VI
"FADOS DOS DIAS MENORES"
Casa onde não há pão,
Não pode ter harmonia,
Abunda a discussão
A qualquer hora do dia.
Dizem que é da recessão,
Tiram-me a alma da voz,
Se em casa me falta o pão
Para bem cuidar de nós.
Para bem cuidar de nós,
Sem farda, desempregado,
Cria-se ambiente atroz,
Sinto-me velho, acabado.
Sinto-me velho, acabado,
Antes dos sessenta anos,
E o meu único pecado
Foi votar nestes insanos.
Foi votar nestes insanos,
Achando ser natural
Pensar haver entre humanos
A justiça social.
A justiça social,
Casa, roupa e pão na mesa.
Não me digam ser normal
Haver ricos e pobreza.
Haver ricos e pobreza,
Pois nos pobres são maiores
Os riscos de haver tristeza,
Fados dos dias menores…
Gil Saraiva
Brasil - Natal – I – Morro do Careca - Vista da Piscina do Hotel (Foto de autor, direitos reservados)
V
"TETRÁSTICAS LÁ, NO NORDESTE"
Eu vim de lá, de Lisboa,
Capital de Portugal,
Em busca de coisa boa
Na cidade de Natal.
Você é Manuel Coco
E canta sem lucidez,
Não sei se é por ser louco
Ou se é da embriaguez.
Para si é natural,
Tem treino de repentista,
Lança quadras, sem igual,
Como um corredor na pista.
Eu cá preciso de ler,
Como o pardal de alpista,
Em verso canto a correr,
Mas não sou um velocista.
Venho muito eu ao brasil,
Pois amo meu povo irmão,
É terra de encantos mil
Que guardo no coração.
Como asa de borboleta,
Em Portugal, minha praia,
Tem o nome de Fuzeta,
Mas tem pouca minissaia.
Seu “Manel” sessenta e nove
É idade de respeito,
Se bem que o seu olhar prove
Que ainda gosta de peito.
Barraca do Caranguejo,
Ponta Negra, junto ao mar,
Onde comer é desejo
E música é paladar.
Em Natal o carnaval
É festa e é loucura,
Seu “Manel” por enxoval
Hipoteca a dentadura.
Barraca do Caranguejo,
Rodízio de camarão,
Ah, menina, dê-me um beijo,
Por favor, não diz que não.
Perdeu em Natal anel,
De casamento, aliança,
Empenhado p’ra bordel
Lhe dar nova confiança.
Não precisa de outro amor,
Esse velho nordestino,
Mas morena dá calor,
Que fazer? É o destino.
E eu que vim lá de Lisboa,
Capital de Portugal,
Ao ver tanta coisa boa,
Já nem sei ser natural.
Ter o destino traçado,
Pelas estrelas do céu,
É ter também a certeza
De seres minha e eu ser teu.
Veneno em ponta de seta,
Deve a poesia ser,
Em português um poeta
Só presta quando morrer.
Gil Saraiva
IV
" HOSPEDAGEM NA PRAIA DO AMOR"
(cantado com a música de “Casa Portuguesa”)
Pousada Praia do Amor,
Tem um jeito de conquista.
Marineide ou Aldenor
Tudo fazem p’lo turista.
Quatro palavras apenas
Fazem nome sedutor,
Qual perfume de açucenas:
Pousada Praia do Amor.
Na receção está Camila
Com seu riso de esplendor,
Atende, sempre tranquila,
E tem voz de trovador.
Se modesta é a pousada,
Tão limpinha e a brilhar,
É porque sendo cuidada,
Sobra-lhe amor para dar.
E tem praias de paixão,
De águas quentes, de calor,
Tem nas gentes a ilusão
De ser a terra do amor.
Pipa disso é um bom caso,
Ali, sobre um céu de anil,
Tem numa ponta um acaso,
Rocha lembrando um barril.
Porque em terras do Brasil,
No Nordeste, há, afinal,
Lugares de encantos mil,
Na língua de Portugal.
Gil Saraiva
Nota: Letra para a Banda de bairro “Ecos da Cidade” (últimos 15 anos).
III
"TETRÁSTICOS DE SUPERCÍLIO TRÉPIDO"
(primeiros contactos com a poesia
ou quadras soltas de tempos idos)
A PRIMEIRA QUADRA
(aos 7 anos de idade)
O mar é dos pescadores
Porque eles assim o acham,
Mesmo quando têm dores
E quando os barcos se racham.
NASCE O SOL
(aos 10 anos de idade)
Nasce o Sol no dia-a-dia,
Brilha muito e tem calor,
Nasce o Sol com alegria,
Nasce o Sol, nasce o amor.
A PAIXONETA
(aos 11 anos de idade)
Todo o mundo tudo quer,
Chora o arco pela arcádia,
Todo o homem quer mulher,
Eu apenas quero Nádia.
FIM-DE-SEMANA
(primeiro trabalho de férias aos 11 anos)
Por semana cinco dias
Se passam a trabalhar,
Ficam dois p’ra que sorrias
Por poderes ir descansar.
MERDA
(primeiro contacto com a droga aos 13 anos)
Merda para toda a droga,
Merda para os drogados
Merda, pois, estão em voga
Esses merdas destroçados.
O PRIMEIRO AMOR
(aos 13 anos de idade)
Nos olhos do meu amor
Eu vejo bem refletida
A minha alma que em fulgor
Por eles tem nova vida.
MASOQUISTA
(amor platónico aos 13 anos)
Quem gosta de sentir dor
No amor, na sua vida,
Nada entende de amor
Só sabe de despedida.
AUTORITARISMO
(contrariedades de adolescente aos 14 anos)
Quem julga que em alguém manda,
Sem licença p’ra mandar,
Um dia a coisa desanda,
Fica o dedo p’ra chupar!
ESCOLHA
(1 - primeiras desilusões amorosas aos 16 anos)
Podes tu amar mulher,
Ter muito amor para dar,
Mas se ela não o quiser,
Jamais a vais conquistar
JANGADA
(2 - primeiras desilusões amorosas aos 16 anos)
Sem confiança o amor
É jangada que deriva
Entre sentimento e dor,
Sem ter qualquer perspetiva.
INSATISFEITOS
(3 - primeiras desilusões amorosas aos 16 anos)
O mundo busca a chama do viver
Até a sua chama se extinguir.
Busca o que jamais vai atingir,
Busca o que não tem e quer ter.
A LÁPIDE DO DESAMOR
(4 - primeiras desilusões amorosas aos 16 anos)
Jaz sepultado aqui,
No terramoto da raiva,
Jota Jota Gê Saraiva.
Na despedida escrevi:
Morro na ira do inexplicável,
Meu amor, não peço dó,
Fica bem, que eu sou amável,
Volto a ser apenas pó.
NON SENSE
(a descoberta do surrealismo aos 18 anos)
Não batas com a cabeça
Na esquina do meu armário,
Não deixes que a mente esqueça
De dar alpista ao canário.
LOUCURA
(a paixão aos 18 anos)
Nestas coisas do amor,
Que a vida nos of’rece,
A loucura tem valor
Se pecar nos apetece
RESPEITINHO
(quadras de Ariana Telles)
Toca aqui, a ver se eu deixo,
Que isto não é da Joana.
Um beijinho, só no queixo
Ou um outro na pestana.
Queres namorar comigo?
Mas não deixas a Maria…
Ah, assim eu não consigo,
Prefiro ficar p’ra tia.
Amor é vela, é chama
Que pode nunca acender.
Só se acende quando se ama,
Nem se apaga se um morrer.
Gil Saraiva
II
"TRIUNVIRATO"
Como se uma não bastasse
Com duas mulheres vivia
E como se não chegasse
Uma terceira aparecia.
Com três mulheres vivo agora,
Foi a conta que alguém fez,
Que me importa se uma chora
Se a outra sorri em vez.
Em vez de chorar sorri,
Brinca, fala, às vezes cora,
Mas chega terceira ali
Logo se julgando fora.
Com a primeira casei
E usando um anel dourado
À segunda me juntei
Por causa de ter casado.
Mas a primeira cismou
Em ver-me mais amparado
E a terceira chegou,
Para eu ficar consolado.
Sogra, mulher e filha,
Com três mulheres dei o nó,
Que mais querer podia
Um homem, dantes, tão só?
Gil Saraiva
Nota: Quadras escritas em 1987 algum tempo depois do nascimento da minha filha.
I
“VEJO A LUA LÁ NO ALTO"
(A TI QUERO EU BEM MAIS PERTO)
Juntos, como quem constrói
Uma memória ao luar,
Sem mágoa, esquece onde dói,
Meu amor, vamos dançar.
Meu amor, vamos dançar
Loucamente pela rua,
Vamo-nos deixar levar
Pela batuta da Lua.
Pela batuta da Lua
Onde a natura se cale,
Onde podes dançar nua
Nesses lençóis, bem no vale,
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Quem com coragem se afoite
Pelas noites de luar,
Pela calada da noite
Não sabe o que vai achar.
Não sabe o que vai achar
Quem procura amor no breu,
Pode o inferno alcançar
Ou mesmo ascender ao céu.
Ou mesmo ascender ao céu,
Sem saber que gente existe,
Que na noite há mais que um réu
Condenado a viver triste.
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Vejo a Lua e penso, enfim,
Se sem ti posso viver…
Não sei que será de mim
Se algum dia eu te perder.
Se algum dia eu te perder
Vou compor uma balada
Plena de dor, de sofrer,
Sem caminho, sem estrada.
Sem caminho, sem estrada,
Sem a luz da Lua Cheia,
Que sem ti não há mais nada,
Torno, viro, grão de areia
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Gil Saraiva
Nota: Quadras escritas em 2008 algum tempo depois de voltar para Lisboa.
Introdução
“Tetrásticos de Supercílio Trépido”, poderiam ser simplesmente, pelo lado figurativo, “Quadras de Orgulho Trémulo” ou “Quadras de uma Soberba Assustada”, contudo, face à variedade das quadras apresentadas, muitas delas com ligações entre elas, mas de conteúdo disperso e por vezes anacrónico, são mais, no sentido restrito dos significados, “Quadras de Sobrancelha Que Treme” ou “Quadras de Sobrancelha Hesitante”, a traduzir quatro versos, em estrofe, que se juntam em grupo para transmitir sentimentos, sentidos e sensações, boas ou más, dependendo do lado para onde o seu pendor foge de um modo quase ocasional.
Não sendo a quadra uma forma de estrofe de um estilismo requintado ou mesmo de nível superior, e sendo um facto de que a mesma é mais usada de um modo popular, com origens bem mais humildes do que o eruditismo de que é exemplo o soneto, falar de quadras orgulhosas ou em soberba é um contrassenso que só é ultrapassado se as mesmas forem simultaneamente medrosas, tremendo de receios ou hesitações.
Quando a segurança dos conteúdos, e por vezes da forma, é posta em causa pela própria linha temporal em que foram escritas, é simples de compreender que muitas delas tenham sido criadas com os receios próprios da ignorância formal ou de que os conteúdos apresentados sejam, por força das épocas em que foram elaboradas, bem mais ingénuos ou simplistas do que deveriam ser.
A sobrancelha erguida que treme com medo é uma metáfora perfeita para se falar de “Quadras de Orgulho e Preconceito” no sentido em que o presente livro não tem o intuito de ser uma seleção elitista de estrofes de quatro versos, mas sim uma mostra de que também se pode fazer poesia com receio, simplicidade, ingenuidade e pouco conhecimento cognitivo ou mesmo formal. Em resumo estas quadras de sobrolho tremido são usuais e populares desabafos em verso e não têm intensões de ser qualquer outra coisa que não isso mesmo.
Gil Saraiva
Observação: As quadras deste livro foram criadas dos meus sete anos até à atualidade.
XV
"É DA PRIMA VERA"
Puh … moce , débe, tô almareado,
Tava tâm bem e tô meio escarado…
Será cerveja
Ou iski marado?
Talvez esteja
Eu apaixonado.
Será a Rita
Ou a Vanessa Vera?
Nã sei, irrita
Que más me inspera ?
Puh … moce , débe, puh … moce , débe,
Puh … moce , débe, é da prima Vera.
Ah, má que jête ?
Que vou ê fazer?
Diz quem tem más pêto ,
Como vou ê saber?
Talvez um dia,
Na noite à Lua,
Como por magia
Ê te vêja nua.
Se a Rita nã quero
E oé mêmo a Vera
Eu já nã espero:
Vrão é primavera.
Puh … moce , débe, puh … moce , débe,
Puh … moce , débe, é da prima Vera.
Gil Saraiva
Nota: Letras para a Banda de garagem “Rock Spot Alive” (anos 80).