XI
"O NOVO ALGARVE"
Na calma das palmeiras,
Paciente, quase preguiçoso,
Passa o Gilão longos dias de repouso,
Medita o rio, reza em cada igreja,
Trinta e sete templos de plena devoção,
Conhece bem Tavira o meigo rio,
Entende as terras deste Algarve
Onde reside o Sol do oriente, a voz do Sul
De uma Europa unida em confusão.
Afinista do amor, da simpatia,
Tavira aguarda, uma vez mais,
A invasão das línguas e dos povos,
Na sombra das muralhas de um castelo
Que foi de romanos, mouros e outras gentes,
Antes de ser pedra lusa, austera, gótica e secular.
Os turistas vêm do mundo e de outras partes
Prestar homenagem rendida ao Gilão.
Rendidos pela calma,
Que invasões bárbaras são guerras do passado.
E hoje o que os conquista é a harmonia,
É fé caiada de branco por entre alvas açoteias.
Chegam em bando os visitantes,
Migram buscando as praias e o lazer.
Nestas terras lusas de cor, de tradição, de mar,
Migram na procura de um valor esquecido
E encontram-no aqui,
Reconhecem-lhe a forma e o feitio
E chamam-lhe: humanidade.
Seria quase poético o poema terminar
Seu curso no verso anterior, todavia,
Depois da chaminé e da amendoeira,
Depois do Sol, depois das praias,
Depois do D. Rodrigo e da Ria formosa
O novo Algarve elegeu a grua…
Gil Saraiva
X
"O MEU VULCÃO”
Não me deixes só
No universo,
Não me tires a alegria,
O amor, a vida,
Não me faças voltar
A ser perverso,
Não me deixes tu a alma nua,
Não me abandones minha querida.
Não me deixes perdido, só,
Na solidão emerso,
Não deixes minha alma ressentida.
Não quero ficar só,
Abandonado neste mundo,
Não quero estar perdido
Ou ser imundo…
Ó vida escura, sombria, sem calor,
Estou cego, não consigo olhar.
Quero morrer. Tenho a alma fria
Gelada pela dor,
Eu não vou conseguir aguentar,
Pois não posso viver sem teu amor.
Estou cego, a vida quero abandonar,
Sem teu amor eu quero,
Eu tenho de morrer,
Assim não, por favor,
Assim eu vou fender…
Como um raio vou fender meu ego,
Vou estilhaçar-me pelo infinito
Vou gritar ao sonho
Que não nego
Que tu para mim és Sol,
Luz, mito.
Vou gritar que te amo
E embora cego,
Em ti vejo um diamante
E não permito
Que alguém jamais te ame
Como eu te amava,
Porque senão,
Meu vulcão
Vai verter lava!
Gil Saraiva
IX
“LA PALMA, CASCATA DE LAVA”
Revolta-se a Terra e logo pelas Canárias,
Grita, em tremores pela ilha fora,
Em nome do planeta pois que demora
O Homem a parir reformas ordinárias
Sobre o clima, o ambiente, já sem hora,
Minuto, segundo ou mesmo instante
Para tudo mudar porque é flagrante
Que o destino não espera e a chama chora
Rios de fogo pela encosta agora,
Desembocando cascatas de lava no oceano,
Numa guerra invulgar, sem mano a mano.
E monte da velha enxofre fede,
Rebenta de raiva o vulcão adormecido,
E em torrentes de sangue nada impede
Os rios de devorar casas e terras num rugido,
Sem dimensão, sem forma, sem sorriso,
Sem consideração, espera e sem aviso,
Que não seja o da confusão, do alarido.
Para as vítimas o drama cheira a desespero
De nada serve a luta, o orgulho ou o esmero.
Ali reina um caos sem ter vertigens.
Plantações de banana viram estrume,
Em torresmos derretidos, desde o cume,
Que a civilização volta às origens.
Chega o rei, ministros e dinheiro,
Entram promessas pela televisão,
Que imagens de espanto são viveiro
De audiências, de sofá e de emoção,
De quem ao longe assiste ao formigueiro
De uma La Palma recreada em cinzeiro.
Em La Palma, as cascatas são de lava.
Laranja, amarelo, negro e vermelho
São as cores da revolta que se trava
Numa ilha para quem não há conselho
Que ajude a suportar tamanha dor,
De quem vive dessa terra, de quem viu
Desaparecer o fruto de todo o seu labor
E sem comos, nem porquês, se despediu
Dos seus haveres, das memórias, no calor
Porque as chamas tudo em volta consumiu.
A natureza acordou um vulcão adormecido,
Nem requerimentos, sem razões, sem um pedido!
Gil Saraiva
VIII
“A OSMOSE INVERSA DE UM PRANTO”
Olhar
É conhecer-te simples,
Pura, singela.
Olhar
É ver-te sempre
Doce e bela.
Olhar,
Tornar a olhar
Bem para ti…
Pensar… pensar nos olhos
Nos quais vi
Um amor ardente,
Nesse olhar quente.
Num olhar que ama,
Num olhar
Que a mente
Não sabe se engana,
Sabe que não mente!
Olhos
De um sentir futuro,
Olhos
Para colher fervor,
Olhos
De um amor seguro,
Olhos
Do próprio amor.
Olhos
De um ser que amo,
Olhos
Para mim clamo,
Olhos
Que num olhar
De nós dois fazem um par.
Olhos
Que me veem, são os teus,
Olhos
Que quando em pranto,
Fazem chorar os meus!
Gil Saraiva
3
“DILEMAS DO UM A UM”
Um a um
Se quebram votos de união
E viram as costas vidas destinadas
A se entenderem,
Entre fervor e paixão,
Pelo tempo que dura a eternidade.
De brilhantes os diamantes ficam foscos,
Tornam-se joias falsificadas.
Tudo o que é simples,
Evidente e sentido
Ganha foros de complexidade
E a vida passa a valer
Muito pouco
Entre as almas desgastadas.
Um a um
O nunca vira mais
E é preocupante ser demais…
Não quero esse nunca mais,
Nunca mais poder dizer:
Um pouco mais nunca é demais,
Porque não pode um jamais
Negar que eu quero sentir
Minha carne e meu desejo
Entre teus ais.
Um a um,
Sinto o doer de um nunca mais…
Nunca mais poder fazer
Brilhar o teu olhar,
Nunca mais ver
Esse sorrir que me ilumina
Em teu sorriso,
Apenas porque nunca mais,
Mas nunca mais?
Como aceitar de ti,
Sem me sentir quem nunca fui,
Esse imperfeito nunca mais?
Um a um
Os dois voltam a dois
E deixam de ser um,
Já sem raiz
E eu choro perdido de ser,
De existir e de viver feliz!
Gil Saraiva
2
“DO SORRISO À IRA, UM A UM”
Um a um,
Juntam-se os factos,
Os eventos,
Os instantes.
Celebramos aniversários,
Damos parabéns,
Vamos a festas,
Mas sem festas os atos,
Os momentos,
Os picantes,
Sentem a ausência
Da caricia,
Do mimo,
Da companhia,
Do dia-a-dia celebrado
No fulgor de algo
Chamado de amor,
Esquecido de significado,
De força, de génio,
De alegria.
Tudo por ter perdido
Forma,
Horizonte,
Nervo
E valor,
Tornando a terra fértil
Em deserto
E o olhar em miragem,
Esquecimento,
Mais longe do que perto,
Nublando a paisagem.
Afinal, a fonte
Ao deixar de ser nascente
É a alma gémea que vira
Gota, lágrima sem ponte,
No canto de um olho que revira
Por ver secar o oásis no horizonte,
A palmeira em fogo sucumbir como uma pira,
Porque os seres se apartam
Sem razões e sem sentido
Dando o sorriso lugar a nova ira.
Um a um…
Gil Saraiva
VII
“A COMPLEXIDADE DO DOIS EM UM”
1
" UM A UM"
Um a um
Passam os anos,
Formando nossas vidas.
Mesmo que nunca se sinta o amor,
Ele sempre existe
No eco profundo
Das inspirações recalcadas,
Lá, onde a saudade
É nossa irmã
E aonde a dor,
Velha madrasta
Sempre pronta
A agitar-nos o stress,
Procura uma oportunidade
Para emergir uma vez mais.
Por isso, a poesia
Reveste-nos o sangue,
Resguardando os seres
Das margens da mágoa,
Da loucura,
Da raiva
E da frustração.
Um a um,
Os sentimentos deixam marcas,
Que não vemos a olho nu.
Vidas em comum,
Onde o invulgar é,
Paradoxalmente,
A harmonia ser
O denominador comum
E natural.
Gil Saraiva
VI
"SÁTIRAS DE UMA POLÍTICA DOENTE"
O caminho descendente que conduz ao inferno
Vai até à encruzilhada onde o Aqueronte,
O Rio da Angústia plena,
Entronca no Cocito,
O Rio das Lamentações.
Pelas margens passeiam políticos e ricaços
Fazendo piqueniques com populares corrompidos,
Sedentos por servir, para serem servidos.
Algures, um velho alentejano de ar manhoso,
Canta um Paco Bandeira distorcido:
“- Ó relvas, ó relvas,
Maroscas à vista.
És contrabandista de universidades,
Enganas o povo com tuas vaidades,
Com tuas vaidades…”
Outro velho, um barqueiro,
Transporta as almas dos mortos
Para a outra margem, mais acima,
Até onde se encontram as portas adamantinas do Tártaro.
Terroristas, que já foram de carne e osso,
Fazem companhia a Cérbero,
O cão de três cabeças e cauda de dragão,
Que guarda os portões, com falsidade,
Sorrindo gentil a todas as almas que entram,
Rosnando feroz às muitas
Que aflitas tentam sair.
Para lá dos pórticos está o Tribunal dos Três Juízes,
Indiferente a juras de futuro bom comportamento,
Que na Terra, libertam varas de bandidos da prisão.
Radamanto, Minos e Éaco
Lavram as sentenças com pesada mão.
A opção da salvação envia os justos
Lá para os Campos Elísios,
Que não os de França, mas sim do Paraíso.
Os outros embarcam pelo Flégeton,
Pelo Estige ou pelo Lete,
Rumo aos três cantos dos infernos,
Pelos rios do fogo, da invulnerabilidade
Ou o do esquecimento.
A Justiça terrena descansa nas margens do esquecimento,
Os poderosos e ricos banham-se no Rio do Fogo,
Onde milhares de vítimas são finalmente saciadas.
Gil Saraiva
V
"NUNCA MAIS"
Se amor é estar feliz
Junto de ti,
Se amor é bem falar
Sem discutir,
Então,
Afirmativamente te perdi
E nada mais,
Nada mais tenho a fazer
Senão partir!
Não me esperes!
Não esperes que eu volte,
Que regresse,
Que o teu calor forçado
Não me aquece,
E nunca mais,
Nunca mais amor me chames tu!
Não esperes que regresse
E nunca mais amor me chames tu!
Tu és azul que vermelho nunca foi,
Azul que o luto nunca usou,
Azul que jamais quis dizer paz,
Azul que a Terra conquistou,
Azul que a traição aos homens traz
Na frieza inconfundível desse teu amor,
Azul que afirma ser capaz
De tornar um ser azul de tanta dor!
Não me esperes!
Não esperes que eu volte,
Que regresse,
Que o teu calor forçado
Não me aquece,
E nunca mais,
Nunca mais amor me chames tu!
Não esperes que regresse
E nunca mais amor me chames tu!
Gil Saraiva
IV
"FAZ-ME ISSO…"
Tu és sonho eterno,
Como eterno é o infinito.
És linda, meiga e pura,
Como pura é a verdade.
És flor singela,
És deusa, és mito.
És um fogo ardente,
Como ardente é o amor.
És fonte de vida,
És a eternidade!
Dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
Tu para mim és corpo,
Que me faz ferver.
Desejo e espírito,
Com quem quero amar.
Pensamento e mente
De quem sabe querer:
O que com razão
Quer conquistar.
A quem por amor
Irá pertencer.
Por quem, com justiça,
Há de querer lutar!
Dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
Desfazem milho as mós
De velhos moinhos,
Que são como nós,
Jamais perdidos, carentes, sozinhos,
Nunca esquecidos, porque nunca sós.
Assim, completamente apaixonados,
Tão juntos e unidos nos segundos,
Que viram momentos, que são mundos,
Que espelham corações enamorados,
Que vivem meses, anos, beijos e abraços,
Num corpo a corpo, em sangue vivo,
Plasmado no amor, ausente crivo,
De quem produz farinha sem cansaços,
Ao ritmo de impulsos desejados
Fazendo da farinha pão,
No forno da paixão dos nossos laços.
Dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
E correm muitas, muitas vezes,
Os sonhos, os anseios, as notícias,
Assim, intimamente unidas,
Num corpo a corpo cuja mente,
Ao agarrar assim as nossas vidas
Se funde para sempre, eternamente,
Até termos um dia acabado,
De ser egos, de ser corpos, de ser gente.
Unidos somos sexo, sem complexo,
Verdade apaixonante e nostalgia,
Raiz, presente livre, futuro por diante,
Atração forte, fatal e penetrante
Sexo, sensibilidade e simpatia.
Dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
E eu sei que sou teu, que te pertenço,
Tu sabes que eu te amo, que te adoro.
És menina do olhar cristalino, puro,
Sereia de um mar de amor feito futuro.
Meu prazer é ver-te, ter-te em tudo,
É sentir que te tenho para amar,
No passado, hoje e amanhã
Ou sempre que me venho deitar.
Sei que sou teu, menina
Dos olhos loucos de amor
Que me viciam,
Mais do que tabaco ou heroína.
Dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
Anda, vem, amor, amada minha,
Conta-me as verdades
Que em teu corpo se criaram,
Faz-me perguntas, cria uma adivinha,
Conta-me as paixões que te inflamaram
E diz-me segredos, bem pequeninos,
Dos instantes esquecidos que passaram.
Anda, conta-me as dores,
Os teus poucos calvários,
Terei eu sido o esperto
Entre os otários?
Fala-me das horas que galgaram
Esse teu terno ser, que me ilumina,
Os momentos que passaram e ficaram,
Fala-me de ti, doce menina.
E dá-me carícias, faz-me miminhos,
Com doce sorriso que, jamais omisso,
É matéria prima de lares, de ninhos,
E faz-me isso, isso… isso…
Gil Saraiva