VI
"A PALAVRA"
O bar ao fundo...
O motivo era a espera,
Uma espera com fim anunciado:
Ela não devia demorar!
Na sala cheia, ninguém dava por mim,
Naquele canto destinado
A ilustres desconhecidos,
Como eu, aliás...
A multidão falava de quotidiano,
Falava de tudo,
Mesmo sem muito conseguir acrescentar...
Na minha mente
Uma só palavra parecia bailar
Entre a ponta da língua
E a garganta seca da cerveja
Já extinta no copo da imperial,
Havia algum tempo...
O bar ao fundo...
Uma só palavra...
E ela que tardava...
Pela milionésima primeira vez
Consultei o relógio,
Era verdade:
Os segundos continuavam a passar
No ritmo incontrolável
Do Tempo...
Levantei o olhar...
Ela sorriu para mim
Uma vez mais,
Como mil e uma vezes o fizera
Anteriormente...
E a palavra ganhou forma de novo,
E o Tempo parou,
E o bar pareceu vazio,
E a garganta húmida
Ganhou voz e lançou a palavra,
Pela milionésima segunda vez,
Pela ponta da língua:
Amo-te!
Gil Saraiva
V
"ADEUS HERÓIS DO MAR"
Adeus heróis do mar
Das armas e barões já reformados
Adeus a todos vós
Que edificaram este reino que um dia foi Timor
Adeus ó nobre povo, de quem um dia herdamos
A força, a valentia, a resistência
Faz muitos anos que da dor fazemos pão
Desde o dia da vossa despedida
Que somos caça de um vil invasor
Somos gente de paz
Mas a voz heróis do mar
Pedimos hoje que com esplendor
Levanteis de novo a nossa hoje triste
Terra de Timor
Ó heróis do mar
Pois foi de vós
Que a palavra saudade
A nós chegou
E que saudades de vós
Heróis do mar
E que saudades de vós
Heróis do mar
Adeus a todos vós
Que edificaram este reino
Que um dia foi Timor
Adeus ó nobre povo,
De quem um dia herdamos
A força, a valentia, a resistência
Ó heróis do mar
Pois foi de vós
Que a palavra saudade
A nós chegou
E que saudades de vós
Heróis do mar
E que saudades de vós
Heróis do mar
Ó heróis do mar
Pois foi de vós
Que a palavra saudade
A nós chegou
E que saudades de vós
Heróis do mar
E que saudades de vós
Heróis do mar
Gil Saraiva
Nota: Letra escrita para a banda algarvia Íris – Um Disco de Prata e dois de Ouro. Produção: Vidisco.
IV
“TRISTE MENINA”
Ela deixa cair os braços e chora no meu peito,
Ela está amargurada
Como orvalho frio na aurora agreste,
Triste com seu mundo que acha imperfeito,
Parece acabada,
Uma sombra incolor no crepúsculo celeste…
Conta-me:
O que tens tu menina?
O que te põe tão triste?
Abre-me essa tua alma e deixa-me entrar,
Não te escondas sozinha na escuridão sem luar,
E regressa à luz de onde fugiste,
Sai desse espaço náufrago, um escombro,
Estás perdida nas trevas, toma o meu ombro…
Vem menina triste, triste menina …
Os seus olhos parecem janelas vibrando na chuva,
Molhados, escurecidos pela mágoa que afunda,
Por essa dor cada vez mais profunda,
Menina triste parecendo viúva,
Que sofre mesmo sem se casar.
Talvez o meu amor a faça sarar…
Ela caminha solitária por entre paredes;
Perdida num espaço onde a minha voz não chega,
Nas teias da dor,
Emaranhada nas redes
De um sofrimento de tragédia grega.
Mas eu sei que ela gosta de me sentir perto
Gosta de tomar meu ombro por certo…
Vem menina triste, triste menina …
Ela senta-se num canto perto da porta.
(Tem de haver solução - eu quero gritar)
Ali, quase inerte, parece estar morta
(Desde que ela me queira para a ajudar)
Menina triste não fiques assim
Amanhã é princípio e nunca o fim…
Eu faço o impossível para lhe mostrar a saída,
E talvez um dia eu a liberte
Tanto farei que talvez acerte,
E talvez então ela volte à vida,
Pode ser que consiga ganhar sem perder
Embora saiba que só eu a sei ver…
Vem menina triste, triste menina …
Gil Saraiva
Nota: Inspirado na canção (e temática) de Cat Stevens: «Sad Lisa».
III
“SENHOR DOS TEMPOS”
O Senhor das Eras, dos Tempos, e o seu garanhão
Apareceram na noite, vindos do nada,
Pelos portões do etéreo, do quotidiano,
Antes do raiar fresco da madrugada…
Cavalo alado, transportando o dono
Vestido de negro, com manto de bruma,
Voava num céu feito estrada de estrelas,
Em tempestade de tirar sono,
Ágil e leve como uma pluma…
O Senhor dos Tempos seu haragano montou,
Partindo por uma noite adentro
Através dos portões do tempo,
Autoestrada fora,
Na Via Láctea da imensa escuridão…
Montado no colossal alazão,
Num manto de samito branco,
Ocultando as vestes negras,
Ele voou no ar como uma tempestade,
Sem receios, sem mágoa, sem saudade.
Escura era a noite,
Mas ele tinha reunido as estrelas na sua mão
Para iluminar um caminho através do céu,
Que apenas ele conseguia seguir sem se enganar,
Por instinto, magia ou coisas por explicar.
Os cascos de seu cavalo alado
Bateram cometas de fogo,
Pelo Universo percorrido,
Enfeitiçando o olhar
De quem a ambos contemplasse.
Senhor dos Tempos:
Ninguém sabe para onde vai
Ninguém sabe de onde vem…
Nos abismos do Cosmos
Numa floresta escura,
Por entre cavernas de granito preto,
Os filhos das trevas moravam no esquecimento,
Traindo-se mutuamente numa confusão sem fim,
Porque o Senhor da Escuridão, dos Tempos,
Os mantinha sob o domínio do seu feitiço.
Desde a primeira criação do tempo,
De todos os tempos,
Que os homens sábios e os profetas,
E todos os trabalhadores do oculto,
Haviam alertado o Espaço
Sobre um acerto de contas
Vindo do vento, feito de fogo,
Como uma praga de destruição,
Uma pandemia imensa,
Para quem segue os caminhos do mal.
Além, muito acima dos oceanos e dos rios largos,
Gritos trovejantes faziam-se ouvir,
Através do Sol ou da chuva,
Nas curvas que indicavam
A virada das estações do ano.
No alto rondava o Senhor dos Tempos,
Como mestre único de todo o conhecimento,
Enquanto tudo e todos sob ele,
Uns companheiros celestes,
Amigos do vazio antes do tempo ser tecido,
Homenageavam a sua coroa,
Com palavras de fogo branco
Ecoando nas vestes mágicas
Do ser da luz e da escuridão.
Para onde ele vai
Ninguém sabe…
Algures, nas margens do Tempo e do Espaço,
Num planeta singelo,
De um Sistema Solar sem importância,
Na paz de um vale, escondido por montanhas,
Uma criança nasceu
Enchendo a noite com seu choro.
Um ancião deu graças
Ao Senhor das Idades, dos Tempos, das Eras,
Por este singelo acontecer,
Porque o mal perde a batalha
Contra a inocência
Apenas porque a desconhece.
Nunca a entenderá,
E não faz ideia de como a combater.
As aves do céu ficaram em silêncio
Sabendo ser chegada a hora,
Neste tempo esquecido,
Das águas se calarem
E das montanhas ecoarem,
Vazias de conteúdo,
Para as cidades surdas
Há tanto, tanto tempo,
A chegada há muito esperada.
«- Basta!» - gritou uma voz.
E todos os lugares foram despertados,
Na Terra feita de gente, plena de humanos,
Pobres e ricos sentindo a pandemia e o fogo,
Quais rostos de morte e destruição, montados juntos,
Ligando o globo, qual pira funerária.
Foi o Senhor das Eras
Reunindo almas na safra,
O Senhor dos Tempos
Reunindo… na safra!
A partir do sangue e do trovão,
Dos homens e das suas mortes,
Nos seus olhos escuros com tristeza
O Senhor dos Tempos contemplou a colheita,
Naquele ponto minúsculo do seu Universo.
Aquele ponto, afinal, era importante,
A humanidade pareceu-lhe fundamental,
Para o equilíbrio caótico do seu Cosmos…
Fora por isso que ele e a Luz tinham gerado a criança
Que nascera chorando,
Abrindo um caminho brilhante por entre a escuridão.
Para os velhos e os desamparados,
Os fracos e os humildes,
Para os novos filhos de Luz,
Ele soprou palavras de compaixão.
Gentilmente, o universo viu dissolver-se a escuridão
Através do grande vale entre montanhas,
No minúsculo ponto azul do cosmos.
O infante já não chorava agora,
Ressoava como o fogo,
Que gerara morte e destruição,
Mas, por ser brilho, o novo fogo trazia paz, vida e esperança.
O Senhor dos Tempos partiu, uma vez mais,
Deixando no ponto azul o fruto do seu amor com a Luz,
Qual colheita agora nata,
Apontando à humanidade a via aberta para a liberdade.
Senhor dos Tempos:
Ninguém sabe para onde vai…
Ninguém sabe de onde vem…
Gil Saraiva
Nota: Inspirado na canção (e temática) dos Magna Carta: Lord of the Ages.
II
"QUADRAS POPULARES"
“O MELIDENSE”
(Um Restaurante Típico Alentejano, em Melides. Quadras feitas a pedido do dono: o Senhor Carlos Alberto Pereira que, no final das refeições, oferecia um cartão com uma quadra por cliente.)
I
Se jantar no Melidense,
A comida da Maria
Vai ver como o convence
A voltar no outro dia.
II
Melidense, Melidense,
O que me dás de comer?
- Vê se a lista te convence
É fácil, basta escolher.
III
Melidense, quem diria...
Tem açorda alentejana,
Tem comida da Maria,
Tem comida à fartazana...
IV
Se em Melides passar,
Com a barriga a dar horas,
Há que ir e sem demoras
Ao Melidense manjar.
V
“Melidense me conforte”.
Diz a barriga vazia
Onde a fraca fica forte?
Na cozinha da Maria.
VI
Carlos Alberto Pereira
Te convida p´ra jantar
No Melidense, à maneira
Sem muito teres que gastar.
VII
Toda a semana a servir,
Na quarta é folga certeira,
Melidense, tem sentir
De Carlos Alberto P’reira.
VIII
Quem come no Melidense
De sábado a sexta-feira
Sabe bem quem o convence:
Carlos Alberto Pereira.
IX
Pela boca morre o peixe
Mas aqui vem cozinhado;
Não temos nós quem se queixe,
Ninguém chora bem jantado.
RACISTA
Branco que com branco grita,
Discute pontos de vista,
Porque é que esta mesma fita,
Com negro, já é racista?
RICOS E POBRES
Se um pobre me roubar
Impõe-se pena, com peso,
Se o meu banco me enganar,
Cuidado! Posso ir eu preso...
SANTO ANTÓNIO
I
Beijo, que é Stº. António,
Dia 13, sexta-feira,
Que o santo do matrimónio,
Não vai cair da cadeira.
II
Beijo nesta lua cheia,
Noite de marchas e festa,
Que beijar não dá cadeia,
Se for dado assim na testa.
III
Beijo “prá” doce menina,
Dado com muito carinho,
Que o santo não se amofina,
E nem vai fazer beicinho.
GUERRA DOS SEXOS
Nos sexos há uma luta
Que não tem compreensão:
Porque há de a mulher ser puta
E o homem garanhão?
O AMIGO DA ONÇA
Se queres ser meu amigo,
Mal de mim não digas tu,
Acredita que consigo
Mandar-te levar no cu.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Não devia ter casado.
Quem, na mulher, bate, em casa,
Talvez se fosse castrado,
Perdesse força na asa…
O ESPERTINHO
I
Para se pescar, sem rede,
Há que ser especialista,
Quem sem água mata a sede,
É esperto ou oportunista.
II
A mim não me enganas tu…
Tudo sabe o rei do esquema,
Vende frango por peru,
Para ele, truque é poema.
O JUIZ
I
Se fores, em tribunal,
Injustamente acusado,
o juiz que te fez mal
Devia acabar culpado.
II
Condenar, sem ter certeza,
Perdoar, por preconceito,
São critérios de tristeza
De juízes com defeito.
III
Decidir, sem ter razão,
Num juiz é mais que asneira…
Se uma luva é para a mão,
Não se usa na carteira.
A VIDA
Sorria, nunca ande triste,
Pelos caminhos da vida,
Que a vida que em nós existe
Não tem volta, só tem ida…
OS ANIMAIS
Quem maltrata gato e cão
Por apenas malvadez,
Não precisa de prisão,
Mas sim, provar do que fez…
PRESUMÍVEL INOCENTE
Quem diz que sou pecador,
Pobre e mal-agradecido,
Deve ser bom orador,
Acusa, sem ter vivido…
JOGO DE INTERESSES
No calor das madrugadas,
Chamas-me amor, com paixão,
Mas nas montras decoradas
Chamas-me amor, sem razão…
O AMBIENTALISTA
Proteger o ambiente
Está na moda outra vez,
Mas ainda há muita gente
Que diz que faz, mas não fez.
O CORRUPTO
Defender o que é de todos,
Mas não pertence a ninguém,
Pode bem gerar engodos,
Para o proveito de alguém…
VEGAN
Dizes que carne não comes,
Vegan, é que é boa malha,
Ficas magra, quase somes…
Todo o burro come palha…
A TERCEIRA IDADE
Os velhos de antigamente
Eram reserva dos Povos,
Agora, já nem são gente,
Por desrespeito dos novos…
SEGUNDOS SENTIDOS
Mezinha, não é remédio,
Omitir, não é mentir,
Cortejar, não é assédio
Nem ir «prá» cama, é dormir.
MEIO CAMINHO ANDADO
I
Meio caminho é, pela estrada,
Não sofrer, antes sorrir,
É saúde encomendada
Doença levada a rir.
II
Sem saúde, paz, dinheiro,
Não se chega a nenhum lado,
Procura rir tu primeiro:
É meio caminho andado.
III
É meio caminho andado
Pelos azares da vida,
Manter o foco apertado
E rir de cada partida.
PORTA-CHAVES
I
Porta-chaves, chaves porta,
No seu anel prateado,
A chave da minha porta,
Não serve na porta ao lado…
II
Porta chaves quantas são
As chaves desta alma minha?
“- São muitas, mas de latão,
Perdeste a de ouro que eu tinha.”
III
O porta-chaves que tem
As chaves da minha vida
Tem a do mal e do bem,
Da chegada e da partida.
Gil Saraiva
I
“NO ANO EM QUE EU NASCI…”
Decorria o Ano da Graça de
Mil novecentos e sessenta e um
Quando, pouco antes de acabar,
Se deu o momento em que eu nasci…
Novembro adentro…
Uma meia dúzia de dias
Já passados…
Em pleno Outono,
Pelo cair da folha,
À porta de um frio
Que não se anunciava para breve…
Terça-feira,
Sem muita festa
Ou Carnaval…
De sessenta e um não guardo memória,
O berço parece ter sido,
Pelo que diz quem me conheceu,
Todo o meu Universo,
Nesse ano que foi ímpar, por um mero acaso.
Mas… olhando para trás,
Revendo a História,
Descubro que o Mundo não parou
Para me ver nascer naquela data…
E muito aconteceu,
Bem mais relevante do que eu…:
O ano em que eu nasci foi agitado,
Na Bélgica o céu se revoltou,
Em trombas de água de trágico final,
Levando para morte onze mortais…
Paris tremeu, gelou de frio,
Bateu recordes de cem anos, nessa data…
Porém, Portugal aquecia corações
Porque o Verão se fez durar o tempo inteiro,
Por entre chuvas verdes de tépida frescura…
Não peçam que me lembre,
Contudo, no ano em que eu nasci:
Em Angola a guerra teve início
Contra o poder de um Salazar colonial;
Goa, Damão e Diu se perderam
Para a União Indiana farta do nosso Fascismo Colonialista,
A Argélia conquistou a sua autodeterminação.
O Muro de Berlim se ergueu,
Anunciando a Guerra Fria entre dois blocos.
O Dia dos Namorados foi diferente,
Calhou bem na terça-feira de Carnaval.
E foi mesmo no ano em que eu nasci que
Cuba e os americanos cortaram relações diplomáticas,
Perante o espanto das gentes apáticas.
John F. Kennedy chegou à presidência,
E anunciou a intenção de pôr um homem na Lua,
Em resposta, os russos movimentam-se e
Iuri Gagarin torna-se o primeiro humano
A atingir o espaço sideral.
Em África o líder da independência do Zaire
É barbaramente assassinado
E a Serra Leoa torna-se independente do Império Britânico.
Para quem, como eu, nasceu calado,
A precisar de câmara de gás
(Dizem que era de oxigénio)
A agitação mundial parecia não me incomodar.
Todavia, o ano em que eu nasci
Foi agitado.
Nos Açores, ao largo da Ilha de Santa Maria,
Encalha, o petroleiro norueguês Velma,
Gerando uma maré negra assustadora.
Foi o início da invasão da Baia dos Porcos,
Em Cuba, com a CIA, sem sucesso, no comando.
A URSS testa no oceano Ártico a Bomba Tsar,
A maior bomba atómica a ser detonada na história.
Já no Brasil, um incêndio criminoso
Faz a tragédia no Gran Circus Norte-Americano,
Morrem 500 pessoas nessa tenda, em Niterói,
Morrem mais de 150 animais às mãos das chamas.
Para meu espanto em sessenta e um,
O ano em que eu nasci,
Nasceu também a Princesa Diana,
Um tal de Barack Obama,
O atleta Carl Lewis,
A atriz americana Meg Ryan,
Michael J. Fox, Eddie Murphy,
Nastassja Kinski e George Clooney,
Mas tristemente faleceram:
Ernest Hemingway, Gary Cooper, João Villaret
E o pai da Psicologia Analítica Carl Gustav Jung.
Que ano inesquecível foi o ano em que nasci…
Robert Wise dirigiu o West Side Story
E Elia Kazan lançou o Esplendor na Relva.
França anunciava: Uma Mulher
É Uma Mulher de Jean-Luc Godard
Elvis Presley lança Something for Everybody
E Sinatra edita o álbum All the way.
Já Roy Orbison se anuncia Lonely and Blue.
E as músicas dos tops foram: Speedy Gonzales,
Let's Twist Again e A Walk On The Wild Side.
Foi tudo no ano em que eu nasci,
Não admira que ninguém tivesse dado conta
Que esse foi o meu ano, o número um,
A não ser a minha mãe, o meu pai
E a senhora Graça,
Alguém a quem, até morrer, chamei de avó.
No ano em que eu nasci,
O mundo não parou e pelos vistos,
Não nasci sozinho.
Talvez por isso nunca olhei demais
Para o meu umbigo.
Gil Saraiva
Introdução
O bardo era o indivíduo que transmitia histórias, mitos, lendas, tradições, costumes e poemas de forma oral, cantando-as em narrativas ao seu povo em poemas recitados. Era simultaneamente, com frequência, o músico, o poeta, o historiador e por vezes o conselheiro moralista da povoação nos tempos da antiga Europa desde a idade do ferro à pré-feudal e quase até à chegada do iluminismo, em que o termo acabou absorvido por posteriores designações. Noutras regiões chamavam-no de trovador, uma designação de origem francesa, sendo o papel de ambos idêntico e, embora este último provenha da escola do primeiro, em certas regiões foram coincidentes por uns tempos, até que a designação de bardo acabou por cair em desuso com o passar dos séculos.
O presente livro tem esse desassossego próprio dos bardos, sempre preocupados em perpetuar as memórias do passado e em sobreviver à custa das suas palavras, conselhos e canções. Aqui, nesta edição onde o bardo sou eu, a inquietação é a mesma, ou seja, deixar para a posteridade as memórias de sentires e sentimentos que foram meus. É a demonstração clara de um legado que fica para um futuro que um dia acabará por chegar. Espero que este livro, enquanto embaixador de sentimentos, se cumpra conseguindo sobreviver ao próprio autor, conforme este prevê.
Gil Saraiva
Nota: Poemas criados entre 1985 e 2020
Epílogo
Este livro é dedicado aos sentimentos que a internet consegue despertar naqueles que a usam. Conseguir implica, sem dúvida, que estes tipos de emoções possam vir a existir, mas não determina a sua existência prévia. Contudo, a hipótese existe e tem um peso relevante na vida daqueles que a experimentam. Casos há, e são muitos, em que este relacionamento no éter e na bruma de bits e bytes, se vê projetado, a seu tempo, para o quotidiano das pessoas, passando, a partir desse ponto, a ser mais um relacionamento real, que efetivamente deixou a esfera virtual da sua incubação primária.
Em Portugal, há mais de 25 anos, o fenómeno acontece e tem lugar e, por isso mesmo, à velocidade a que a ciência e o estudo do comportamento humano se desenvolvem nos nossos dias, há já inúmeros estudos sobre a matéria. Nem todos merecedores da melhor das reputações, mas existe um número suficiente de abordagens credíveis para termos a certeza que o relacionamento emocional através da internet veio par ficar. Como na vida, haverão relações de pura ilusão ou engano, como também florescerão aquelas que sem ela jamais teriam conhecido a felicidade e a plenitude. O presente livro é sobre alguns detalhes dessa nova forma de querer e amar. Uma parcela da minha visão sobre a temática, na perspetiva romântica do assunto.
Gil Saraiva
XVII
“QUERO”
Quero
Beber da tua boca
O sabor do teu existir...
Com toda a demora
Que um sonho
Leva a realizar...
Quero
Sentir esses teus fluidos
Se misturarem com os meus
Numa terna
E louca poção de amor...
Quero!
Porque para continuar
A existir eu,
Como a fénix,
Preciso de renascer
Das labaredas
De teu ser...
Vem!
Eu me encontro aqui,
Por entre as palavras
Que escrevo,
Neste Universo
Sem Deus e sem Diabo,
Entre bites
E bytes perdido...
Quero tudo...
Porque te amo toda!
Gil Saraiva
Nota: Poemas criados entre 1995 e 2020.
XVI
“O RECANTO”
No universo imenso do etéreo,
Da net,
Nestes limbos,
Te procuro eu
E, contudo,
Não sei pelo que busco...
Talvez te encontre num recanto fabuloso que,
Só por ele,
Vale por todos os outros,
Porque simples...
Talvez aí seja feliz...
Gil Saraiva