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Estro

Estro do meu ego guarda a minha poesia, sem preocupações de forma ou conteúdo, apenas narrativas do que me constitui...

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Livro de Poesia - Sintagmas da Procela e do Libambo: Casa do Gaiato - I

Sintagmas da Procela e do Libambo.jpg

Observação: Os poemas deste livro foram criados entre 2004 e 2020.

Casa do Gaiato.jpg

           I

 

“CASA DO GAIATO”

 

No vazio de um lar que teriam por direito,

Na exploração dos corpos,

Das almas e dos seres,

Que nunca autorizaram,

Na carência de amor, de roupa, pão

Ou de sorrisos,

Nos rostos imundos de uma miséria

Para a qual nunca tiveram explicação,

Eles nasceram!

 

Frutos menores

Da sarjeta desumanizada.

Abandonados por vergonha, medo, fome

Ou por defeitos

Para os quais nunca, por eles mesmos, contribuíram.

Trocados por vinténs,

Nos becos da miséria humana,

Postos a trabalhar, pedir, render,

Sem terem brincado

Um só minuto.

 

Eles, que não conhecem

O significado de ambiente familiar,

De pai que é pai ou de mãe

Que o deveria ser,

Perdidos nas trevas de uma vida sem calor,

São o produto marginal

Da injustiça quotidiana,

Tratados como lixo

Sem voto na matéria

Ou voz que ouvida possa ser.

 

Também os há aqui, em Portugal,

No país de abril e liberdade,

Porque a imundice dos povos e dos estados

Não tem pátria, nem bandeira,

Não tem hino.

 

Filhos sem Deus,

De gente sem alma ou condições,

Abandonados por um Estado

Que diz ter falta de crianças

E se orgulha da sua segurança social.

 

Foi no último século,

Do passado milénio, que nasceu,

Nos anos quarenta,

Em plena ditadura,

A Casa do Gaiato,

Qual refúgio,

Fruto de uma alma boa,

A Obra do Padre Américo,

Obra de Rua,

Recolhendo putos

De olhos negros de existir

Em vida escura.

 

Fonte de luz

Na neblina de ébano caiada

Nos egos de crianças perdidas,

Cariadas de dignidade,

De valores, de existência.

Filhos de uma valeta marginal

Que ninguém vê.

Tetranetos de um mundo de injustiça.

 

Finalmente uma esperança,

Uma réstia,

Uma saída,

Uma fé,

Uma Casa do Gaiato.

 

Não foi perfeita a sua existência,

Mas fez diferença,

Foram milhares de almas

Que viraram gente,

Foram milhares de seres

Que se fizeram homens.

 

Teve problemas,

Más lideranças por vezes, vigaristas,

Oportunistas da fraqueza dos fracos,

Certamente,

Mas vingou, cresceu, se multiplicou

Em Portugal,

Angola e Moçambique.

 

Faltam casas de gaiatos

E gaiatas pelo mundo,

Falta solidariedade

Nas vidas de muitos poderosos,

Mas sempre faltará.

É natural.

Não é preciso chorar o leite derramado,

O importante…

É evitar, a tempo,

Uma nova derrama.

 

Gil Saraiva

 

 

 

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