Livro de Poesia - Melopeias Róridas Entre Armila e Umbra: A Aurora - VI
VI
“A AURORA”
O crepúsculo anunciou o chegar da noite.
Vem cedo a escuridão neste fim de outono.
O Natal está à porta e traz o Inverno,
O frio vem com ele e já tem mais força.
A pandemia alastra pela multidão.
O ano chega ao fim sem ninguém notar.
Por todo o lado há lojas recheadas
De fazer inveja a quem não tem como comprar.
A noite, no hemisfério norte, é longa, gélida e agreste.
Falta-lhe a vida que, de dia, põe as gentes a circular.
Não guardam as luzes os perdidos, que não têm onde pernoitar.
Há quem lhes chame sem-abrigos, eu prefiro dizer: sem amor!
A noite avança firme, sempre assim tão fria,
Tem horas e horas para se fazer notar.
E nas casas dos ricos há calor e lar,
Porque nas outras existem os cobertores,
Curandeiros do frio, uns altivos senhores.
Nada que gere a queda da Bolsa, pela manhã
Que há de chegar com o regresso da aurora.
Mas isso são contas do rosário de amanhã.
Por fim, a aurora desperta as gotas de orvalho,
Sente-se a claridade a chegar da neblina,
Vem feliz, trazendo a luz solar, vem traquina,
Que as luzes de Natal só se aquecem a si.
Desperta o sem-abrigo antes da cidade,
Tem de sair dali para não ficar a mais,
Guarda os cobertores de cartão, sem mocidade,
Que deles precisará de novo ao fim da tarde.
A aurora despertou o dia
E com ela a manhã sorriu
No riso muito chilreado
Da passarada agora acordada.
Louva-se o Natal nas igrejas,
Nos cafés surge a gargalhada
De gente que come apressada,
Porque o dia é para trabalhar!
A névoa sobe e vira suave e fria chuva,
Nuvens iluminadas pela madrugada,
Aquece a relva, gera-se ali a fotossíntese,
Que o Sol, já alto, protege, acolhe e ilumina.
Reabrem as escolas em vésperas de férias,
Sorri maroto um garoto a uma menina
Tudo sorri também por criação divina,
É tempo de paz. Quem lembra os refugiados?
A aurora traz a nu, a crua realidade,
E pouco muda para o lado dos coitados.
Mas é tão linda, no outono, a minha cidade!
Gil Saraiva