VIII
"O FIO..."
Que o meu grito aos astros
Se oiça nos confins do firmamento...
E que o seu eco se espalhe
Pelo infinito mundo das mensagens...
Que eu seja entendido
Ao menos uma vez...
Minhas palavras
São lágrimas de limbos
Que para se entenderem
Têm de ser sentidas
Por quem, como eu,
Chora o deserto para que nele
Uma flor possa nascer...
Se eu choro lágrimas de vagabundo
É porque estou condenado
A procurar um fim prá solidão...
Porque a solidão
Tem saída neste labirinto...
Mas quantos encontram
O caminho certo?
Quantos conhecem
O homem solitário,
Este ser que existe nas memórias
De quem com ele,
Um dia,
Foi feliz...
Vem amor, vem,
Juntos descobriremos o fio
Que nos conduz
À luz dos sentimentos,
Ao fim da sentença eterna
De vaguearmos perdidos pelos limbos...
Vem amor, vem,
Que o fio da vida
Pode a qualquer hora terminar...
Gil Saraiva
VII
"O VASO"
Aceita meu vaso,
Sê a minha flor,
Para que te possa regar
A cada dia
De sorrisos
E de mimos
No mais íntimo
Da nossa alienação...
Aceita meu vaso,
De barro feio...
Bruto na forma,
Naïf no desenho,
Para que nele
Possas ser
A minha flor...
Aceita meu vaso,
No decoro do silêncio
Da nossa cumplicidade...
Deixa que nele te implante
Meiga flor silvestre...
E que te regue...
E que te cuide...
E que se murchares,
Por falta de carinho,
Se quebre o vaso;
E seque eu,
Na essência desta alma
Que lhe deu o barro...
Gil Saraiva
VI
"ONDE ESTÁS?"
Onde estás?...
Tu iluminas
Meus sonhos
Noite após noite
Como se eterna fosse
A tua luz...
Onde estás?...
Tu que me fazes
Sentir gente
Por entre gente
Que jamais o foi...
Onde estás?
Tu que saíste
Do cotidiano das imagens
Pra te instalares
Pra sempre
Em minha mente....
Onde estás?
Tu que és a seiva
Que me corre nas veias,
O gosto
Que me vem à boca,
O odor que me invade
O cérebro escravizado...
A flor oculta
Que floresce em meus sentidos...
Onde estás?
Diz-me pra que eu possa
De novo ser alguém!
Gil Saraiva
V
“EXISTES?”
Quem procura sempre encontra
Diz um ditado antigo,
Mas a realidade tem outra face.
No imenso oceano das relações humanas
A procura da alma gémea
Nem sempre dá frutos,
Raramente germina,
E só de vez em quando tem solução.
Nada disso!
Afirmam os teóricos do "corin tellado",
Explanando um universo de uniões e casamentos
Que despontam, a cada dia, nesta aldeia global
A que chamamos mundo.
Porém, ó sim, porém, quantos deles derivam,
Nascem e florescem por amor?
A realidade fica mais despida de casos
Sob a ampliação realística do sentir.
A densa floresta dos altares
Transmuta-se, num ápice, em minúsculos oásis,
Tímidos, discretos e invulgares.
Contudo apelativos, invejados e bem vivos.
Procurar uma agulha num palheiro
Parece ilustrar melhor o quotidiano…
A busca gera facilmente o desalento,
E, escondida na capa colorida de um rosto alegre,
Encontramos, quantas vezes, a mágoa da solidão.
A personalidade esculpida,
Pelas duras ferramentas do existir,
Arrasta consigo condicionalismos difíceis de extinguir.
Avidamente procuramos sucedâneos;
Seja a novela da TV, seja o recurso à Internet,
No "Facebook", no "Instagram", nos "sites" sociais,
Mas o vazio continua ali,
Interminável, inflexível, cru.
O Terceiro Milénio parece ajudar…
A comunicação é mais fluída, mais fácil, mais ativa,
Mas maioritariamente estéril.
Entretém, mas não resolve.
Ao procurarmos paz
Serenamos o ser,
Vamos dançar, beber um copo, jantar com a família
Ou ver o mar.
Colecionamos momentos "Zen" ou de alegria,
Tentando preencher o vazio,
Afastando as nuvens do quotidiano,
Prevenindo o terramoto a que chamamos depressão.
Trabalhar ajuda; ter filhos, família, amigos ou passatempos
Acalma desesperos, desperta sentimentos de carinho,
Solidariedade, autoestima, ocupando a mente,
Distraindo o corpo, alimentando o ego e o ser,
Mas não produz remédio que cure a situação.
Regularmente voltamos ao palheiro
Na procura quase insana dessa agulha
Que nos justifique o existir.
Aqui e ali, parece brilhar algo, mas, ao perto,
Verificamos que era apenas palha banhada pelo Sol.
E a dúvida ganha contornos de pergunta,
De vontade louca de saber,
De grito galáctico na noite universal:
Existes?
Meu amor, será que existes?
Gil Saraiva
IV
"A NOITE"
Se eu fosse um sonho,
Meu amor,
Esta noite tu eras minha!
Esperava na bruma
Pelo teu adormecer...
Sem pressas, sem barulho,
Deixando o silêncio
Se instalar devagarinho.
Poderia espreitar,
Uma vez ou outra,
Aguardando pelo ritmo compassado
Da tua respiração,
Até quando, por fim,
Morfeu te recebesse nos seus domínios.
Saído da bruma, por entre as sombras,
Aproveitando o Quarto Crescente,
Que se iniciou no fim da tarde,
Finalmente,
Eu entraria no limbo do teu cérebro
Para poder passar a ser
Um sonho teu.
E tu, incauta e desprevenida,
Nem darias por mim.
Tomarias o sonho como teu
E nada mais.
Naturalmente, simplesmente,
Apenas mais um sonho.
Regressei ao banho,
Aquele que tomaste hoje,
E introduzi-me nele...
Nesse mundo da imaginação,
Que quase parece acontecer,
Porque sonhavas…
Tu sentiste as minhas mãos
Fazendo deslizar o gel
Pelo teu corpo,
Percorrendo a derme
Como quem corre a maratona,
Sem pressas, sem movimentos bruscos,
Como se fosse comum
Eu explorar-te assim avidamente.
Agora o teu sonho era meu,
Não tinhas como o controlar,
As minhas mãos invadiram-te a boca,
Os seios, as nádegas e o sexo,
O meu corpo molhado esfregou-se pelo teu…
Na loucura dos momentos seguintes
Perdeste a conta de quantas vezes foste possuída,
Nas entradas que entregaste vibrando
Perante o meu avanço hirto e decidido.
A noite pareceu durar uma vida e um momento…
Acordaste tarde, relaxada, suada, húmida e a sorrir,
Já a aurora despontava no horizonte,
Já eu regressara à bruma de onde viera
Silenciosamente…
Um pensamento invadiu-te a mente:
“Hoje o dia só me pode correr bem.”
O Quarto Crescente da Lua
Trouxe-te uma noite
Para mais tarde recordares com um sorriso…
A noite tem destas coisas…
íntimas, secretas, nossas,
Impossíveis realizados pelo âmago,
Desejados pelo querer,
Concretizados pelo sonho,
Traduzidos pela escuridão!
Gil Saraiva
III
"REFÚGIO"
Tenho um refúgio, só meu, de mais ninguém,
Para onde eu vou, quando me sinto triste,
Quando me sinto em baixo,
Quando eu não me sinto eu…
Sim! Aqui, precisamente aqui,
Nestes lugares onde escrevo,
Onde descrevo os recantos da minha mente.
Aqui, onde não existe tempo,
Entre a caneta e o papel,
Entre o teclado e o monitor,
Entre mim e o que escrevo.
Aqui, onde o tempo não conta
Enquanto estou a sós com a minha alma,
Aqui onde e quando, como que por milagre,
Sou em mim o universo imenso.
Penso em ti… No que tu és, nas coisas que fazes,
No que te constitui, naquilo que representas para mim,
E a minha memória recorda-me
Os dias em que me chamavas amor,
Em que gritavas que me amavas,
Em que dizias ser parte de mim.
Mas, ah! Não! Não tenhas pena da situação,
De nós, nem do passado,
Pois tu sabes que não sou de ter pena
E que deploro os coitadinhos.
Não! Não terás de ficar triste amanhã
Pois eu sou um ser feliz.
Apenas o hoje conta.
O já e o agora.
Apenas eles importam realmente.
Neste refúgio da minha alma estou morto de saudades,
Já saíste de casa há tanto tempo, meu amor, há mais de cinco minutos…
Afinal, diz-me querida… quanto tempo demoras na cabeleireira?
Gil Saraiva
II
"OUTRO ALGUÉM"
Cristalina
Como um glaciar,
Derretendo
Sobre um vulcão de lava,
Assim ela é!
Queimando gelada
Ou ardente
O coração de quem sente...
Mulher,
Sempre mulher!
Fêmea, matriarca,
Submissa ou dona
Do seu nariz…
Pura na noite sem fim,
Suave no olhar,
Como a vertente da montanha
Que em avalanche desliza
Pra me invadir a alma,
Poderosa, incrível, única!
Maria da Fonte,
Padeira de Aljubarrota,
Joana d’Arc,
Amália, Marisa, Dulce Pontes,
Teresa Salgueiro,
Barbie,
Vénus, Héstia, Juno,
Diana ou Artemisa.
Bruxa, fada,
Feiticeira, Anjo,
Santa Maria
Ou Madalena…
Alguém que nos atrai
Com sua luz,
Doce e leve como suave pena
Armadilha fatal
Que nos seduz.
Rainha, escrava,
Águia, misteriosa,
Cleópatra, concubina,
Mítica cigana,
Que bem conhece a sua própria sina.
O ser perfeito,
Na imperfeição dos seres,
A miragem
Que se consegue ver
Em todo o lado.
Virtude, dor, amor
E o pecado…
Assim tu és,
Meu bem!
Agora e sempre,
Cristalina,
Vulcânica...
E de outro alguém!
Gil Saraiva
I
"AS VOZES"
No austero silêncio da net
A comunicação é infinita,
De todos para todos,
Tal como o infinito
Que nada mais é
Que tudo para tudo...
Por uma rede
Universalmente livre,
Que não se calem
Nunca
As vozes do futuro:
As nossas vozes!
Nascemos selvagens
E livres para a internet...
Sem regras, sem normas,
Sem segurança,
Com garra, com ganas de saber...
Agora,
Na ânsia do lucro,
Os vampiros do capital
Procuram o comando,
Do que nasceu nosso,
Porque foi feito por nós!...
Por uma rede
Universalmente livre,
Que não se calem
Nunca
As vozes do futuro:
As nossas vozes!
Gil Saraiva
Dedicatória
Este livro é dedicado às paixões que pululam pela internet, no caso português desde 1994. Algumas delas com resultados inesperados de encontro de almas gémeas, que ficariam para sempre perdidas, não fosse esse, ainda quase recente, meio de comunicação. A world wide web cedo se tornou a world wild web, em que tão facilmente conseguimos encontrar o melhor de todos e cada um de nós, como, da mesma maneira, nos deparamos com o lado sombrio e desumano a que alguns dos nossos semelhantes parecem aderir com a mesma simplicidade. Como na vida, temos de tudo, bondade, solidariedade, fraternidade, liberdade e igualdade, como mentira, engano, ódio, rancor, e outras coisas que nem vale a pena descrever. Bem-vindos.
Nota: Poemas criados entre 1995 e 2020