XVII
“LOUCURA DE MULHER”
Pelos cabelos,
De um maduro trigo,
Um rosto nasce simples, divinal.
E perco-me na obra,
Sem igual,
Por apanhar um sorriso doce,
Singelo, diria mesmo amigo,
Rindo como quem ri para consigo,
Nessa boca de beijos, sensual.
Erguem-se uns seios hirtos, naturais.
Move-se o tronco
Sem notar o perigo
Que um ser-se assim
Provoca noutro ser que o observe,
Mesmo que de passagem
E que fique assim retido na paisagem.
O caminhar faz os homens volver,
Olhar para trás
Para confirmar,
Como quem viu
E não quer crer,
Como quem pensa
Que está a imaginar.
Ancas perfeitas,
Ventre de morrer,
Mulher de sonho assim é,
Por ventura,
O sonho de um homem,
Na loucura!
Podes ser tu essa mulher,
Não precisas de ser um ser perfeito.
Podes ser magra, gorda, linda ou vulgar
Que o que importa mesmo é como o meu olhar
Te vê na loucura do que sou e do que sinto!
Gil Saraiva
XVI
“PASSAGEM PELA REDE SOCIAL”
Aqui, eu procurei uma amizade, auxílio, ajuda, apoio,
À minha imensa solidão. Aqui, eu revelei, sem ter pensado,
O estado do meu coração, a quem me quis ouvir e me deu troco.
Sinceridade, foi a palavra minha, a mais correta,
Lealdade, a forma de fugir de uma exclusão,
Faminto eu busquei a emoção,
De amar e ser amado de verdade.
Na rede social eu me despi totalmente
Das defesas que temos e, em cada dia,
Com afinco lutei pelo que queria,
Sabendo que se a sorte me quisesse
Poderia ser por ela bafejado,
Ou contrariamente comido ou enganado.
Com sorte, que sem ela nada acontece,
Numa tarde, ao anoitecer,
Eu te conheci,
Tinhas numa fotografia,
Esse sorriso teu,
Ali parado.
Como foi bom
Eu te ter procurado.
O tempo foi passando
E eu, entusiasmado,
Fiz juras de amor,
Promessas de pecado,
Até nós nos combinarmos encontrar,
Para vivermos juntos esse amar.
Finalmente o dia veio
E tu chegaste.
Vinhas de carro,
Com um homem e uma criança
À boleia no banco traseiro.
Paraste, riste,
E disseste ao homem ao teu lado:
“- Querido, este é mais um que ficou apanhado,
Olha só a cara dele, ali, pasmado.”
Gil Saraiva
XV
ANIVERSÁRIO”
Faz anos, hoje, o meu amor,
E muitos fez sem minha companhia,
Quando mais vinte celebrar, um dia,
Apagar, espero vê-la, com fulgor,
As velas, me sorrindo no calor de uma vida,
De risos e alegria. Sem tristeza, remorsos,
Mesmo sem nostalgia,
Mais feliz do que um dia quis supor.
Porque é lindo amar e ser amado,
Ter alma gémea sorrindo de bem perto,
Qual gota que dá luz e vida ao meu deserto,
Que me mata a sede de sentir,
Que faz de mim e dela o par mais certo,
Porque basta um olhar para se sorrir.
Um oásis assim, mais do que um desejo é sonho
Já sonhado, quadro imaginado,
Aspiração de um querer concreto.
Faz anos, hoje, o meu amor,
É chegado mais um aniversário, não me quero esquecer,
Feito otário, para não me arrepender ao fim do dia.
Não sei que prenda dar… se um respirar na praia a maresia,
Se um bolo com velas torneadas, se umas joias de família
Que tenho ali guardadas, se um quarto de hotel com fantasia…
O que lhe dar para sentir a euforia, a felicidade de um rosto
Apaixonado? Um anel, uns brincos, um pendente?
Talvez um brandy velho empoeirado, um vinho especial,
Uma aguardente? Um vaso de orquídea ornamentado ou um
Perfume raro e bem diferente? Uma noite de sexo e de pecado?
Se fosse a minha ex-namorada eu já sabia,
Um cartão de crédito dourado,
Carregado de euros, uma boa maquia,
Suficiente para me deixar bem penhorado,
Que para essa uma mais valia
Não era amor e sexo, mas “el contado”.
Faz anos, hoje, o meu amor, a minha amada,
Espero não me enganar na prenda dada…
Gil Saraiva
XIV
“O AFINISMO HUMANO”
Não existe no dicionário a palavra “afinismo”,
É uma palavra só minha, pessoal, por mim criada, um neologismo,
Talvez, de vão de escada, contudo, cheio de significado e de lirismo.
Afinismo vem de afim, ou seja, semelhante, análogo, idêntico, igual
Ou parecido, ou seja, similar e consonante com um pensamento
Envolvido numa mesma forma de estar, de agir ou de gostar,
De seres diferentes, que por concordarem nisso se pensam unir,
Criando clubes, partidos, gerando umas correntes, onde se trocam ideias,
Onde a permuta é algo coerente e onde o objetivo é semelhante,
Próximo, comum, onde se luta pela mesma causa aliciante.
Pondo as rimas de parte, o afinismo é aplicação biunívoca entre duas
Ou mais coisas, sejam estas, atos, pensamentos, objetos ou ideias,
Tendo entre elas um denominador comum que une duas ou mais pessoas
Em seu torno e em sua defesa. Quando levado ao extremo, a sério
Ou à legalidade, ajuda a formar casais, partidários, adeptos, próximos,
Amigos, vizinhos, famílias e confrades. Porquê? Porque cada grupo
Se sente unido por perspetivas e projectividades de origem única,
Ou de princípios idênticos, quase iguais, diria… gémeos.
Cada movimento se agrega então, seguindo uma mesma linha reta
Ou uma outra que lhe seja colateral, de preferência paralela
Ou espelhada nos mesmos conceitos primários.
O afinismo defende que a sociedade se organiza em volta
Das mesmas analogias, conexões ou tendências,
Sendo que todas elas buscam a combinação associativa,
Ou legal se o direito dos Estados o exigir.
A História faz prova disso mesmo, nos milénios até
Hoje conhecidos, pois que sempre nos organizámos assim:
Entorno de uma terra, de um país, de uma língua,
De um líder ou de uma bandeira.
O afinismo promove as empatias, gera classes sociais
E sindicatos, ordens, movimentos, princípios,
Direitos e por fim as leis da sociedade.
Mesmo do campo emocional e do sentir
O afinismo cria os laços certos,
Seja entre casais ou entre amantes,
Seja no ódio, na dor, ou no amor.
Gil Saraiva
XIII
“O ESCORPIÃO”
“O escorpião é dor, é digno de medo, de respeito, de terror.
O escorpião é sorte, é signo de quem com a morte a seu favor,
Nasce sob a sua proteção, cheio de vida, de encanto de amor,
Porque o restante já lhe ocupa o coração.”
Posso eu ser um escorpião, porém, não me revejo nas palavras,
Anteriormente escritas nestes versos e que, a meu ver,
Não passam da ideia generalizada de que o animal é um ser do mal.
Não! Não me revejo eu na citação da primeira estrofe, não sou eu,
Não me reflete, não pode falar de mim, não acredito que seja pessoal.
É como afirmar que os meus amigos são como os meus cigarros e que,
Embora andem sempre comigo, no fundo, só me fazem mal.
Mas fazem mal porquê? Se meus amigos são só fazem bem.
Tudo o resto são premissas falsas, Axiomas sem sentido,
Verdade ou fundamento. Banalidades ditas pelo povo,
Habituado a sacudir a água do capote
Das suas próprias culpas e defeitos.
Eu sou escorpião, afirma comprovadamente
A astrologia. Nascido em novembro, dia seis,
No centro do signo, a meio do dia,
Todavia, não quero a morte a meu favor,
Mas sim a vida, o sorriso, a alegria,
Nem sou sadomasoquista para da dor
Tirar qualquer prazer, que não a tétrica agonia,
Que rejeito como forma do meu ser.
Diz o meu signo que a sensualidade,
O sexo e o amor, são predominantes,
Que gosto de rumar contra a maré,
Que sou solidário, sensível e extrovertido.
Pode ser que sim, mas cada um é o que é
E eu sou somente aquilo que sou
E nada mais do que o que fui e que serei.
Tudo o resto pode vender revistas de cordel,
Mas nada tem a ver com o meu papel
Neste mundo onde vivo e onde existo como ser.
Reconheço que, todavia, não gosto de seguir
A carneirada, talvez por ser escorpião.
Eu sou aquilo que sou (desculpem) e mais nada!
Gil Saraiva
XII
“DUNAS”
Será preciso o toque para se amar alguém?
Não posso responder assim, de ânimo leve,
Por tudo o que sente a humanidade.
Todavia, para mim, que nunca te toquei,
Tu és a minha pérola oriental,
Para mim, que nunca te cheirei ou sequer senti,
Tu és real como o sangue vermelho e fluído
Que me corre de mansinho nas veias.
Como a água que mata a minha sede
Tu és a fonte que sacia o meu desejo.
E a tudo isto eu gostaria de chamar amor,
Porque nada mais há de tão belo,
Tão perfeito, tão divino e tão terreno
Do que o sentir que vem de dentro.
Ao pensar nos teus seios de mulher
A imagem que se forma é de beleza eterna,
De perfeição, de arrepio que ilumina o estro
E que a História soube eternizar.
Embora poucas palavras pareçam existir
Para se descreverem as sensações plenas
Que podem uns seios despertar.
Seios, são como dunas desenhadas pelo vento
Onde dedos suaves nelas deslizam
Ajustando a forma, a consistência ou rigidez.
Esqueçam os exageros absurdos da pornografia
E lembrem os clássicos que, cada um a seu jeito,
Na mestria da sua arte nos apresentam essas dunas,
Sejam eles os escultores, os pintores, os fotógrafos
E os poetas, que as eternizaram num épico
Erotismo pleno de emoção, quase loucura.
Pensem no respirar das dunas à beira-mar,
Húmidas de oceano, com movimentos suaves,
Que em plano horizontal apontam ao infinito.
Será preciso o toque para se amar alguém?
Gil Saraiva
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XI
"O NOVO ALGARVE"
Na calma das palmeiras,
Paciente, quase preguiçoso,
Passa o Gilão longos dias de repouso,
Medita o rio, reza em cada igreja,
Trinta e sete templos de plena devoção,
Conhece bem Tavira o meigo rio,
Entende as terras deste Algarve
Onde reside o Sol do oriente, a voz do Sul
De uma Europa unida em confusão.
Afinista do amor, da simpatia,
Tavira aguarda, uma vez mais,
A invasão das línguas e dos povos,
Na sombra das muralhas de um castelo
Que foi de romanos, mouros e outras gentes,
Antes de ser pedra lusa, austera, gótica e secular.
Os turistas vêm do mundo e de outras partes
Prestar homenagem rendida ao Gilão.
Rendidos pela calma,
Que invasões bárbaras são guerras do passado.
E hoje o que os conquista é a harmonia,
É fé caiada de branco por entre alvas açoteias.
Chegam em bando os visitantes,
Migram buscando as praias e o lazer.
Nestas terras lusas de cor, de tradição, de mar,
Migram na procura de um valor esquecido
E encontram-no aqui,
Reconhecem-lhe a forma e o feitio
E chamam-lhe: humanidade.
Seria quase poético o poema terminar
Seu curso no verso anterior, todavia,
Depois da chaminé e da amendoeira,
Depois do Sol, depois das praias,
Depois do D. Rodrigo e da Ria formosa
O novo Algarve elegeu a grua…
Gil Saraiva
X
"O MEU VULCÃO”
Não me deixes só
No universo,
Não me tires a alegria,
O amor, a vida,
Não me faças voltar
A ser perverso,
Não me deixes tu a alma nua,
Não me abandones minha querida.
Não me deixes perdido, só,
Na solidão emerso,
Não deixes minha alma ressentida.
Não quero ficar só,
Abandonado neste mundo,
Não quero estar perdido
Ou ser imundo…
Ó vida escura, sombria, sem calor,
Estou cego, não consigo olhar.
Quero morrer. Tenho a alma fria
Gelada pela dor,
Eu não vou conseguir aguentar,
Pois não posso viver sem teu amor.
Estou cego, a vida quero abandonar,
Sem teu amor eu quero,
Eu tenho de morrer,
Assim não, por favor,
Assim eu vou fender…
Como um raio vou fender meu ego,
Vou estilhaçar-me pelo infinito
Vou gritar ao sonho
Que não nego
Que tu para mim és Sol,
Luz, mito.
Vou gritar que te amo
E embora cego,
Em ti vejo um diamante
E não permito
Que alguém jamais te ame
Como eu te amava,
Porque senão,
Meu vulcão
Vai verter lava!
Gil Saraiva
IX
“LA PALMA, CASCATA DE LAVA”
Revolta-se a Terra e logo pelas Canárias,
Grita, em tremores pela ilha fora,
Em nome do planeta pois que demora
O Homem a parir reformas ordinárias
Sobre o clima, o ambiente, já sem hora,
Minuto, segundo ou mesmo instante
Para tudo mudar porque é flagrante
Que o destino não espera e a chama chora
Rios de fogo pela encosta agora,
Desembocando cascatas de lava no oceano,
Numa guerra invulgar, sem mano a mano.
E monte da velha enxofre fede,
Rebenta de raiva o vulcão adormecido,
E em torrentes de sangue nada impede
Os rios de devorar casas e terras num rugido,
Sem dimensão, sem forma, sem sorriso,
Sem consideração, espera e sem aviso,
Que não seja o da confusão, do alarido.
Para as vítimas o drama cheira a desespero
De nada serve a luta, o orgulho ou o esmero.
Ali reina um caos sem ter vertigens.
Plantações de banana viram estrume,
Em torresmos derretidos, desde o cume,
Que a civilização volta às origens.
Chega o rei, ministros e dinheiro,
Entram promessas pela televisão,
Que imagens de espanto são viveiro
De audiências, de sofá e de emoção,
De quem ao longe assiste ao formigueiro
De uma La Palma recreada em cinzeiro.
Em La Palma, as cascatas são de lava.
Laranja, amarelo, negro e vermelho
São as cores da revolta que se trava
Numa ilha para quem não há conselho
Que ajude a suportar tamanha dor,
De quem vive dessa terra, de quem viu
Desaparecer o fruto de todo o seu labor
E sem comos, nem porquês, se despediu
Dos seus haveres, das memórias, no calor
Porque as chamas tudo em volta consumiu.
A natureza acordou um vulcão adormecido,
Nem requerimentos, sem razões, sem um pedido!
Gil Saraiva
VIII
“A OSMOSE INVERSA DE UM PRANTO”
Olhar
É conhecer-te simples,
Pura, singela.
Olhar
É ver-te sempre
Doce e bela.
Olhar,
Tornar a olhar
Bem para ti…
Pensar… pensar nos olhos
Nos quais vi
Um amor ardente,
Nesse olhar quente.
Num olhar que ama,
Num olhar
Que a mente
Não sabe se engana,
Sabe que não mente!
Olhos
De um sentir futuro,
Olhos
Para colher fervor,
Olhos
De um amor seguro,
Olhos
Do próprio amor.
Olhos
De um ser que amo,
Olhos
Para mim clamo,
Olhos
Que num olhar
De nós dois fazem um par.
Olhos
Que me veem, são os teus,
Olhos
Que quando em pranto,
Fazem chorar os meus!
Gil Saraiva