Livro de Poesia - Melopeias Róridas Entre Armila e Umbra: O Som do Silêncio - VIII
VIII
“O SOM DO SILÊNCIO”
Sei que se chama Solidão.
Usa o mutismo como som,
Trata o Destino
Por irmão
E oiço dizer
Que tem um dom:
O seu falar soa a silêncio
E tem nos olhos escuridão.
Fala com a Sara,
O Rui, o Inocêncio,
Palavras desprovidas de paixão.
O som do silêncio
Tem por voz
Todavia,
O seu grito é bem atroz.
Vive sem rumo ou coerência,
Nunca a vi sequer sorrir,
O que emana pelo mundo, ao sair,
Eu sinto-lhe tão bem a influência.
Tenho uma hóspede
Em minha casa,
Não sei ao certo
Há quantos anos.
Nunca ouvi dizer
Que se atrasa,
Jamais a vi
Usar de enganos.
Não gasta gás,
Não usa água,
Nem mesmo eletricidade.
Nunca a escutei
Com uma mágoa,
Mas vejo-a muito pela cidade,
Por entre os sons do reboliço,
Sempre evitando
Um compromisso.
Não se queixa de fome, mas carência
Abunda no seu jeito de agir,
Nem há graçola que a faça rir.
Porém, dizem, rejeita a violência,
Mas sei que se chama Solidão.
O som do silêncio
Tem na voz,
Chama o Desespero
Por irmão,
Vive escondida
Em cada um de nós.
Escolhe o rico,
O pobre, o viajante
Como poiso onde faz
Ninho ou escala,
Um marido, uma mulher
Um bem-falante,
A todos segue
No fazer da mala.
O som do silêncio
Facilmente ensurdece,
Mesmo até…
A quem reza uma prece.
Tenho uma hóspede
Em minha casa,
Sei que se chama Solidão.
Anda pelo mundo.
Um golpe de asa,
Um azar,
Uma tristeza, uma ilusão,
E do nada aparece
Com socorro,
Qual concubina, amada,
Amante, amásia,
Como quem no silêncio
Desce um morro,
Como quem aprova a eutanásia.
Há quem a ache natural,
Por natureza,
Mas quem pensa assim
É só tristeza.
Preciso despeja-la, com urgência!
Pois que da minha hóspede estou farto
Pois que na luz me escurece ela o quarto.
Não sei como não vi tal evidência…
Ou ela sai ou, por fim,
Sou eu que parto!
Não posso manter
Tal companhia.
Se digo que já chega
É por estar farto
De me sentir viver em agonia.
Não tenho pai nem mãe,
Mas se tivesse,
Enquanto comigo morar
A Solidão,
Não faria diferença
Que trouxesse,
Um pouco de paz
A este coração.
O som do silêncio
Tem por voz
Vive escondida
Em cada um de nós.
Sei que se chama Solidão.
Usa o mutismo como som,
Trata o Destino por irmão
E oiço dizer que tem um dom:
O seu falar soa a silêncio
E tem nos olhos escuridão.
Gil Saraiva