EPÍLOGO
Este é o livro de sonetos de Ariana Telles, um heterónimo de Gil Saraiva, porque há sensibilidades que só se conseguem transmitir pelo ser enquanto mulher. Só a mulher tem a habilidade extraordinária de conjugar âmago, alma, espírito e coração em instinto, sexto sentido, premonição e sobrevivência. Aliás, apenas a mulher consegue transformar estes quatro cardinais do existir (âmago, alma, espírito e coração) numa só vivência, num único cerne, num quinto elemento que vai mais longe do que a soma dos quatro que o constituem. Porque, afinal, que homem consegue transmitir um amor de mãe? Que homem resiste à dor, à doença e ao infortúnio como esse ser perfeito que dá pelo nome de mulher?
As Díscolas de Runim Iaiá, ou as Insubordinações (ou revoltas) de uma Mulher Menina, são, por isso mesmo, uma pequena mostra da minha tentativa de descobrir esse sentir pelo que me foi transmitido, ao longo de muitos anos, por amigas, companheiras e mulheres com a sensibilidade estranha das orquídeas, a leveza plácida dos nenúfares e a grandiosidade aromática das rosas, como se juntas, numa só fragrância, conseguissem unir tudo o que é sentir, amar, ser e estar num verbo novo e singular.
Gil Saraiva
XLIV
"VENHAM"
Devagar... quando passo com meu passo,
Serpenteando as formas ao passar,
Sinto sempre o constante cobiçar
Daqueles que desejam um pedaço
.
Da minha coxa... ventre... do regaço...
Do meu corpo que passa a baloiçar!...
Sonham comigo à noite, ao copular,
Aqueles por quem passo... a quem trespasso!...
.
Imploram o meu corpo... prós servir...
Chamam-me nomes... p’lo babar da boca,
P’las gargantas viris (e a voz é rouca)!...
.
Que venham todos... juntos... me sentir...
O que me importa, a mim, o que há de vir
Se já morreu o quem... que me pôs louca!...
Ariana Telles
XLIII
"A NOVA ATENA"
Homens!... Ouvi a minha prece louca,
Este grito de alerta que vos mando.
Vós, que pensais que tendes o comando,
Escutai o que diz a minha boca.
E não vos fala uma cabeça oca
Como já é normal pensardes quando
Vos dirigis a nós. Ficai escutando
Em vez de me berrardes, em voz rouca,
Ordens já sem sentido de tão gastas.
Sou eu a pioneira da revolta;
A voz do Tempo nas palavras castas,
No uivo irado que a garganta solta!
Eu sou a nova Atena ou Lucifer
Lutando pró triunfo da mulher!
Ariana Telles
XLII
"ALÉM DA MORTE"
Eu amo-te, Ah!... Como eu te amo vida,
Luz, alma gémea, em mim redescoberta,
Tu és o rosto azul, na sala aberta,
Ao Sol que da janela, de fugida,
Te torna mundo, terra agradecida,
Por seres nascente, fonte, na deserta
Planície de mim, por ti desperta,
Qual Primavera solta, ao ar florida!...
Eu te amo, meu amor, flor encantada,
Perfume que o meu ser à força quer,
Deus, que por Deus, de mim, fará mulher,
Para tornar minha alma apaixonada!
Tu és o meu cometa, a minha sorte,
E neste verso, és meu... além da Morte!
Ariana Telles
XLI
"CHEGOU O SOL"
Chegou bem quente o Sol pela manhã...
E chora a estrada lágrimas de asfalto,
Secam os charcos, quebra-se o basalto
E pelas arcas ganha mofo a lã...
Foi assim ontem, hoje... e amanhã
Promete o Sol subir inda mais alto,
Que o astro este país tomou de assalto,
Tornando a defensiva inútil, vã...
Chegou bem quente o Sol, chegou o V'rão,
Molda-se o vidro preso na janela,
Enchem as praias, chega a confusão...
Falou-me, à alma o Sol, sorriu-me a estrela,
Mas confundiu-se, mesmo estando perto,
Pensou que este meu ser era o Deserto!
Ariana Telles
XL
"DESABROCHAR"
Ter no sentir o brilho do poente,
Ter o olhar profundo, inconformado,
Que mais parece ser o resultado
Do espelho que da alma é transparente...
Ter no sorriso a luz de um branco quente,
Num cativar exclusivo, arrebatado,
Que tem de simpatia e de pecado
Tanto como de vida e de inocente...
E ser sereia e mar na Internet
Ou flor crescendo em bruto na colina...
Ter tudo, enfim, e ser adrenalina
De quem num só olhar se compromete...
Ser simples como um cravo ou margarida,
Desabrochar na mão que me der vida...
Ariana Telles
XXXIX
"OIÇO…"
Oiço dizer que a morte é coisa horrível,
Do pior que nos pode acontecer...
Oiço também que a sida é inflexível,
Que quem a tem já sabe o que é morrer...
Oiço falar da guerra, irredutível,
Que jovens aos milhares faz perecer...
Oiço ainda que a fome, indiscritível,
É capaz de matar quem quer viver...
Oiço e volto a ouvir, já nem tem conta,
E não entendo a fundo a gravidade,
O que talvez até seja uma afronta.
Mas como poderei eu ter piedade
Se, para mim, é bem maior a dor
Que oiço pra aí dizer, chamar de amor?
Ariana Telles
XXXVIII
"SEGREDOS"
Meus dedos resvalando aí, por ti,
Não são como serpentes, repelentes.
Ávidos de desejos meigos, quentes,
Sedentos são do que eu já possuí.
São meus lábios beijando aqui, ali,
Como vampiros negros, envolventes,
Envolvidos em ti, absorventes,
Só p’ra te retirar o que eu extraí.
Te devoro, mesmo não tendo fome,
A boca em promontório atinge o cume,
Me derreto por ti, em lento lume,
E o teu olhar, em mim, já me consome.
Minha boca, meus lábios e meus dedos
Adoram devorar os teus segredos.
Ariana Telles
XXXVII
"PERDI DE VISTA"
Vivi eu tanto tempo em companhia
Desse teu amor meigo, majestoso,
Desse teu lindo ser, tão poderoso.
Juntos, feitos canção ou melodia.
Vivi eu tanto tempo em harmonia,
A teu lado feliz, um ser vaidoso,
Sem saber como era doloroso
O amor perder, enquanto me perdia.
Perdi de vista o teu olhar celeste,
Que em minha atmosfera repousava,
Na terra onde eu antes habitava.
Perdi de vista tudo que me deste.
Não me verás chorar. Eu juro aos céus.
Porque partiste sem dizer adeus?
Ariana Telles
XXXVI
“OS PARABÉNS”
Faz anos que nasceu o meu amor.
As aves cantaram nesse dia
E logo o céu expandiu sua alegria
Mostrando a sua força, o seu esplendor,
Quando o rosto sentiu, consolador,
Refletindo-se leve, em harmonia,
Nessa força feliz, que ali sorria
Sem mágoas, sem saudades e sem dor.
E para quem, então, o escutava
Fez anos, registou o calendário
Teve, sem fantasia, aniversário
Que nasceu quem a mim se destinava.
Pena que flor não seja em seu jardim…
Sozinha, os parabéns canto ‘inda assim.
Ariana Telles