da voz rouca.
Gil Saraiva
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X
"CIGARRO"
A pouco e pouco sofro, me consumo...
Cigarro após cigarro só me enterro...
Eu já nem força tenho para um berro...
Eu sou completamente pele e fumo...
O meu sangue de nicotina é sumo...
Meus ossos de ferrugem foram ferro...
Sou feito de tabaco em que me encerro...
Eu de mim sou apenas um resumo...
Eu já nem força tenho para ser...
Metamorfose sou, entre meus ais;
Uma beata velha a apodrecer...
Mais um lixo entre cascas e jornais...!
Se o prazer foi razão do meu viver
Agora sou um morto entre os mortais...!
Gil Saraiva
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IX
"MOMENTOS"
Na noite, a decorrer, ligo o PC...
Antes que a solidão, a mim, consuma
A alma, o ser, me transformando em espuma,
Antes que desta dor fique à mercê...
À Internet eu ligo... por quem crê:
Que a solidão ali será nenhuma;
Que mensageiro serei por entre a bruma
Das palavras escritas pra quem lê...
E então procuro o eco dos sentidos;
Vagabundo dos limbos, sem boémia,
Eu busco na rede alma, minha gémea,
Pois nas palavras mudas aos ouvidos
Encontrarei, por certo, os elementos,
Que o eterno, reduzam a momentos...
Gil Saraiva
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VIII
“TERMOR DE TERRA”
Treme a terra em Itália fortemente,
Abre-se o chão com fendas de amargura,
Desabam edifícios na loucura
Da noite de terror que cai na gente…
Morrem homens, mulheres e mais pungente
Morrem crianças na idade pura,
Assim roubadas à vida futura,
Sem um porquê que limpe nossa mente…
Caem as casas aos milhares, no chão,
Ninhos de vida agora abandonada…
Afundam carros, já se racha a estrada
Num caos feito de entulho e emoção…
Na dor intensa se apagou a crise,
Que esta, perante a morte, é mer’ deslise!...
Gil Saraiva
![Cidadão Palhaço.jpg Cidadão Palhaço.jpg]()
VII
“CIDADÃO PALHAÇO”
Lá fora o burburinho é constante...
Tráfego... gente ... vai e vem sem fim...
O meu Campo de Ourique é jardim
Onde as flores são lojas. Abundante
O colorido das montras, deslumbrante,
Deslumbra mais que cravos ou jasmim.
Brilho de ouro gozando o Arlequim,
Que pode nem sentir o odor brilhante
Daquele cristal, da seda ou de amanhã...
E nunca descobrir qual é o uso
Duns Polaroid, máquinas, divã...
Palhaço cidadão, bobo, confuso,
De que lhe serve ter deveres, direitos,
Se os bolsos de uns são largos e outros 'streitos?...
Gil Saraiva
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VI
“APELIDO”
Passam de geração em geração
O gene, o nome, e quem sabe… talvez
A forma de educar, certos porquês,
Mas o que pesa? O sim? O Não?
O apelido é linha e é filão,
Diz de onde vimos, uma e outra vez,
Faz gerações ganharem solidez,
Faz a honra, o orgulho e a visão!
Deixar cair a tradição assim,
Apagando por querer um apelido,
É mais do que ódio desmedido,
É fraco sentimento e é ruim,
É gelado, é inverno e é bafio,
Filha que o pai perdeu… e ele não partiu…
Gil Saraiva
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V
“NOITE NA INTERNET”
Na net a noite tem vinte e quatro horas,
E o tempo aqui se esquece de existir...
Escrever e ler, falar e até ouvir
Tudo acontece sem quaisquer demoras.
Símbolos há que explicam quando choras,
Também existem outros p'ra sorrir,
Perder a ligação, se diz cair,
E um asterisco é beijo a quem adoras,
Uma simbologia universal,
Em toda a Terra... enfim, p'ra todo o mundo
Se consegue falar em um segundo,
Nesta nossa internet virtual.
Não espreitem casa a casa ou lar a lar...
Que ali... há almas sós... querendo amar...
Gil Saraiva
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I V
“NÃO SE FAZ”
Do nome da família tu privaste
Teus filhos, sem dizeres nada filha,
Por vontade escolheste esta trilha,
Pensa na dor que deixas, no desgaste...
Com tudo o que fizeste me marcaste,
Meu olhar se perdeu, por ti não brilha.
Vivo, morri p'ra ti, náufrago em ilha,
Lá, onde habita quem tu mutilaste!
Teus avós, bisavós... num só desgosto,
Eles sentem a dor, a amargura,
Do nome da família não ter rosto
Nas crianças, brincando com candura...
Não se faz, não se se gera a mágoa extrema
Que nome de família: é diadema!
Gil Saraiva