No seguimento dos afinismos que ligam quem escreve a quem o poderá vir a ler, é fácil de entender a “Crença em um Fanal na Chona Lôbrega” mesmo que o título fuja aos vocábulos mais correntes, nele se acaba por descobrir a “Esperança em um Farol na Noite Tétrica” ou, como diz o povo, “A Luz ao Fundo do Túnel”. Por mais lúgubre e sinistra que nos pareça a vida, enquanto ela se ancorar numa esperança firme e num acreditar que depois da tempestade tem sempre de chegar um tempo de bonança, não há como não lutar e assim sobreviver.
Todavia, longe dos berços dourados das histórias de encantar, existe um mundo em que nem tudo é justo, correto, educado ou sensível. Na realidade do quotidiano a vida é uma mistura heterogénea entre bem e mal, onde as fronteiras, de ambos os lados, são difusas, mal definidas e quase sempre sem grandes defesas ou segurança entre elas.
Um fanal pode não ter a grandiosidade do Farol de Alexandria, mas, apesar de tudo, não deixa de ser uma luz, que nos dá crença e esperança, na chona lôbrega, qual noite sinistra, em que por vezes nos sentimos envolvidos. Neste momento particular da história da humanidade, em que se enfrenta uma pandemia sem rosto, que colhe sem piedade os anciãos da sabedoria humana, património que são dos povos do mundo, importa resistir, ter a fé, a crença, a esperança, na mais ténue luz que se veja a brilhar.
Gil Saraiva
Nota: Os poemas deste livro foram criados entre 2019 e 2020.
Este é o livro de sonetos de Ariana Telles, um heterónimo de Gil Saraiva, porque há sensibilidades que só se conseguem transmitir pelo ser enquanto mulher. Só a mulher tem a habilidade extraordinária de conjugar âmago, alma, espírito e coração em instinto, sexto sentido, premonição e sobrevivência. Aliás, apenas a mulher consegue transformar estes quatro cardinais do existir (âmago, alma, espírito e coração) numa só vivência, num único cerne, num quinto elemento que vai mais longe do que a soma dos quatro que o constituem. Porque, afinal, que homem consegue transmitir um amor de mãe? Que homem resiste à dor, à doença e ao infortúnio como esse ser perfeito que dá pelo nome de mulher?
As Díscolas de Runim Iaiá, ou as Insubordinações (ou revoltas) de uma Mulher Menina, são, por isso mesmo, uma pequena mostra da minha tentativa de descobrir esse sentir pelo que me foi transmitido, ao longo de muitos anos, por amigas, companheiras e mulheres com a sensibilidade estranha das orquídeas, a leveza plácida dos nenúfares e a grandiosidade aromática das rosas, como se juntas, numa só fragrância, conseguissem unir tudo o que é sentir, amar, ser e estar num verbo novo e singular.