VIII
“A OSMOSE INVERSA DE UM PRANTO”
Olhar
É conhecer-te simples,
Pura, singela.
Olhar
É ver-te sempre
Doce e bela.
Olhar,
Tornar a olhar
Bem para ti…
Pensar… pensar nos olhos
Nos quais vi
Um amor ardente,
Nesse olhar quente.
Num olhar que ama,
Num olhar
Que a mente
Não sabe se engana,
Sabe que não mente!
Olhos
De um sentir futuro,
Olhos
Para colher fervor,
Olhos
De um amor seguro,
Olhos
Do próprio amor.
Olhos
De um ser que amo,
Olhos
Para mim clamo,
Olhos
Que num olhar
De nós dois fazem um par.
Olhos
Que me veem, são os teus,
Olhos
Que quando em pranto,
Fazem chorar os meus!
Gil Saraiva
3
“DILEMAS DO UM A UM”
Um a um
Se quebram votos de união
E viram as costas vidas destinadas
A se entenderem,
Entre fervor e paixão,
Pelo tempo que dura a eternidade.
De brilhantes os diamantes ficam foscos,
Tornam-se joias falsificadas.
Tudo o que é simples,
Evidente e sentido
Ganha foros de complexidade
E a vida passa a valer
Muito pouco
Entre as almas desgastadas.
Um a um
O nunca vira mais
E é preocupante ser demais…
Não quero esse nunca mais,
Nunca mais poder dizer:
Um pouco mais nunca é demais,
Porque não pode um jamais
Negar que eu quero sentir
Minha carne e meu desejo
Entre teus ais.
Um a um,
Sinto o doer de um nunca mais…
Nunca mais poder fazer
Brilhar o teu olhar,
Nunca mais ver
Esse sorrir que me ilumina
Em teu sorriso,
Apenas porque nunca mais,
Mas nunca mais?
Como aceitar de ti,
Sem me sentir quem nunca fui,
Esse imperfeito nunca mais?
Um a um
Os dois voltam a dois
E deixam de ser um,
Já sem raiz
E eu choro perdido de ser,
De existir e de viver feliz!
Gil Saraiva
2
“DO SORRISO À IRA, UM A UM”
Um a um,
Juntam-se os factos,
Os eventos,
Os instantes.
Celebramos aniversários,
Damos parabéns,
Vamos a festas,
Mas sem festas os atos,
Os momentos,
Os picantes,
Sentem a ausência
Da caricia,
Do mimo,
Da companhia,
Do dia-a-dia celebrado
No fulgor de algo
Chamado de amor,
Esquecido de significado,
De força, de génio,
De alegria.
Tudo por ter perdido
Forma,
Horizonte,
Nervo
E valor,
Tornando a terra fértil
Em deserto
E o olhar em miragem,
Esquecimento,
Mais longe do que perto,
Nublando a paisagem.
Afinal, a fonte
Ao deixar de ser nascente
É a alma gémea que vira
Gota, lágrima sem ponte,
No canto de um olho que revira
Por ver secar o oásis no horizonte,
A palmeira em fogo sucumbir como uma pira,
Porque os seres se apartam
Sem razões e sem sentido
Dando o sorriso lugar a nova ira.
Um a um…
Gil Saraiva
VII
“A COMPLEXIDADE DO DOIS EM UM”
1
" UM A UM"
Um a um
Passam os anos,
Formando nossas vidas.
Mesmo que nunca se sinta o amor,
Ele sempre existe
No eco profundo
Das inspirações recalcadas,
Lá, onde a saudade
É nossa irmã
E aonde a dor,
Velha madrasta
Sempre pronta
A agitar-nos o stress,
Procura uma oportunidade
Para emergir uma vez mais.
Por isso, a poesia
Reveste-nos o sangue,
Resguardando os seres
Das margens da mágoa,
Da loucura,
Da raiva
E da frustração.
Um a um,
Os sentimentos deixam marcas,
Que não vemos a olho nu.
Vidas em comum,
Onde o invulgar é,
Paradoxalmente,
A harmonia ser
O denominador comum
E natural.
Gil Saraiva
VI
"SÁTIRAS DE UMA POLÍTICA DOENTE"
O caminho descendente que conduz ao inferno
Vai até à encruzilhada onde o Aqueronte,
O Rio da Angústia plena,
Entronca no Cocito,
O Rio das Lamentações.
Pelas margens passeiam políticos e ricaços
Fazendo piqueniques com populares corrompidos,
Sedentos por servir, para serem servidos.
Algures, um velho alentejano de ar manhoso,
Canta um Paco Bandeira distorcido:
“- Ó relvas, ó relvas,
Maroscas à vista.
És contrabandista de universidades,
Enganas o povo com tuas vaidades,
Com tuas vaidades…”
Outro velho, um barqueiro,
Transporta as almas dos mortos
Para a outra margem, mais acima,
Até onde se encontram as portas adamantinas do Tártaro.
Terroristas, que já foram de carne e osso,
Fazem companhia a Cérbero,
O cão de três cabeças e cauda de dragão,
Que guarda os portões, com falsidade,
Sorrindo gentil a todas as almas que entram,
Rosnando feroz às muitas
Que aflitas tentam sair.
Para lá dos pórticos está o Tribunal dos Três Juízes,
Indiferente a juras de futuro bom comportamento,
Que na Terra, libertam varas de bandidos da prisão.
Radamanto, Minos e Éaco
Lavram as sentenças com pesada mão.
A opção da salvação envia os justos
Lá para os Campos Elísios,
Que não os de França, mas sim do Paraíso.
Os outros embarcam pelo Flégeton,
Pelo Estige ou pelo Lete,
Rumo aos três cantos dos infernos,
Pelos rios do fogo, da invulnerabilidade
Ou o do esquecimento.
A Justiça terrena descansa nas margens do esquecimento,
Os poderosos e ricos banham-se no Rio do Fogo,
Onde milhares de vítimas são finalmente saciadas.
Gil Saraiva
V
"NUNCA MAIS"
Se amor é estar feliz
Junto de ti,
Se amor é bem falar
Sem discutir,
Então,
Afirmativamente te perdi
E nada mais,
Nada mais tenho a fazer
Senão partir!
Não me esperes!
Não esperes que eu volte,
Que regresse,
Que o teu calor forçado
Não me aquece,
E nunca mais,
Nunca mais amor me chames tu!
Não esperes que regresse
E nunca mais amor me chames tu!
Tu és azul que vermelho nunca foi,
Azul que o luto nunca usou,
Azul que jamais quis dizer paz,
Azul que a Terra conquistou,
Azul que a traição aos homens traz
Na frieza inconfundível desse teu amor,
Azul que afirma ser capaz
De tornar um ser azul de tanta dor!
Não me esperes!
Não esperes que eu volte,
Que regresse,
Que o teu calor forçado
Não me aquece,
E nunca mais,
Nunca mais amor me chames tu!
Não esperes que regresse
E nunca mais amor me chames tu!
Gil Saraiva
IV
"FAZ-ME ISSO…"
Tu és sonho eterno,
Como eterno é o infinito.
És linda, meiga e pura,
Como pura é a verdade.
És flor singela,
És deusa, és mito.
És um fogo ardente,
Como ardente é o amor.
És fonte de vida,
És a eternidade!
Dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
Tu para mim és corpo,
Que me faz ferver.
Desejo e espírito,
Com quem quero amar.
Pensamento e mente
De quem sabe querer:
O que com razão
Quer conquistar.
A quem por amor
Irá pertencer.
Por quem, com justiça,
Há de querer lutar!
Dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
Desfazem milho as mós
De velhos moinhos,
Que são como nós,
Jamais perdidos, carentes, sozinhos,
Nunca esquecidos, porque nunca sós.
Assim, completamente apaixonados,
Tão juntos e unidos nos segundos,
Que viram momentos, que são mundos,
Que espelham corações enamorados,
Que vivem meses, anos, beijos e abraços,
Num corpo a corpo, em sangue vivo,
Plasmado no amor, ausente crivo,
De quem produz farinha sem cansaços,
Ao ritmo de impulsos desejados
Fazendo da farinha pão,
No forno da paixão dos nossos laços.
Dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
E correm muitas, muitas vezes,
Os sonhos, os anseios, as notícias,
Assim, intimamente unidas,
Num corpo a corpo cuja mente,
Ao agarrar assim as nossas vidas
Se funde para sempre, eternamente,
Até termos um dia acabado,
De ser egos, de ser corpos, de ser gente.
Unidos somos sexo, sem complexo,
Verdade apaixonante e nostalgia,
Raiz, presente livre, futuro por diante,
Atração forte, fatal e penetrante
Sexo, sensibilidade e simpatia.
Dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
E eu sei que sou teu, que te pertenço,
Tu sabes que eu te amo, que te adoro.
És menina do olhar cristalino, puro,
Sereia de um mar de amor feito futuro.
Meu prazer é ver-te, ter-te em tudo,
É sentir que te tenho para amar,
No passado, hoje e amanhã
Ou sempre que me venho deitar.
Sei que sou teu, menina
Dos olhos loucos de amor
Que me viciam,
Mais do que tabaco ou heroína.
Dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
Anda, vem, amor, amada minha,
Conta-me as verdades
Que em teu corpo se criaram,
Faz-me perguntas, cria uma adivinha,
Conta-me as paixões que te inflamaram
E diz-me segredos, bem pequeninos,
Dos instantes esquecidos que passaram.
Anda, conta-me as dores,
Os teus poucos calvários,
Terei eu sido o esperto
Entre os otários?
Fala-me das horas que galgaram
Esse teu terno ser, que me ilumina,
Os momentos que passaram e ficaram,
Fala-me de ti, doce menina.
E dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
Gil Saraiva
III
“CANCRO DE AMOR”
Cancro de amor,
Julgo ser obsessão.
Há quem lhe chame de verdadeiro amor,
Todavia, é o pior dos tumores.
Corrói por dentro e por fora
A alma infetada por tamanha maleita.
Quando se infiltra e implanta
Mina o pensamento e o existir e
Nunca, jamais, por nunca mais,
Tem cura, tratamento ou solução.
Em cada palavra que se escreve,
Em cada frase dita e transmitida,
Sente-se o vento,
Que sopra da distância,
Que, a pouco e pouco, assim aparta,
De quem ama, o ser doente,
Na melancólica tortura
Em que se torna o dia-a-dia,
Todos os dias.
O teu amor tem nome clínico
De loucura obsessivo-compulsiva,
Uma forma de existires num mundo à parte,
Longe da realidade das coisas,
Dos seres e dos sentimentos.
Tu não amas, mas pensas que sim,
Enquanto alimentas em crescendo
A pira inflamada da tua paranoia.
É triste que assim seja.
Eu torno-me a nuvem insegura
Que choveu,
Enquanto tu serás a terra firme
Que jamais foi saciada.
Gil Saraiva
II
“ESTILHAÇOS DE CRISTAL”
Escuta, amor, o meu coração.
Não tinhas outra forma de despedida?
Sem fragmentos de cristal apunhalando,
Repetidamente, esta minha alma,
Agora sem rumo, tão perdida?
Olha, amor, olha, está vazando,
Ferido de morte, mal tem vida.
Falta-me espaço neste compartimento,
Do qual preciso para existir,
Para guardar tamanha dor.
Meu ego é como taça estilhaçada
Na parede do meu subsistir.
E é aqui, espalhados pela sala,
Que estilhaços de cristal me fazem sucumbir.
Poderias mesmo, num outro cenário,
Ter suavizado o nosso adeus.
Quebraste o bico ao canto do canário,
Na amargura de um silêncio,
Que se reflete nos estilhaços de cristal
Espelhando os nossos erros passados,
De forma desumana, desigual.
O meu perdão te posso oferecer.
Ainda recordo o teu amor de menina,
Tantas vezes chamando por mim,
Como se eu fosse o despertar
Nessa tua aurora pura, cristalina,
Dos idos frescos de uma beira-mar
Onde te tornaste, deslumbrante, a minha sina.
Recordo igualmente de um ar de mãe
Como me tapavas e protegias.
Não te roubei o sangue,
Que jamais deveríamos ter partilhado,
Tornei-me nele porque tu querias.
Mas agora achas-me inútil e acabado.
Não tenho lugar nas tuas fantasias!
Porém, terminado o discurso de quem sonha,
Ainda vou gritar que te amo:
–– Eu amo-te, como eu te amo…
Como? Como um louco varrido, uma cegonha,
Que traz no bico a esperança de uma vida,
Que entre nós, os dois, pode crescer.
Será que o futuro estanca a ferida?
Ou queres que te ame como deusa?
Sim, eu te venero, sim, eu amo-te,
Como um homem que será o que quiseres,
–– Amor, eu te amo desmedidamente!
Como um cão que já foi fera, já foi lobo,
Como um bombeiro doido pelo fogo
Como um retardado que não mente!
Tu sabes que eu te amo assim.
Quero de novo ver os teus sorrisos,
Quero-me perder em teus segredos,
Na plena confiança de que em mim
Teu corpo perderá, de novo, os medos,
E eu me tornarei no guardião
Da nossa nova vida em comunhão.
A casa de pedra empedernida
Roubou-me a tua alma, minha amada,
Nessa nova morada eu não sou vida,
Sou fragmento de cristal de estilhaçada
Taça de Satanás, que queres longe.
Sou dança sem ritmo, sou monge
Em guerra com a paz e não sou nada!
Estilhaços de cristal, na madrugada,
Mas mesmo assim um vidro, que se funde em chama,
Entende, amor, entende este que te ama!
Gil Saraiva
I
“… DA-SE!”
… da-se!
O fim do período ou
Quando o vermelho mudou de cor
E ganhou cheiro
Ou, porque não,
O cair do muro
Ou, talvez até,
O outro lado da liberdade,
Ou seja, numa palavra:
… da-se!
Tratando-se de um livro
É óbvia a necessidade da sua leitura.
Não será, quiçá,
Recomendada a menores,
Nem mesmo pelos membros do Governo.
Em ambos os casos
O autor anónimo
Não se responsabiliza
Pelos danos causados na psique de quem lê.
Adverte-se que se rejeitam responsabilidades
Quer pelas consequências,
Quer pelas más interpretações,
Do que eventualmente,
Os leitores possam ser alvo.
… da-se!
Não é mais que o desabafo jovial
De um alguém rebelde,
Na flor da vida,
Na aventura da descoberta
Da realidade,
Que, sem se saber bem como,
Se começa,
A dado instante,
A viver
E de onde não mais
Se consegue encontrar
Uma saída.
… da-se!
Gil Saraiva