XXXVII
"A ADRAGA"
Desce estrelado o Sol até ao mar...
Voa a gaivota, em vê, o céu cortando...
Brilha suave a água, iluminando
A linha do horizonte e, devagar,
A própria areia emite o seu brilhar
E a paisagem, aos poucos, vai dourando.
Veste de negro a rocha, sombreando
O que o Sol já não pode iluminar...
Despe de luz a praia e no poente.
E eu espero ver surgir a sombra bela,
Do teu ser decorando esta aguarela,
Tornando a paisagem transcendente.
Ao pôr-do-sol, eu peço que uma vaga
Te faça vir em mim... aqui... na Adraga!
Gil Saraiva
V
"ADORMECER..."
Quero
Ver o brilho de teus olhos
Refletir o gozo do teu ventre...
Quero...
Porque tu,
Fronteira marginal de meu prazer,
Fonte viciada onde me banho,
És rochedo que se ergue
Junto à praia,
És terramoto,
Epicentro de mim
E tudo o mais...
Quero
Ser a maré
Que sobe à tua volta
E que torna a descer
Suavemente
Ou com a fúria das vagas,
Que, como na Adraga,
Moldam a seu belo prazer
A dura rocha....
Quero
Poder provar o sal
Das tuas ondas;
Escondendo-me à força e
À vontade;
Explodir dentro de ti
Nascente natural do meu querer,
Fonte viciada onde me venho
Para regressar, um dia,
Não sei quando...!
E quero
Poder olhar para o mundo
Sem o ver;
Sentir a multidão
Sem a sentir;
Falar com a vida
Sem falar;
Pois sei que apenas
Quero ter
A tua companhia
E saber ir
Para onde contigo
Possa estar...
Quero,
Ainda,
Que os nossos pensamentos
Se envolvam
Conforme os movimentos!...
Eu quero
Tudo amor
E tudo é pouco,
Porque o tudo é nada
Sem te ter...
Mas o que é tudo?
(Por um momento o espaço
Fica mudo
Para em seguida,
A minha voz, dizer...):
É o rever teu rosto de mar
A cada amanhecer
E já,
Indo alta a noite,
Voltar a vê-lo adormecer...
Gil Saraiva