I
“VEJO A LUA LÁ NO ALTO"
(A TI QUERO EU BEM MAIS PERTO)
Juntos, como quem constrói
Uma memória ao luar,
Sem mágoa, esquece onde dói,
Meu amor, vamos dançar.
Meu amor, vamos dançar
Loucamente pela rua,
Vamo-nos deixar levar
Pela batuta da Lua.
Pela batuta da Lua
Onde a natura se cale,
Onde podes dançar nua
Nesses lençóis, bem no vale,
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Quem com coragem se afoite
Pelas noites de luar,
Pela calada da noite
Não sabe o que vai achar.
Não sabe o que vai achar
Quem procura amor no breu,
Pode o inferno alcançar
Ou mesmo ascender ao céu.
Ou mesmo ascender ao céu,
Sem saber que gente existe,
Que na noite há mais que um réu
Condenado a viver triste.
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Vejo a Lua e penso, enfim,
Se sem ti posso viver…
Não sei que será de mim
Se algum dia eu te perder.
Se algum dia eu te perder
Vou compor uma balada
Plena de dor, de sofrer,
Sem caminho, sem estrada.
Sem caminho, sem estrada,
Sem a luz da Lua Cheia,
Que sem ti não há mais nada,
Torno, viro, grão de areia
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Gil Saraiva
Nota: Quadras escritas em 2008 algum tempo depois de voltar para Lisboa.
Introdução
“Tetrásticos de Supercílio Trépido”, poderiam ser simplesmente, pelo lado figurativo, “Quadras de Orgulho Trémulo” ou “Quadras de uma Soberba Assustada”, contudo, face à variedade das quadras apresentadas, muitas delas com ligações entre elas, mas de conteúdo disperso e por vezes anacrónico, são mais, no sentido restrito dos significados, “Quadras de Sobrancelha Que Treme” ou “Quadras de Sobrancelha Hesitante”, a traduzir quatro versos, em estrofe, que se juntam em grupo para transmitir sentimentos, sentidos e sensações, boas ou más, dependendo do lado para onde o seu pendor foge de um modo quase ocasional.
Não sendo a quadra uma forma de estrofe de um estilismo requintado ou mesmo de nível superior, e sendo um facto de que a mesma é mais usada de um modo popular, com origens bem mais humildes do que o eruditismo de que é exemplo o soneto, falar de quadras orgulhosas ou em soberba é um contrassenso que só é ultrapassado se as mesmas forem simultaneamente medrosas, tremendo de receios ou hesitações.
Quando a segurança dos conteúdos, e por vezes da forma, é posta em causa pela própria linha temporal em que foram escritas, é simples de compreender que muitas delas tenham sido criadas com os receios próprios da ignorância formal ou de que os conteúdos apresentados sejam, por força das épocas em que foram elaboradas, bem mais ingénuos ou simplistas do que deveriam ser.
A sobrancelha erguida que treme com medo é uma metáfora perfeita para se falar de “Quadras de Orgulho e Preconceito” no sentido em que o presente livro não tem o intuito de ser uma seleção elitista de estrofes de quatro versos, mas sim uma mostra de que também se pode fazer poesia com receio, simplicidade, ingenuidade e pouco conhecimento cognitivo ou mesmo formal. Em resumo estas quadras de sobrolho tremido são usuais e populares desabafos em verso e não têm intensões de ser qualquer outra coisa que não isso mesmo.
Gil Saraiva
Observação: As quadras deste livro foram criadas dos meus sete anos até à atualidade.
XV
"BALADA DA VAMPIRA – MAIS QUE TUDO”
(Para cantar com a música de “Os Vampiros” de Zeca Afonso)
Nesse teu rosto,
Cerrado escudo,
Ou nesse olhar
De desamparada,
Sinto o Sol posto,
Vem no beijo mudo
Procurando amar,
Não sentindo nada.
Quem ateia a cama
É teu ser veludo
De mulher em chama
Que quer ser amada.
Tu és mais que tudo,
Tu és mais que tudo
Tu és mais que tudo
E eu não sou nada!
Tu és obra de arte,
Perfeita, demais,
Vives na beleza
De seres obra prima.
Abrem guerra a Marte
Os pobres mortais,
Querem a certeza
De ter tua estima.
Quem ateia a cama
É teu ser veludo
De mulher em chama
Que quer ser amada.
Tu és mais que tudo,
Tu és mais que tudo
Tu és mais que tudo
E eu não sou nada!
Tu és o segredo,
Vens de tempo idos,
De lendas e mitos
És moura encantada.
Nunca tenhas medo
Dos dias perdidos,
Porque, entre mil gritos,
Tu és voz amada!
Quem ateia a cama
É teu ser veludo
De mulher em chama
Que quer ser amada.
Tu és mais que tudo,
Tu és mais que tudo
Tu és mais que tudo
E eu não sou nada!
Quem ateia a cama
É teu ser veludo
De mulher em chama
Que quer ser amada.
Tu és mais que tudo,
Tu és mais que tudo
Tu és mais que tudo
E eu não sou nada!
Gil Saraiva
Nota: Letra para a Banda de bairro “Ecos da Cidade” (últimos 20 anos).
(A minha homenagem a uma SENHORA deste bairro que adoro, condolências à família, principalmente à D.ª Teresa)
XIV
"UM DIA SEM AURORA A DESPERTAR”
Senti o frio,
Ontem, com a noite a chegar.
O crepúsculo escondia um arrepio,
Que eu não consegui interpretar.
Conjugava-se a trama
Sem que o bairro soubesse,
E algures, numa cama,
A velha senhora, não porque quisesse,
Fechava os olhos para não mais
Os tornar a abrir.
Fechava-se um sorrir
Para voltar jamais…
E em Campo de Ourique,
Se olvidou a ceia,
Esqueceu-se o chique
Esta nova ideia de ser bairro fino,
Porque aqui, na aldeia,
Se cantou o hino
No partir de Aurora.
Na banca da fruta esta lutadora
Não voltará de novo ao mercado
De Campo de Ourique.
Partiu para outro lado,
Pedem-lhe que fique,
Mas esse destino não se vai mudar,
Parte porque parte para não voltar.
Vendia legumes, frutas, vegetais,
Já nem lembra o tempo os anos passados
A atender fregueses ricos ou banais,
A oferecer alegria
Em sacos pesados
Lá na frutaria.
Hoje, o dia chegou sem querer chegar,
Um dia sem Aurora a despertar…
Gil Saraiva
(A minha homenagem a uma SENHORA deste bairro que adoro, condolências à família, principalmente à D.ª Teresa)
XIV
"UM DIA SEM AURORA A DESPERTAR”
Senti o frio,
Ontem, com a noite a chegar.
O crepúsculo escondia um arrepio,
Que eu não consegui interpretar.
Conjugava-se a trama
Sem que o bairro soubesse,
E algures, numa cama,
A velha senhora, não porque quisesse,
Fechava os olhos para não mais
Os tornar a abrir.
Fechava-se um sorrir
Para voltar jamais…
E em Campo de Ourique,
Se olvidou a ceia,
Esqueceu-se o chique
Esta nova ideia de ser bairro fino,
Porque aqui, na aldeia,
Se cantou o hino
No partir de Aurora.
Na banca da fruta esta lutadora
Não voltará de novo ao mercado
De Campo de Ourique.
Partiu para outro lado,
Pedem-lhe que fique,
Mas esse destino não se vai mudar,
Parte porque parte para não voltar.
Vendia legumes, frutas, vegetais,
Já nem lembra o tempo os anos passados
A atender fregueses ricos ou banais,
A oferecer alegria
Em sacos pesados
Lá na frutaria.
Hoje, o dia chegou sem querer chegar,
Um dia sem Aurora a despertar…
Gil Saraiva
XIII
"BALADA DOS NAMORADOS”
(Cantar com a música d’ “Ó rama, ó que linda rama” de Vitorino)
Se eu for o teu namorado,
Tu és namorada minha.
És o sonho inesperado
De quem sonhos já não tinha.
De quem sonhos já não tinha,
De quem fora abandonado,
Vagabundo sem casinha
Que do sonho fez telhado.
Que do sonho fez telhado,
Abrigo, porto seguro,
Mas és sonho inacabado
Se em mim não tiveres futuro.
Se o passado der futuro,
Vida nova e alegrias,
Serás o cair de um muro,
Que ao cair fez maravilhas.
Se eu for o teu namorado,
Tu és namorada minha.
És o sonho inesperado
De quem sonhos já não tinha.
Que ao cair fez maravilhas,
Junto fome a quem prospera,
Fez continente de ilhas,
Fez nascer a nova era!
Fez nascer a nova era:
O raiar de augusta aurora,
Criou imortal quimera,
Do passado fez outrora.
Do passado fez outrora,
Fez renascer nossa vida,
De mim fez quem já não chora,
De ti fez mulher, querida.
Se eu for o teu namorado,
Tu és namorada minha.
És o sonho inesperado
De quem sonhos já não tinha.
De ti fez mulher, querida,
Alma para a qual nasci,
No deserto oásis, ida,
Passagem que descobri.
Paisagem que eu descobri,
Uma flor por entre as flores,
Uma águia, um colibri,
Por quem eu morro de amores.
Por quem eu morro de amores
És tu namorada minha,
O meu A, 20 valores,
Resposta sem adivinha.
Se eu for o teu namorado,
Tu és namorada minha.
És o sonho inesperado
De quem sonhos já não tinha.
Resposta sem adivinha,
Porque eu sou teu namorado,
Teu cacho de uvas, ó vinha,
Por ti serei vindimado.
Por ti serei vindimado,
Tu és namorada minha.
Se eu for cacho inesperado
Juntos somos vinho e vinha!
Gil Saraiva
Nota: Letra para a Banda de bairro “Ecos da Cidade” (últimos 20 anos).
XII
"BALADA DA CARA METADE”
(Cantar com a música da “Canção do cigano” de Alberto Ribeiro)
Ninguém me falou de ti,
Procurei-te com fervor,
Cara metade eu vivi
Na busca do teu amor.
Lá chegou aquele dia
Em que, por fim, te encontrei.
Tu não sabes da alegria,
Nem de tudo o que eu passei.
Onde estavas minha amada?
Que tanto tempo levei
A bater na porta errada
Ah! Até que, um dia, entrei.
Nunca te vi à janela.
Jamais me cruzei contigo.
Foste oculta Cinderela
Escondida num abrigo.
Foi um dia, por acaso,
Aquele em que eu te encontrei,
Disseste: “- Nunca me caso!”
Mas contigo eu me casei.
Eras tu minha outra face,
Ficou meu rosto feliz.
Tinhas o porte e a classe,
Tinhas o que eu sempre quis.
Ó mulher, mulher paixão,
Tu és a minha verdade.
És face desta união,
És minha cara metade!
Gil Saraiva
Nota: Letra para a Banda de bairro “Ecos da Cidade” (últimos 20 anos).
XI
"BALADA DA SEGUNDA OPORTUNIDADE"
(Cantar com a música d’ “Onde vais rio que eu canto” de Sérgio Borges)
Quero o fim desta ansiedade,
E ganhar um novo alento,
Segunda oportunidade,
Que a primeira foi tormento.
Aqui se busca amizade,
Ajuda p’ra solidão.
Busca solidariedade,
Busca-se um sonho irmão.
Busca-se um sonho irmão,
Uma alma gémea na senda
De um caminho de paixão,
De um ser que nos compreenda.
De um ser que nos compreenda,
Que nos livre do passado,
Um alguém que nos entenda,
Um alguém p’ra ter ao lado.
Quero o fim desta ansiedade,
E ganhar um novo alento,
Segunda oportunidade,
Que a primeira foi tormento.
Quero viver em pecado
E aquecer os pés de inverno,
Um alguém apaixonado,
Que me tira do inferno!
Que me tire do inferno,
Que me dê a mão amiga,
Um meigo existir eterno,
Que tudo o resto é cantiga.
A quem dedico a cantiga,
A quem dou meu coração,
Onde descanso a fadiga
Na esperança da comunhão.
Quero o fim desta ansiedade,
E ganhar um novo alento,
Segunda oportunidade,
Que a primeira foi tormento.
Alcançar a salvação,
E gritar felicidade,
Quero é nesta união
O fim de tanta ansiedade.
O fim de tanta ansiedade
O ganhar de um novo alento,
Transformando esta saudade
Em folha que leva o vento!
Em folha que leva o vento,
Seja no campo ou cidade,
Não quero mais desalento,
Quero o fim desta ansiedade.
Quero o fim desta ansiedade,
E ganhar um novo alento,
Segunda oportunidade,
Que a primeira foi tormento.
O fim de tanta ansiedade
O ganhar de um novo alento,
Transformando esta saudade
Em folha que leva o vento!
O fim de tanta ansiedade
O ganhar de um novo alento,
Transformando esta saudade
Em folha que leva o vento!
Gil Saraiva
Nota: Letra para a Banda de bairro “Ecos da Cidade” (últimos 20 anos).
X
"BALADA DA CRISE INSTALADA"
(Cantar com a música d’ “Ó rama, ó que linda rama” de Vitorino)
Por nós a crise passou,
Depois foi a recessão,
Veio a Troika e repressão,
Que a muitos o pão roubou…
Pedem solidariedade,
Que já esqueçamos o Passos,
Criam programas e laços,
Calam vozes e a verdade!
Vem falar de sacrifícios,
Um sujeito bem sinistro,
E nos dizem que é ministro,
Rói-nos ossos, rouba ofícios.
Este país aguenta,
Pois tem um costume brando,
Só não se sabe até quando,
Quando é que ele rebenta.
Quando é que ele rebenta,
As águas, ah, desse parto,
Porque está ficando farto
Da sebenta bolorenta.
Vai crescendo o capital,
Rei José fica sem sorte
E na prisão perde o porte
Com acusação fatal.
Fico do lado da morte,
Eu que sofro pela vida
Nem tanga trago vestida,
Ele é corte atrás de corte.
Lei das rendas, chegou Cristas,
Roubou-me o teto a sorrir
E anunciam que hão de vir
Uns diabos socialistas.
Este país aguenta,
Pois tem um costume brando,
Só não se sabe até quando,
Quando é que ele rebenta.
Quando é que ele rebenta,
As águas, ah, desse parto,
Porque está ficando farto
Da sebenta bolorenta.
Chega Costa, de viagem,
Vem matar a austeridade,
Prometendo honestidade
Traz Cabrita na bagagem.
Por fim chega a geringonça,
Baralhada, um pouco lerda,
Que o socialismo de esquerda
Tem muito amigo da onça.
Arde assada muita gente
E às dezenas nos compêndios,
Em Pedrogão dos incêndios,
O fogo ganha contente.
Este país aguenta,
Pois tem um costume brando,
Só não se sabe até quando,
Quando é que ele rebenta.
Quando é que ele rebenta,
As águas, ah, desse parto,
Porque está ficando farto
Da sebenta bolorenta.
Morre Igor, aeroporto,
Por SEF sem compaixão,
Instala-se a confusão,
Quando um vivo vira morto.
Entre tristeza e loucura,
No meio de gente cega,
Um novo partido, Chega,
Anunciando Ventura.
E a direita radical
Promete cortar a eito,
Sem saber o que é respeito,
Pedófilo, genital.
Este país aguenta,
Pois tem um costume brando,
Só não se sabe até quando,
Quando é que ele rebenta.
Quando é que ele rebenta,
As águas, ah, desse parto,
Porque está ficando farto
Da sebenta bolorenta.
Finalmente se alivia,
A vidinha portuguesa,
Mas logo para tristeza.
Eis que vem a pandemia.
E aqui, na capital,
Na carteira, sinto o corte,
Mais um português sem sorte,
A sofrer com Portugal!
Este país aguenta,
Pois tem um costume brando,
Só não se sabe até quando,
Quando é que ele rebenta.
Gil Saraiva
Nota: Letra para a Banda de bairro “Ecos da Cidade” (últimos 20 anos).
IX
"O QUE É A POESIA?"
- Pai, explica-me, se faz favor: o que é a poesia?
O significado da poesia depende de quem cria,
Aquilo que gera e muito de quem lê.
Pode ser a tela, em arco-íris,
Que um cego de nascença idealizou
Num dia em que inspirou a maresia
E em que sentiu o Sol nessa sua derme
Que jamais observou.
É como o hino heroico,
Que um mudo,
Num simples olhar pátrio,
Pela expressão sentida,
Do seu rosto, entoou.
É, talvez, a balada de sofrimento,
Que um eterno surdo,
Por um gesto de dor
Num outro ser que se contorce,
Num outro alguém que geme,
Pelo seu olhar atento,
Ele escutou.
Será, quiçá,
A força da vida,
Que um aparente morto,
Sem se saber como
Ou porquê, ressuscitou.
Porque a poesia,
Desde que poetas há na existência,
É sempre o reflexo da emoção,
É o genuíno eco da sensibilidade,
De quem experimenta em verso a alma,
Na fusão perfeita dos sentidos e dos sentimentos.
Gil Saraiva