XIII
"DORME EM PAZ"
Lembro...
Lembro como se fosse ontem...
Lembras-te?
Ainda te recordas?
Foi uma reunião vivida.
Uma união louca...
O focinho do teu cão ficou vermelho de pudor
E ao canário demorou a voltar-lhe o pio.
Só os lençóis do nosso leito
Acharam natural o que foi feito.
E tu rias,
Ó como tu rias.
Pela janela escutávamos o riacho
E as mariposas batiam as asas
Para lá do varandim
Acenando-nos, ao vento, as boas vindas.
O meu pai era contra...
Embora, bem no fim,
Se tenha rendido ao nosso amor
E concordado com a nossa felicidade
Sem mais entraves,
Sem mais problemas.
Nunca deixei que tivesses remorsos.
Nunca permiti sequer um arrependimento.
Nunca te neguei tudo o que sou.
Nunca te tirei o que tu eras.
Nunca te enganei num pensamento.
Nunca o teu olhar me perturbou.
Amei-te sempre,
Dia-a-dia, hora e momento!
Dorme em paz, agora, ó meu amor...
Gil Saraiva
XII
“DIREITO À VIDA”
Dizem que temos nós
Direito à vida.
Dizem
Que vem na lei,
Que tem de ser.
Dizem
Que ninguém pode
Dela ser privado,
Salvo se crime houver
E, sem saída,
Se age
Por mais meios
Não haver…
Uns dizem
Que é direito assegurado,
Que assim
Se constrói democracia…
Outros dizem
Que tirá-la
É pecado,
Sentença capital
Da agonia,
Condenando,
Até ao fogo eterno,
As almas pecadoras,
Ao Inferno.
Mas o que dizer de quem
Aplica um memorando,
Que pelo eleito poder
Se torna lei,
Levando o povo ao suicídio
Ou à pobreza,
Por não ter
Como cumprir
Um tal comando
Imposto por Governo,
Armado em Rei,
Num confisco
Que torna o Povo em presa...?
Dizer que são culpados!
Porque não?
Dizer
E condená-los a prisão!
Homicídio involuntário
De gente sem saída,
Gente
Que se mata,
Só por desespero,
Gente fraca,
Sem sorte,
Empobrecida,
Que não sabe de roubo
Ou contrabando,
Que grita dor
E fome pelo exagero
Do saque
Em favor do memorando….
Dizem
Que temos nós direito à vida.
Dizem
Que vem na lei,
Que tem de ser.
Quem julga os assassinos
De tanta gente?
Quem julga um Estado
Destes tão demente?
Mensagem que me conforte
Só da mão de um cauteleiro,
Que vende fortuna e sorte
A quem a comprar,
Certeiro.
Não culpes o mensageiro,
Que mensagem não escreveu,
Se não gostas,
Vê primeiro
Quem foi…
Quem a remeteu.
Se vier numa garrafa
Uma mensagem assim,
Cheira a mofo e não se safa,
De já não falar de mim,
Nem daqueles que pereceram
Pelo confisco ou pelo suicídio
Em desespero…
Gil Saraiva
Nota: Poemas dos tempos idos da Troika em Portugal.
XI
“RESISTE"
Resiste! Mulher resiste
À chama do coração,
Vê primeiro se nele existe
Uma idêntica paixão!
Se paixão... paixão houver,
Nessa alma que te prendeu,
Não faças o que ele quiser
Sem saberes se ele é só teu!
Resiste! Mulher resiste
À chama do coração,
Vê primeiro se nele existe
Uma tão grande paixão!
Sem saberes se ele é só teu,
Se não tem outra mulher...
Sem saberes se compreendeu
Quem tu és e o que ele quer!
Resiste! Mulher resiste
À chama do coração,
Vê primeiro se nele existe
Uma idêntica paixão!
Quem tu és, quem tu serás
E o futuro em que consiste?
Sem saberes se ouvirás:
"Sorria nunca ande triste!”
Resiste! Mulher resiste
À chama do coração,
Vê primeiro se nele existe
Uma tão grande paixão!
Sorria nunca ande triste
Pelos caminhos da vida,
Que a vida que em nós existe
Não tem volta... só tem ida!
Resiste! Mulher resiste
À chama do coração,
Vê primeiro se nele existe
Uma idêntica paixão!
Não tem volta a despedida,
Ó mulher, mulher resiste
Que a chama da tua vida
Tens de ver se nele existe!
Resiste! Mulher resiste
À chama do coração,
Vê primeiro se nele existe
Uma tão grande paixão!
Resiste! Mulher resiste
À chama do coração,
Vê primeiro se nele existe
Uma idêntica paixão!
Gil Saraiva
Nota: 1) Letra para a Banda de garagem “Rock Spot Alive” (anos 80).
2) Letra para canção tipicamente alentejana.
X
" MÔÇA"
Será que os que «ôvem» este «disque»
Escutam a minha história
Sobre a moça dos «mê» sonhos?
A minha glória...
Ela era tudo para mim,
A minha vida...
A minha saudade, o meu chegar,
A minha querida...
Ah... «môça»... «môça»... «môça»...
Já pôs o pé na poça...
Tantas vezes pensei eu
«Deixá-la da mão»,
Mas ela ficava
Num «prante» então...
«Ela a modos que» me prometia
O mundo,
E eu parecia «crê-la»
Num segundo,
Mas agora porquê...?
Eu «nã» sei não...
‘Tá «tude» uma grande confusão...
Ah... «môça»... «môça»... «môça»...
Já pôs o pé na poça...
Ela tem um estado
Que te deixa almareado...
‘Tás tu «débe» a ver como é?
Tu dos «carretes» ficas passadinho...
Só a presença dela põe-te em pé,
P'ra passar depois é um «caldinho»...
Ah... «môça»... «môça»... «môça»...
Já pôs o pé na poça...
Agora que ela «dê-me» p’ra trás,
Já nem sei bem do que serei capaz...
Se fosse um pescador
Ia tentar pescá-la,
Mas a certeza «nã» teria
De apanhá-la...
É como no sueste
Ir à conquilha
Ou ir ao gambozino
Com uma pilha...
Ah... «môça»... «môça»... «môça»...
Já pôs o pé na poça...
Ah... moça... moça... moça...
Já pôs o pé na poça...
Gil Saraiva
Nota: 1) Letra para a Banda de garagem “Rock Spot Alive” (anos 80).
2) Algumas das expressões usadas são tipicamente do sotavento algarvio.
IX
“OS FILHOS DA SOLIDÃO”
(balada de um tempo que passa)
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, no Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
Caras rugosas, com idade de avô,
No Jardim, sentadas, na Doca ou no Lago,
Formas sombrias que o tempo parou…
Bocas que apenas provaram o vago…
Rostos que ninguém mais ali focou...
Olhando o vazio...
Silêncios de arrepio...
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, no Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
Caras dos filhos da Solidão,
Avôs e avós,
De tantos como nós,
Rostos reformados,
Sem compreensão...
Sem compreensão
Seja inverno ou Verão…
E vozes, berros e gritos calados
Nos olhos perdidos,
Pelos filhos esquecidos...
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, no Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
Na calçada as migalhas de pão
Para os pombos ter de alimentar...
Mas para os filhos da Solidão
Não vejo por perto
A esperança pairar...
Filhos que agora são avôs, avós,
De gente que hoje já os esqueceram,
Perdendo os olhares, os laços, os nós,
Daqueles para quem eles mais viveram…
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, no Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
E passam os dias,
Os meses, os anos,
E mudam os rostos desta solidão...
Novos enganos,
Outra geração,
Mas a forma de olhar não vai mudar,
Não...
As mesmas rugas parecem ficar
Em outros olhos pregados no chão...
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, no Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
Mas se eu vir os filhos da solidão,
Escuto o cantar da brisa cansada
Cantando a balada do tempo que passa,
Escuto de inverno, primavera, verão…
Escuto o outono no Jardim da Parada,
Escuto a balada perdendo essa raça,
E vejo, no Jardim Manuel Bivar,
A doca de lágrimas sempre a brilhar…
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, no Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Em Faro, no Manuel Bivar,
Desvio o olhar para não ver nada…
Eu fecho os olhos para não olhar...
Desvio o olhar para não ver nada…
Eu fecho os olhos para não olhar...
Gil Saraiva
Nota: Letra para um Trovador Popular.
VIII
"ZÉ NINGUÉM"
Ele é mesmo
Um Zé Ninguém,
Ninguém sabe
De onde vem,
Como pode então
Um dia
Ele ser alguém?
Ele não tem
Opinião,
Nem passado, nem futuro,
Tem na mão
Um presente sem seguro...
Zé Ninguém
És tu e eu,
Outro alguém
Que já viveu...
Zé Ninguém,
Quantos assim o mundo tem?
Zé Ninguém
Não topa nada,
Não entende uma charada,
Mas serás tu mesmo cego
Zé Ninguém?
Zé Ninguém
Existes,
És ninguém,
Persistes,
És espantoso
Zé Ninguém
Nunca desistes...
Ele não tem
Opinião,
Nem passado, nem futuro,
Tem na mão
Um presente sem seguro...
Zé Ninguém
És tu e eu,
Outro alguém
Que já viveu...
Zé Ninguém,
Quantos assim o mundo tem?
Ele é mesmo
Um Zé Ninguém,
Ninguém sabe
De onde vem,
Como pode então
Um dia
Ele ser alguém?
Como pode então
Um dia
Ele ser alguém?
Como pode então
Um dia
Ele ser alguém?
Gil Saraiva
Nota: 1) Letra para a Banda de garagem “Rock Spot Alive” (anos 80).
VII
"QUANDO NASCE O SOL"
(Balada da Esperança)
Quando um barco passa,
Ondas de horizonte...
O mar ameaça,
Polui... mastodonte...
Comboio, fumaça,
Carris sem destino...
Nova ameaça,
Novo desatino...
Quando nasce o Sol
Não queremos engodos...
Quando nasce o Sol
Nasce para todos...
Chamem as crianças
E ensinem p'ra elas:
Tem de haver mudanças,
Montem sentinelas!
(crianças)
Queremos ambiente,
A pura maçã,
Queremos novamente
Uma Terra sã...
Nós somos crianças
Queremos mundo novo...
Tem de haver mudanças
Para o bem do Povo...
Quando nasce o Sol
Não queremos engodos...
Quando nasce o Sol
Nasce para todos...
.
(banda)
Não queremos sulfatos,
Ácidos, fenol,
Fábricas sem tratos,
Guerras de paiol;
Não queremos sujeiras,
Borras de café,
Nem queremos lixeiras,
Nem negra maré...
Quando nasce o Sol
Não queremos engodos...
Quando nasce o Sol
Nasce para todos...
Chamem as crianças
E ensinem pra elas:
Tem de haver mudanças,
Montem sentinelas!
(crianças)
Queremos ambiente,
A pura maçã,
Queremos novamente
Uma Terra sã...
Nós somos crianças
Queremos mundo novo...
Tem de haver mudanças
Para o bem do Povo...
Quando nasce o Sol
Não queremos engodos...
Quando nasce o Sol
Nasce para todos!
Nasce para todos...
Gil Saraiva
Notas: 1) Letra para uma balada de esperança.
2) Letra para a Banda de garagem “Rock Spot Alive” (anos 80).
VI
"NINGUÉM OU NADA"
(Fado do Amor Sentido)
Trago guardado na memória
Uma simples negra caixa,
Um registo, a minha história,
Um passear pela Baixa...
Um sorriso, um olhar,
E coisas que já mudaram,
Um passado por passar,
Também trago as que ficaram...
Mas de tudo o que passou,
Do que eu vi, do que eu vivi,
Ninguém ou nada igualou
O que ‘inda hoj' sinto por ti...
Lembro os amores do passado,
Os amigos, os momentos,
Quem está vivo ou acabado,
As ruas, os monumentos...
Lembro as mudanças já feitas
Nas fachadas, nas cidades,
Lembro ações imperfeitas,
Revoluções, liberdades...
Mas de tudo o que passou,
Do que eu vi, do que eu vivi,
Ninguém ou nada igualou
O que inda hoje sinto por ti...
E se há quem eu nunca esqueça,
Locais agora só meus,
Também há quem não mereça
Sequer o banco dos réus...
Tudo e todos amo enfim,
Pois tudo foi o que sou:
Histórias, um resto de mim,
Que cresceu, que se alterou...
Mas de tudo o que passou,
Do que eu vi, do que eu vivi,
Ninguém ou nada igualou
O que inda hoje sinto por ti...
Ninguém ou nada igualou
O que inda hoje sinto por ti...
Gil Saraiva
Nota: Letra de Fado escrita para o meu amigo fadista Zé de Angola.
V
"UNÁ 'STRÂNHÁ FÓRMÁ DI ÁMAR..."
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
E pra um ele há sempre uma ela,
E esse sorriso é aguarela...
Genial traço
Que ao pintar
Traduz
«Essá 'strânhá fórmá di ámar...»
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
Traduz
«Essá 'strânhá fórmá di ámar...»
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
No esboço pintado na tela,
Na contraluz de uma janela,
Iluminada ao luar...
Iluminada ao luar...
Hum... hum... há
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
Hum... hum... mais
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
Palavras
Que ninguém entende,
Olhares
Quem os compreende?
Carinhos
Só de imaginar...
Só de imaginar...
Hum... hum... há
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
Hum... hum... vai...
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
«Uná 'strânhá fórmá di ámar...»
Gil Saraiva
Notas: 1) Canção ao género de Ramazzotti, uma balada para voz rouca.
2) Letra, com título e refrão, brincando com a pronúncia italiana.
3) Letra para a Banda de garagem “Rock Spot Alive” (anos 80).
IV
"CARA DE PAU"
Um pau
Muito habilidoso
Se levanta com jeitinho,
E ataca poderoso,
Com força...
Devagarinho...
Ajudado pela mão,
Se roçando pela mata,
Sem sentir a confusão
Do atrito que o maltrata...
Um pau
Muito habilidoso
Que sabe ser carinhoso;
Forte e firme,
Quando engata...
E o pequeno buraco
Ao saber
Que se avizinha
A mestria desse taco:
Ou já sabe
Ou adivinha
O que o espera em seguida,
Ao que tem
Que dar guarida...
E, num ato corajoso,
Se entrega
A total repouso...
O momento
É derradeiro:
Vai esse pau,
Finalmente,
Atacar firme, certeiro,
Com precisão evidente...
Que grande cara de pau,
Esse pau que tudo arrisca,
Sem fazer
Cara de mau,
Guloso do que petisca…
E o buraco,
Entre a relva,
Fica à espera,
Sem ruído,
De ouvir, rasgando a selva,
Esse pau evoluído...
Rolando devagar,
Já sem pressas de chegar,
Aí vem
Sem dizer nada,
A bola por ele tacada,
Que por fim
Se faz entrar...
Ah!
Jogada tão perfeita,
Nunca no golfe
Foi feita!
Vamos todos aclamar!
Gil Saraiva