I
"HINO À MULHER"
No mundo existe um ser, quase irreal,
Ao qual foi dado o nome de Mulher...
E é tão bonito ouvir dizer Mulher...
Mulher
Ou o berço mais perfeito,
Mais subtil,
A fonte de toda a Humanidade,
Aquela luz que brilha
Dia e noite
A todos quantos lhe chamaram
Mãe!
E é tão bonito ouvir dizer Mulher...
Mulher,
Nogueira que os anos reduziram
A mobília de luxo, estilizada,
De porte antigo,
Austero e imortal;
Ou em mesa de sala,
Gasta, enegrecida,
Onde outras gerações contam segredos
Aos nós ou aos ouvidos da
Avó...
E é tão bonito ouvir dizer Mulher...
Mulher
Ou vida que cresceu e que floriu
Sob o olhar da águia e do falcão;
Até que ganhou asas... liberdade;
Até olhar pra trás e num sorriso
Dizer que já foi nossa a nossa
Filha!
E é tão bonito ouvir dizer Mulher...
Mulher
Ou alma ou coração; tão terno... tão piedoso...
O cofre-forte, o banco da saudade,
A gema cristalina em mais pureza,
O símbolo mais casto da justiça,
O sinónimo exato para um
Anjo!
E é tão bonito ouvir dizer Mulher...
Mulher
Ou espada reluzente, tão certeira,
Tantas vezes fria que foi neve,
Mordaz, esperta, vingativa,
Uma artimanha feita de truques,
Trevas e tristezas, refletindo no espelho
Lucifer!
E é tão bonito ouvir dizer Mulher...
Mulher
Ou miragem de outros Tempos neste Tempo;
A gota de água que ao cair deleita
A terra que a recebe saciada;
A estrela mais notável porque bela,
O termo mais correto p’ra
Beleza...
E é tão bonito ouvir dizer Mulher...
Mulher,
Tambor, apocalipse de emoções,
Ritmo frenético dos homens, o gosto,
Aquele sabor a sal tão doce...
Os dias que nem têm uma hora
Pra quem olha pra ti e grita: "Amor";
Pra quem nasce pra ti e quem, um dia,
Já dentro do teu corpo diz
Mulher!
E tu
Simplesmente sorris,
Porque é bonito ouvir dizer
Mulher...
No mundo existe um ser quase irreal...
Gil Saraiva
"SONETO"
O soneto entre nós foi caravela,
Rainha pela pena de Camões;
A alma foi, nas almas de milhões,
E tão pura, tão linda, tão singela.
Foi também o soneto amarga cela,
Um covil de saudades, frustrações,
Caverna de desgostos e paixões,
Ardil fatal nos versos de Florbela.
Foi ainda o soneto última laje,
Escura tumba do imortal Bocage.
Foi soneto o soneto com Antero,
Num ideal tão claro como austero.
Será soneto o que eu agora escrevo?
Não sei mesmo se a tal dizer me atrevo!...
Gil Saraiva
“PARA QUE A TROIKA NÃO SE ESQUEÇA”
Dizem
Que temos nós
Direito à vida.
Dizem
Que vem na lei,
Que tem de ser.
Dizem
Que ninguém pode,
Dela, ser privado,
Salvo se crime houver
E, sem saída,
Se age
Por mais meios
Não haver…
Uns dizem
Que é direito assegurado,
Que assim se constrói democracia…
Outros dizem que tirá-la
É pecado,
Sentença capital da agonia,
Condenando,
Até ao fogo eterno,
As almas pecadoras ao Inferno.
Mas o que dizer de quem,
Que aplica um memorando
E navegando à vista, navegando,
Saca de todos nós o que não temos?
Rouba dizendo que devemos
Não se sabe o quê, à Troika prenha,
Que tanto nos odeia e desdenha,
Roubando a quem tem necessidade,
Tirando a quem não tem capacidade.
Impõe-se assim esta ordem estranha,
Injusta, violenta, uma artimanha,
Que nos vai forçando a cumprir,
Sem vontade se ter e sem sorrir,
Tudo o que nos obriga a própria lei,
Imposta porque quem tem força de rei.
Uma lei tão vil,
Tão errada, falsa,
Tão tamanha,
Que o povo ao suicídio
Vai levando ou à pobreza,
Por não haver maneira
Ou poder ter
Como se cumprir um tal comando,
Que da força da lei
Faz fortaleza,
Imposto por um Governo fraco
Que apenas quer encher o saco.
É assim a vida,
O que dizer?
Pergunta o Estado,
Vendo cofres a encher,
Num confisco que cheira realeza,
De quem o povo, aos poucos,
Vira presa…
Dizer que são culpados!
Porque não?
Dizer
E condená-los a Prisão!
Homicídio involuntário
De gente sem saída,
Gente que se mata,
Só por desespero,
Gente fraca, sem sorte,
Sem alma e sem bocado,
A quem o futuro foi roubado.
Gente que não sabe de roubo
Ou contrabando,
Que grita dor e fome em desespero,
Que definha pelo exagero
Do saque em favor do memorando
Assinado, à revelia, por tal bando.
Dizem que temos nós direito à vida.
Dizem que vem na lei, que tem de ser.
Quem julga os assassinos,
Das almas sem saída,
De tanta gente que assim
Ficou perdida?
Quem julga um Estado destes, a preceito?
Um estado assim tão vil, tão mau, demente,
Que abusa do Povo já desfeito,
Como se nada fosse, ou… quiçá…
Nódoa atroz que sai com detergente.
Dizem que temos direito à vida…
Dizem… e quem o diz,
Só mente!
É preciso avivar, de todos, a memória
Dos tempos em que vida foi avessa,
Lembrar os dias sem saída, sem glória,
Para que a Troika não se esqueça!
Gil Saraiva