IV
"VERGONHA"
No eco dos sentidos
Mais profundos
Procuro com fervor
Uma outra idade...
E lembro os velhos tempos
Com saudade...
E, outra vez,
Vivo-os, por segundos...
Mas se meus anos
Foram tão fecundos,
E já alguns eu tenho
Em minha idade,
Noventa devo ter eu
De ansiedade
Pois tenho o Ser e a Alma
Moribundos,
Perdidos entre sonhos,
Vagabundos...
Meu eco,
Do sofrer,
Viveu imune
Até dele alguém
Fazer denúncia...
Não mais poderá
Ficar impune...
E a vida irá mudar
Se houver renúncia...
Meu ego
Esqueceu como se sonha...
Ficou dentro de mim,
Por ter vergonha!...
Gil Saraiva
II
"ELA..."
Ela
Não podia estar ali...
Talvez...
Nos confins do pensamento,
Longe de tudo...
Não de todos!...
Um rosto jovem no sorrir...
Um rosto,
Com raios de Sol
Caindo nos ombros,
Em cabelos de um ouro
Que brilha no escuro...
O azul do mar
Repousando nas pálpebras,
De uns olhos castanhos
Que brilham também...
Um doce poente
Poisado nos lábios,
De uma boca que arde
E cheira a pecado...
Um luar de prata
Em seu meigo rosto,
De uma Lua Cheia
Que ilumina a serra...
Os traços de Vénus
Moldados num corpo,
Que Gaia quis tão fértil
Como sensual...
O entardecer
Descendo no ventre,
Qual crepúsculo
Anunciando a plenitude...
O sabor a sal
Colando-lhe as coxas,
Húmidas de ansiedade,
De ante prazer...
O toque da seda
Envolvendo os seios,
Tentando esconder
A derme perfeita...
O amor perdido
Em seu terno olhar,
Que busca, sedento,
Outro olhar igual...
E um ar de oásis
Cobrindo-lhe a pele,
Qual neblina ténue
Desejando Sol...
Ela...
Não podia estar ali...
Talvez...
Perto de alguém,
Imaginário ninguém,
A quem espera,
Um dia,
Vir a encontrar!...
Ela
Não podia estar ali...!
Não!...
Não existe tal paisagem,
Pois as quimeras
Nunca são reais!
Mas...
Se por força
De acasos impensáveis,
A paisagem
Não for mera miragem...
Se o ocaso
Realmente for poente
Que chega ante meus olhos
Suspensos na exceção,
Então... então...
Então tudo eu dou
Pela paisagem!...
O que sou,
O que fui
E o que serei,
O que tenho
E o que possa vir a ter...
Tudo!...
Porque tudo é pouco
Se puder na paisagem
Meu ser eu colocar...
Num canto,
Ali...
Mas enquadrado...
Ela
Não podia estar ali...
Gil Saraiva
"MÚSICA"
A música tem o espaço invadido
De ternas melodias...
No bar,
A tela sem som,
Transmite ilusões
De novelas sem fim...
A cena,
Com contornes de virtualidade,
Faz-me ver-te ali...
Do outro lado do bar,
Na penumbra das luzes
Em perpétua difusão...
Ali...
Nessas formas
Desse corpo que sonho;
Nas margens desse teu cabelo,
Onde os meus dedos anseiam
Perder-se um dia mais...
Procuro,
Com ânsia adolescente,
O teu olhar,
Profundo...
Oculto...
Magnífico...
E sinto-o no sorriso
Desses lábios
Que Mona Lisa invejaria ter...
Porque não falas?
A espera
É como um incêndio de floresta...
Consome tudo em seu redor...
Devora o íntimo do ser e...
Mesmo assim...
É divino o prazer
Da ansiedade...
A música
Tem o espaço invadido
Do teu ser...
E a tela,
Sem som,
O sorriso mudo dos teus olhos!
A cena faz-me imaginar
Contornes de impossível...
E na penumbra das luzes
O sonho aparenta
Um perpétuo devir...
Gil Saraiva
"CEDO"
Eu quero amar-te! Sim! Com que ansiedade...
Ó única, dos olhos meus, miragem...
Ó por ninguém, jamais, vista paisagem,
Só porque nunca alguém viu a verdade!
Eu quero amar-te p’ra sentir saudade...
Eu quero, ao longe, ver a tua imagem
Projetada em meu corpo de selvagem,
Tão louco por perder a liberdade!
E, no entanto, quero um maior bem:
O trunfo desse amor... desse segredo!
Mas encontro-me só e sem ninguém,
No mundo escuro... só... com o meu medo.
E tão só, sem poder ir mais além,
Fico tão solitário ‘inda tão cedo...
Gil Saraiva