II
"OUTRO ALGUÉM"
Cristalina
Como um glaciar,
Derretendo
Sobre um vulcão de lava,
Assim ela é!
Queimando gelada
Ou ardente
O coração de quem sente...
Mulher,
Sempre mulher!
Fêmea, matriarca,
Submissa ou dona
Do seu nariz…
Pura na noite sem fim,
Suave no olhar,
Como a vertente da montanha
Que em avalanche desliza
Pra me invadir a alma,
Poderosa, incrível, única!
Maria da Fonte,
Padeira de Aljubarrota,
Joana d’Arc,
Amália, Marisa, Dulce Pontes,
Teresa Salgueiro,
Barbie,
Vénus, Héstia, Juno,
Diana ou Artemisa.
Bruxa, fada,
Feiticeira, Anjo,
Santa Maria
Ou Madalena…
Alguém que nos atrai
Com sua luz,
Doce e leve como suave pena
Armadilha fatal
Que nos seduz.
Rainha, escrava,
Águia, misteriosa,
Cleópatra, concubina,
Mítica cigana,
Que bem conhece a sua própria sina.
O ser perfeito,
Na imperfeição dos seres,
A miragem
Que se consegue ver
Em todo o lado.
Virtude, dor, amor
E o pecado…
Assim tu és,
Meu bem!
Agora e sempre,
Cristalina,
Vulcânica...
E de outro alguém!
Gil Saraiva
IV
"VERGONHA"
No eco dos sentidos
Mais profundos
Procuro com fervor
Uma outra idade...
E lembro os velhos tempos
Com saudade...
E, outra vez,
Vivo-os, por segundos...
Mas se meus anos
Foram tão fecundos,
E já alguns eu tenho
Em minha idade,
Noventa devo ter eu
De ansiedade
Pois tenho o Ser e a Alma
Moribundos,
Perdidos entre sonhos,
Vagabundos...
Meu eco,
Do sofrer,
Viveu imune
Até dele alguém
Fazer denúncia...
Não mais poderá
Ficar impune...
E a vida irá mudar
Se houver renúncia...
Meu ego
Esqueceu como se sonha...
Ficou dentro de mim,
Por ter vergonha!...
Gil Saraiva
III
"ALGUÉM"
Vagabundo Dos Limbos...
Haragano, O Etéreo...
Senhor da Bruma...
Uma jangada de palavras
Que flutuam pela internet
Sem um rumo certo...
Sou
Aquilo que sempre fui:
Um sonhador!...
Sinto todas as lágrimas
Que choro em gotas de bits
E cascatas de bytes
Sem destino...
Sou
Um Vagabundo Dos Limbos...
Sou
O Haragano, o Etéreo...
Porque sou o Senhor da Bruma!
Que mais posso almejar
Do reino das palavras?
Quero a verdade!
E isso é muito?
Rindo de mim mesmo
Vou ficando...
Quem fala verdade
A um haragano?
Quem, na jangada,
Tem rumo, destino?
Para que eu possa amar,
Mulher, só quero uma...
Quem se poderá fundir
Ao Senhor da Bruma?
Haverá quem?
Ah!...
Tem de haver alguém!...
Gil Saraiva
II
"ELA..."
Ela
Não podia estar ali...
Talvez...
Nos confins do pensamento,
Longe de tudo...
Não de todos!...
Um rosto jovem no sorrir...
Um rosto,
Com raios de Sol
Caindo nos ombros,
Em cabelos de um ouro
Que brilha no escuro...
O azul do mar
Repousando nas pálpebras,
De uns olhos castanhos
Que brilham também...
Um doce poente
Poisado nos lábios,
De uma boca que arde
E cheira a pecado...
Um luar de prata
Em seu meigo rosto,
De uma Lua Cheia
Que ilumina a serra...
Os traços de Vénus
Moldados num corpo,
Que Gaia quis tão fértil
Como sensual...
O entardecer
Descendo no ventre,
Qual crepúsculo
Anunciando a plenitude...
O sabor a sal
Colando-lhe as coxas,
Húmidas de ansiedade,
De ante prazer...
O toque da seda
Envolvendo os seios,
Tentando esconder
A derme perfeita...
O amor perdido
Em seu terno olhar,
Que busca, sedento,
Outro olhar igual...
E um ar de oásis
Cobrindo-lhe a pele,
Qual neblina ténue
Desejando Sol...
Ela...
Não podia estar ali...
Talvez...
Perto de alguém,
Imaginário ninguém,
A quem espera,
Um dia,
Vir a encontrar!...
Ela
Não podia estar ali...!
Não!...
Não existe tal paisagem,
Pois as quimeras
Nunca são reais!
Mas...
Se por força
De acasos impensáveis,
A paisagem
Não for mera miragem...
Se o ocaso
Realmente for poente
Que chega ante meus olhos
Suspensos na exceção,
Então... então...
Então tudo eu dou
Pela paisagem!...
O que sou,
O que fui
E o que serei,
O que tenho
E o que possa vir a ter...
Tudo!...
Porque tudo é pouco
Se puder na paisagem
Meu ser eu colocar...
Num canto,
Ali...
Mas enquadrado...
Ela
Não podia estar ali...
Gil Saraiva
X
"POSSA SER EU!"
Meu amor...
No espaço diminuto do meu cérebro
Não consigo enclausurar o amor que sinto...
É vasto demais,
É denso, é forte,
E nem zipado cabe entre neurónios...
Poderia eu arquivá-lo nessa rede,
Aquela a que chamamos de Internet,
Em servidores sem fim...
"Terabytes" e "Terabytes" de sentir...
Mas é pequena a "Net",
É curta, é vã...
Ah, mas então...
Só dessa forma se tornaria a rede
Um sentimento só,
Somente e apenas...
Mas tanto ficaria por expressar,
Pois está por inventar o “chip”
Ou a memória
Que possa processar o verbo amar
Com a dimensão e a dignidade
Que este deve possuir...
Porém...
Um processo existe, um meio, uma forma,
De saberes, ó meu amor, o quanto te amo...
Há um condensador do meu sentir
Que podes ler sem erro,
“Bug” ou vírus
Que o afete...:
O brilho dos meus olhos quando a retina
Capta a tua imagem e a retém
Lá para lados desse órgão interno
A que teimamos dar por nome:
Coração!...
O fenómeno pode não ser sensível
À ânsia da descoberta do sentir
Através de quaisquer materiais...
Ah... Mas se amares...
Vais poder ler o brilho oculto
Aos olhos de um outro qualquer alguém
E, meu amor, que esse alguém
Possa ser eu!
Gil Saraiva
"QUEM..."
Quem
Tem na esperança
O sussurrar cálido das marés?
Quem
Encontra no próprio reflexo a alegria
De vivo se sentir com confiança?
Quem
Procura sempre um amor
Sem temer ou mesmo desistir...?
Quem
Sabe que o impossível apenas demora
Mais tempo?
Quem
Sente o nascer do Sol
No crepúsculo insustentável da madrugada?
Quem
Jura que a palavra é só uma,
E uma apenas?
Um só alguém!...
E esse quem
Não tem o que temer,
Por que tremer,
Pois brilha mais alto,
Mais forte e mais além...!
E luta, como luta mais ninguém,
Mesmo na mais temível escuridão,
Acabando por encontrar, por conquistar,
E por sorrir, enfim, ao ver no espelho
A imagem refletora de um futuro
Que em cada segundo se torna presente...!
Que em cada impresente renasce em saudade!...
Assim...
Todos saberão conhecer o tal de quem,
Que no sussurrar ameno das marés,
Completará um próximo devir,
Com a forma simples de um sorrir...
Mas será realmente que esse quem,
Com a imatemática clareza dos sentidos,
Sente, o amor, sem incerteza?
Mesmo sem temer ou desistir?
Talvez...
Quantos ou quantas acharão sinais
E por engano se julgarão escolhidos?
Só quem acreditar que jamais
A ilógica absurda, de um tão grande amor,
Poderia servir de engodo vil
Ganhará a glória terminal!
E esse alguém terá...
No sussurrar cálido das marés,
Na alegria de vivo se sentir,
Na procura impossível sem temer,
No crepúsculo insustentável da madrugada,
No brilho mais alto, mais forte, mais além,
Na busca perdida pelos Limbos,
E na mais temível escuridão,
A taça da vitória conquistada,
A certeza de saber que o quem
É ele ou ela e mais ninguém!
Para mim,
Apenas importa esse meu quem!
E espero meu amor, querida, meu bem,
Que a taça seja eu e ela tua,
Tal como o infinito é mais além,
Tal como da Terra satélite é a Lua...
E só assim,
Por fim,
Na forma de um sorriso, feito belo,
O meu quem se refletirá da cara nua,
Por provir simples, franco, singelo,
Desse amado rosto, dessa face tua!
Gil Saraiva
"O PRÓXIMO HOMEM"
Há sempre um Próximo Homem
Para onde quer que seja...
Do: soldado ao comandante,
Marinheiro ao almirante,
Varredor ao vereador,
Segurança ao diretor,
Há sempre...
Desde o sacristão ao Papa,
Do lixeiro ao presidente,
Em qualquer ponto
De um mapa,
Do ausente ao residente,
Há sempre...
Um Próximo Homem
Para onde quer que seja:
Porque o mundo continua
E nada pode parar,
Desde o tráfego da rua,
Às rotas do céu e mar...
Tudo tem alternativa,
Pra tudo ter solução,
Pois em qualquer narrativa,
Desde a Bíblia ao Corão,
Há sempre um Próximo Homem
Para onde quer que seja...
Mas nestas democracias,
Deste Mundo Ocidental,
Por entre burocracias
E fundos do capital,
Pesa o voto de quem vota,
Não sem a legal batota
Da promessa original
Porque:
Há sempre, um Próximo Homem
Para onde quer que seja...
Seja homem ou mulher
Será o que convier...
Mas sempre haverá um próximo,
Um alguém, um outro ser,
Que virá depois do outro e do outro que vier...
Se eu for o Próximo Homem
De um outro que hoje saiu,
Haverá um outro então,
Que ainda não se previu,
Que depois de mim virá
E não sei o que fará, porque:
Há sempre... um Próximo Homem
Para onde quer que seja...
E havendo... que viva o Próximo Homem ...
Porque o outro já não está...
O dilema surgirá só quando
O Próximo Homem
Não tiver um outro alguém
Para o Próximo ser também...
Gil Saraiva