Tive alguma discussão com quem me costuma ler antes de eu começar a divulgar o conteúdo dos meus livros em público. No entender desses amigos e amigas o título do livro parecia rebuscado e pouco claro. Todavia, acabaram por me dar razão, uma vez que é precisamente esse o objetivo do nome do livro. Seria muito mais fácil escrever Revoltas Profundas de uma Mulher-Menina em vez de Díscolas de Runim Iaiá. Claro que sim, sobre isso não há a mínima dúvida. Só que ficaria a faltar o peso histórico e universal das revoltas que são mais do que apenas isso, traduzindo antes verdadeiras batalhas.
O dicionário de sinónimos de 1985 da Porto Editora refere díscolas como significando alarmes, ansiedades, desassossegos, impaciências, inquietudes, perturbações, receios, revoltas e sobressaltos. Um conjunto de sentimentos e estados de alma que importam para este livro enquanto unidade e intenção transmissiva.
Por outro lado, o mesmo dicionário, vai buscar às origens dos ciganos em certas partes do Brasil a palavra runim, como sinónimo de mulher. Uma mulher que, a existir em Portugal, seria alvo de três discriminações. A descriminação quase banal de ser mulher em Portugal, a de ser brasileira, inúmeras vezes colada à prostituição em largos setores da nossa sociedade e a de ser cigana, a raça menos apreciada por muitos ditos brancos no nosso país. Ora, reunir três discriminações tão fortes numa só palavra, pereceu-me o ideal para este livro.
Porém, eu queria falar da mulher menina, da jovem que se torna mulher, de pleno direito e que inicia a sua caminhada como ser adulto pelo mundo dos humanos. Ora, iaiá, significa moça, menina, quer no Brasil, quer em certas partes da África portuguesa. A sua origem remonta ao tempo da escravatura e o seu uso era empregue pelas amas escravas, exportadas das colónias portuguesas de África para o Brasil, para designar as filhas dos seus donos. Mais uma vez discriminações raciais, de género, de status e mesmo de origem.
De tudo isto nasceu este título: Díscolas de Runim Iaiá ou Revoltas Profundas de uma Mulher-Menina. O peso, e a diferença conotativa destes dois títulos, impõe sempre a escolha do primeiro em detrimento do segundo que, mesmo embora possa ser mais claro e muito próximo da objetividade, perde na conotação, nas raízes de uma velha revolta na luta pelo direito de se ser um ser humano com igualdade de deveres e direitos enquanto se é mulher. Mais ainda quando nos queremos referir a uma mulher que se inicia pelos caminhos da vida adulta.
A igualdade de género, mantendo homens e mulheres as suas caraterísticas próprias, bem como todos aqueles que nascem num género que não aquele onde se sentem integrados devia ser um direito fundamental com honras de destaque e sublinhado. Não são admissíveis comportamentos quinhentistas depois da mudança de milénio e a quatro quintos já passados do primeiro quartel do século XXI. Manter atitudes de índole machista, racista, xenófoba, entre outras, devia ser intolerável na sociedade em que vivemos, mais ainda se, como é o caso, nos encontramos no Mundo Ocidental. O respeito não implica cortesia nem galanteio entre géneros, se bem que na devida ocasião seja agradável, mas sim um reconhecimento cabal de que os géneros se encontram ao mesmo nível.
Por outro lado, a língua portuguesa é só uma. As diferenças faladas do português em Timor, Angola, Brasil ou Portugal não determinam línguas diferentes, apenas maneiras diversas de usar a mesma língua. Por isso, e especialmente por isso, é tão correto usar uma palavra que se utiliza mais no Brasil em Portugal, como em Timor ou em Cabo-Verde. São todas palavras portuguesas e também elas devem ser iguais seja qual for o país que as empregue.
Aliás, segundo os estudiosos da matéria, o português é uma língua viva e em franca expansão, devido à dinâmica linguística desenvolvida nos outros países de Língua Oficial Portuguesa, que não Portugal. Recentemente passamos a ser reconhecidos pela UNESCO como a quarta língua mais falada em todo o mundo. Porquê? Porque no universo dos países de Língua Oficial Portuguesa não se fala moçambicano, angolano, brasileiro, goês ou português, sim, em todas elas, por acordo firmado entre as partes, o que é falado é o português.
Aliás, no caso do título, embora ausentes, na sua grande maioria, da internet nos dicionários online da Língua Portuguesa, o referido Dicionário de Sinónimos da Porto Editora, editado em 1985, reconhece estas palavras e o seu significado, mas não é o único, a versão de 1981 do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Sociedade de Língua Portuguesa, de XIII Tomos mais um para os Autores de Língua Portuguesa, editado pelos Amigos do Livro Editores, sob a coordenação de José Pedro Machado, já reconhece e explica a origem de todas as palavras usadas no título deste livro há, portanto, 40 anos, já a partir do início do próximo ano, dentro de dias.
Resta-me desejar a todos os leitores, sejam de que género forem, uma leitura sentida desta minha alma em permanente díscolo. Ao meu mentor, deixo ainda um agradecimento pelo uso do seu espaço na divulgação dos meus sonetos. Para todos fica o meu obrigada.
Ariana Telles
Observação: Os poemas deste livro foram criados entre 2000 e 2020.