XXI
"TEUS OLHOS NUNCA CHORAM"
A luz fraca da chama de uma vela
Não reflete, em mim, o teu amor.
Porém, a minha tão intensa dor,
Tal como um vulcão, brilha, revela
Que não passo de um preso, sem ter cela,
Um cativo encantado pela flor,
Porque a meus olhos tens tu mais fulgor
Do que a mais perfeita, linda, bela,
Que um jardim possa ter, por entre tudo.
Porque foges de mim, qual tartaruga
Que a carapaça usa, antes da fuga,
Como um abrigo usado como escudo?
Por meu amor teus olhos nunca choram,
Nem essas tuas faces, por mim, coram!
Gil Saraiva
"CAÇADORA DE SONHOS"
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Armada de vida,
Carente de presas,
Eu... pela cidade
Procuro a saída
Encontro defesas
Na alma do mundo:
Ninguém se quer dar;
Ninguém sabe amar;
Ninguém quer, no fundo,
Saber encontrar
A paz, no profundo
Calor de um segundo...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Eu vejo no dia,
Na noite bravia,
No caminho, na rua,
Entre gente, mais gente,
Vestindo essa moda
(Qual festa tardia
Ao néon da Lua),
A gente que mente
E em bares se acomoda...
E ali, nessa esquina,
Eu vejo no dia,
Na noite bravia,
Se vendendo toda,
Uma pobre menina
Que diz a quem passa:
"- Mil paus... tô na moda..."
No meio da praça,
Se vendendo toda
Joana sem caça,
Carente de presas,
Faz contas à vida:
"- Nem dá prás despesas...
Que porra de vida!..."
E gente infeliz,
Com hora marcada,
Passa e lhe diz:
"- Dou cem e mais nada..."
Caçadora de sonhos...
E tão sem saudade...
Eu já vejo agora
O riso da erva
Nos pés dessa serva,
Que vende por hora
O corpo... estragado...
De tão ser usado.
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Buscando, perdida,
A velha igualdade
Do mundo, da vida...
Buscando ilusões,
Conceitos, ideias,
Credos e orações,
Entre cefaleias...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
É assim: no leve sorriso
Dessa erva daninha;
No cato que cresce
Formando uma espinha;
Na espinha que pica
Aquela andorinha
(Coitada, infeliz,
Que sangue já chora),
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
E choro de mágoa
O gozo sinistro
De certa gentinha,
Com cara de quisto
Pejado de tinha;
E a cara alegre
De um velho ministro
Que julga esconder
O que já foi visto...
Choro... choro e volto a chorar...
Mas... riem as luzes p’la cidade fora...
Riem de mim na noite vizinha;
Riem... riem como quem ri
De uma adivinha prá qual a solução
Não se avizinha...
Riem... riem enquanto meu ser
De novo chora,
Chora como ontem,
Como hoje e agora:
Chora as meninas
No meio da praça
Se vendendo todas
Ao primeiro que passa...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Como posso caçar
Sonhos no mundo?
Como posso amar
Mais que um segundo?
Não tenho saudades
Da terra maldita,
Onde o direito
Não passa de fita...
Minha alma:
Caçadora de sonhos
É tão sem saudade...
Gil Saraiva
"BALANÇA"
A vida, que se vive sem viver,
É o peso da morte na balança,
Que pende para o lado do sofrer
No prato negro da insegurança...
A vida, que se vive sem haver
Dentro dela uma mínima esperança,
É combate onde sem se combater
Se abandona o direito de mudança...
E se, na vida, eu não poder amar,
Sujeito-me ao consolo de chorar,
Pois que a vida, sem ti, é gargalhada...
É um eco cretino em minha mente...
Uma dentada dada por serpente
Nesta minha existência envenenada!...
Gil Saraiva
"CHORAR"
Sangue, suor e lágrimas eu choro,
E vou assim chorar pra toda a vida...
Não vou mais conseguir estancar a ferida,
Aberta por tamanho meteoro
No coração de quem eu mais adoro
E nesta já minha alma suicida...
Meu sangue vai escorrendo da jazida,
Saindo-me p’la pele em cada poro...
Suor tenho nas veias e artérias,
Correndo loucamente para a morte...
As lágrimas são átomos, matérias,
São o consolo triste da má sorte...
Chorar é meu último conforto,
Agora que na vida vivo morto!...
Gil Saraiva
“SOU”
Eu sou uma parte do que escrevo,
E escrevo para saber aquilo que sou,
Sou ego, animal, humano, trevo,
Sou tudo o que fui, o que amou,
Riu, sentiu, viveu e teve medo,
Esperança, fé; eu sou quem já chorou;
E continuo a achar que ainda é cedo,
Para ser muito mais daquilo que sou!
Gil Saraiva