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XXXIII
"A NOITE"
A noite naquela casa caiu,
Igual a outras noites já passadas,
Mas, para mim, diferente a outras noitadas;
Diferente amor que a noite descobriu...
Teu corpo vestido em mim se despiu
Num noturno esquecer de águas paradas,
De noites que a tristeza tem lembradas,
De dias só completos de vazio...
Teu corpo revestiu todo o meu ser,
Teu amor transformou o meu amar,
Na noite que não posso reviver,
Nessa noite que sempre vou lembrar,
Por me ter proibido de a esquecer;
Por a teres proibido de voltar!
Gil Saraiva
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XXXII
"PARA TI…"
Para ti que não me ouves e me lês
É simples o que eu digo, conto ou sinto,
É bem claro o que escrevo, falo, pinto,
Em sonetos de puro português...
Para ti que jamais, nunca, me vês,
Nas entrelinhas lendo o que pressinto,
É tão fácil saber quando minto,
E até, talvez, conheças os porquês...
A ti, leitor, da minha Poesia,
Uma verdade tenho a revelar:
Na voz não tenho o tom de uma alegria,
Nos olhos minhas lágrimas são mar...
E desta boca saem sons dispersos;
Palavras gaguejadas... são meus versos!...
Gil Saraiva
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XXXI
"RIBEIRA"
Namoram namorados na Ribeira
Entre a miséria de quem vende fruta...
Namoram uns, e os outros na labuta
Choram o que lhes falta na algibeira...
E passa esfarrapada uma estrangeira,
Cobiça-a um canalha, mas que à truta
Que a mãe tenta vender com ares de puta
Quando não passa, a pobre, de peixeira...
Namoram namorados junto ao rio,
Formado pelas lágrimas da fome
Daqueles para quem um inverno frio
Retrata a dor intensa que os consome...
Namoram namorados cheios de sorte
Porque a outros, ali, namora a Morte!
Gil Saraiva
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XXX
"PLENO DE MÁGOA"
Sem luz o mundo é estéril, é vazio;
Sem verde o ar não presta, não tem vida;
Sem água a terra morre ressequida,
E sem vento apodrece no bafio...
Sem ordem perde o Homem poderio,
Sem luta larga a meio uma corrida,
Sem sonho ao ponto volta de partida
E sem força abandona o desafio...
Sem dor quem reconhece uma alegria?
Sem guerra ninguém dá valor à paz;
O futuro sem sexo é um só dia,
Sem amor esse dia se desfaz...
Sem ti eu sou a luz, o verde, a água,
Sem vida, sem paz, pleno de mágoa...
Gil Saraiva
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XXIX
"SÓ”
Só! Muito só...! Completamente só!...
Amigos... eu?... Se vivo abandonado?!...
Sozinho... só... de rastos pelo pó...
Apenas eu...!... Só eu... desesperado...
Gasta peça de um velho dominó;
Solitário do amor enfeitiçado...
A mumificação de um faraó;
Companheiro da dor e do pecado...
Hora esquecida em águas de clepsidra;
Ovo parasitário de um inseto...
A mítica imortal cabeça de hidra!...
Apenas eu...!... Só eu... judeu... projeto...
Vivo no infinito do calvário...
A eterna condição de solitário!
Gil Saraiva
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XXVIII
"CHEGOU SERENA…"
Chegou serena hoje a noite fria
Com um sorriso pálido no olhar...
Chegou serena hoje e ao chegar
Quase pensei que, em vez de vir, partia...
Chegou, vestindo o branco que a vestia,
Com reflexos de prata no luar...
Chegou serena hoje a soluçar
Gotas de chuva... e dor... e de agonia,
Chegou, falando em meiga voz de arminho:
- Chego-me a ti, amor, pois é chegado
Ao fim todo o viver que te foi dado...
Respondo eu, ternamente, com carinho:
- Ó companheira de anos!... Ó amada...
Chega-te então a mim... que estás gelada!
Gil Saraiva
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XXVII
"A PONTE"
Já chegou finalmente a minha hora...
Vou eu, enfim, voar e ver a Morte,
Já que eu até aqui não tive sorte!...
O meu rosto marcado já não chora...
É tempo de partir, vou sem demora
Voar uns dez segundos para Norte,
Num salto corajoso, nobre e forte,
Qual Pégaso vou ser... feliz agora
Porque esta minha dor chegou ao fim...
Agradeço-te ó ponte o teu abraço,
O receberes meu salto em teu regaço
Regando, com o meu sangue, o rio e assim
Dando ao Douro minha alma enegrecida
Farás justiça a este ser sem vida...
Gil Saraiva
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XXVI
"SEM SABER COMO"
Que vou fazer agora meu amor?
Ai, diz-me, por favor, que faço agora?
Devo afogar na dor meu ser que chora?
Devo chorar o amor sem teu calor?
Devo existir sequer? Oh, por favor,
Diz-me o que hei de eu fazer, já, nesta hora,
Em que fiquei sem ti, que foste embora?
Como vou eu viver com esta dor?
Não tens resposta, já não dizes nada,
Deixaste que te amasse e me iludi,
Pensei que a minha vida era p’ra ti
E afinal acabei só nesta estrada!
É tão triste, mas tão triste sonhar
Para, sem saber como, eu acordar!
Gil Saraiva
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XXV
"SABOR"
Sabor... sabor de fel, sabor de sal,
Sabor... sabor de dor, sabor de morte;
Sabor que não tem vida, não tem sorte;
Sabor da boca me sabendo mal
Um sabor de saudade natural;
Natural mocidade sem suporte...
Sabor gelado, como o vento norte,
Que é paladar de amargo, vil mortal...
Um mortal desterrado, tão selvagem,
Num mundo por demais civilizado...
Eu sou um prisioneiro, dominado,
Como um vassalo dando vassalagem...
Sabor fraco de mim, mortal sabor
Por não ter no palato o do amor...
Gil Saraiva
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XXIV
"MORRE JÁ!"
Morre já! Sim, mesmo antes de nasceres,
Acaba-te hoje, jaz, termina a vida
No ventre dessa mãe enlouquecida!
Porque se nasces, nasces p’ra viveres
Porque se vives, vives p’ra sofreres.
Porque hás de tu viver na apodrecida
Terra por tanto ódio enegrecida?
Porque se nasces… nasces p’ra morreres.
Deixa antes essa tua alma dormir,
Na miragem que o mundo desconhece,
Não queiras tu a este mundo vir
Pois nada aqui de bom nos acontece.
Após as chagas de uma triste vida
Só morte é a verdade e é saída!
Gil Saraiva