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IX
"NÃO POR MIM..."
Às vezes
Acho-me um ser híbrido...
Não importa se o sou
Mas o que penso...
É como se metade do que me constitui
Fosse sentir
E só a outra parte de mim
Fosse homem nato...
Sou,
Tal como o dia tem na noite
Uma outra face,
Um ser ambidestro
No que toca à mística
Representada pelo coração...
Um quase ser criança
Entre pudores que,
Nesta idade que tenho,
Já extintos deveriam estar.
Mas corre-me nas veias
O devir...
A sensação última de atingir
A plenitude das coisas
Simples e pequenas
Que permanecem fiéis à memória
De quem realmente as viveu
Com existência.
Mas para que falo eu isto?
Que importância tem?
Para que raio interessa
Um tal assunto?
Ahhhhhhh...
Importa refletir,
Sentado nas escadas alvas e frias
Do mármore que edifica e marca
Cada registo do que sou,
Tentando sempre
Ir mais longe no pensar...
O que me move?
Ou, talvez, o que me comove?
Ou, ainda, o que me demove...?
É delicioso poder concluir que,
Em cada caso,
A chave é sempre a mesma:
Sentimentos!
Vindos de dentro,
Da arca radioativa do amor
À qual chamamos
Alma...
Sentimentos,
Desempacotados,
Pelo espírito
Que nos torna humanos,
Postos a render
Para que possamos desfrutar,
A cada pegada impressa
No caminho da vida,
A realização
Do que deveríamos ser
Para que o existir tenha um propósito:
Felizes sermos!...
A demanda pela verdade
É um falso caminho se,
No final da linha,
Não encontrarmos
O amor!
É pela sensualidade dos corpos
Que a alma,
Feita espírito inventivo,
Nos mostra a excelência de uma espécie
Com milénios de existir:
O Ser Humano.
Um ser que não se reproduz apenas,
Mas que se funde em harmonia
Sempre que a longa busca,
Pela alma gémea,
Se conclui com êxito.
Ser sensual
É ser-se humano
E ter com isso a esperança
De perpetuar a espécie
Por forma a poder gritar bem alto,
Aos quatro ventos:
É amor!...
Às vezes
Acho-me um ser híbrido...
Não pelo que sou
Mas pelo que os meus olhos captam
Do mundo
A que chamamos evoluído...
Onde sensualidade
Se confunde com pornografia,
Tal como o bem
Se confunde com o mal...
Às vezes
Acho-me um ser híbrido,
Mas não por mim...
Não por mim...
Gil Saraiva
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"CHORAI"
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Aqueles que chutam a bola
Apocalíptica dos sonhos sem prazer...
Aqueles a quem a vida disse, um dia,
Pra sofrerem as torturas da agulha;
A doce sensação do não sentir;
E o ventre seco e frio da própria
Morte...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Aqueles que veneram a miragem negra,
Heroína suprema dos homens
Sem rosto, sem nome
E sem força de vontade
Ou sem amor...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Porque deles é o reino da vida
Sem Futuro,
Porque neles tudo é estéril,
Seco e sem sentido;
Porque eles são o espelho mais triste
Do Inferno.
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Porque entre eles passeia a Negra Dama,
Plena de clientes, satisfeita...
Porque de Tchernobil já estão vacinados...
Porque oxigénio, Amazonas e ozono,
São coisas supérfluas, palavras soltas,
Num mundo que deixaram já faz tempo...
Porque a SIDA é apenas um atalho,
Não um mal, apenas e somente
O caminho mais curto para quem
Já não tem tempo...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Lagartas fechadas num casulo
Selado nas veias, ocas de sangue,
Plenas de vício e de tristeza...
Crisálidas, uns insetos humanos
Que nunca serão gente;
Vazios de esperança, carentes de voz...
Seres de asas queimadas
Que jamais voarão rumo à liberdade;
Que jamais sentirão o cheiro das flores,
O gosto, o gozo de voar, ser borboleta...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Chorai lágrimas de amigo, irmão, de primo
Ou filho até...
Chorai os que odeiam, agora, a luz
do Astro Rei...
Chorai os corpos vivos
A quem a mente abandonou...
Chorai aqueles que andam à procura
Da alma que não sabem encontrar...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Chorai também aqueles olhos parados...
Deus…!!!
Aqueles olhos parados de quem já foi criança,
De quem era tão engraçadinho
Nos primeiros sorrisos... lembram...?
E quando, um dia, ele te chamou "- Mamã..."
Ainda te recordas…?
E quando, a dado momento,
Deu os primeiros passos,
E tu, pai orgulhoso,
O abraçaste entre as essas mãos,
Amostras firmes de vigor,
Então tão carinhosas...
Não é fácil esquecer…!!!
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Que já tiveram mãe, avós, amigos,
A quem demos a mão,
Com quem brincamos à apanhada,
Escondidas, cabra-cega, monopólio,
Damas, xadrez, gamão, jogos de cartas,
De amor, carinho, afeto ou de amizade...
Chorai... Aqueles que sabiam quem tu eras,
A quem contavas, baixinho... a rir, talvez...
Segredos que o mundo inteiro ignorava.
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
E sejam brancos, negros, vermelhos,
Arraçados; chineses, esquimós, gregos,
Franceses, angolanos, alemães
Ou portugueses, não nos importa a nós...
Chorai...
Chorai comigo budistas,
Católicos, ateus ou protestantes;
Velhos, crianças, meninos e meninas,
Jovens na flor da idade, homens, mulheres,
E toda a gente que neste mundo exista...
Chorai...
Chorai comigo...
Uni hoje vossa dor à minha mágoa.
Chorai, chorai comigo, ó, por favor...
Que a culpa não é só de quem cultiva,
Trafica ou se vicia... Mas sim de todos nós
Que não fazemos nada para ceifar da Terra
A triste chaga... Ao menos... chorai...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Condenados por nós à Morte lenta...
Chorai...
Chorai comigo...
Chorai, chorai comigo...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Gil Saraiva