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"OS AZARES DE UM HOMEM DE SORTE"
Sou um homem de sorte!
Perguntam-me porquê?
Coisa mais simples:
Tenho a sorte de ser feliz,
Alegre,
Um otimista, enfim...
Mas e a Vida corre bem?
Ah... a Vida...
Essa ingrata criatura,
Sem forma ou rosto,
Nem sempre corre
Quanto mais bem...
Se é pra subir,
Subir na Vida,
Quase gatinha
A pobre atrapalhada.
Mas a descer é mestre,
Dá cartas,
Tem os recordes todos
E as medalhas...
Parece andar a jato,
É campeã!
Nos momentos sem altos
E sem baixos
Marca passo,
Conta um por um,
Como se cada passo
Fosse ouro
Que há que guardar para sempre,
Qual tesouro!...
É prima dos Azares a minha Vida,
Com eles convive sem pudor,
Dão-se tão bem,
No dia-a-dia,
Que chego a pensar
Se não seria melhor
Que casassem por amor!...
Se casa, carro, mulher,
Perco de uma vez apenas,
Diz-me a Vida que é banal...
Um azar nunca vem só!...
E se um outro azar houver
É normal,
É natural:
Seja a falência da firma,
Seja o que Deus quiser...
Um azar nunca vem só!
Mas sou um homem de sorte!
Estou vivo,
Choro e coro
Com todas as minhas forças...
E nem a madrasta Morte
Me bate à porta, faz tempo...
Para rir
Basta um sorriso
De quem me quer
Como sou...
Ah! Sim...
Eu sou um homem de sorte...
Tudo o resto são más línguas;
Coisas
Que o vento levou...
E se a tal,
A minha Vida,
Comigo quiser viver,
A sorrir
Tem que aprender,
Que eu tenho mais que fazer
Que aturar os primos dela,
Esses Azares
Sem gosto,
Viciados no desgosto...
Sorriam, estou bem disposto,
Pois sou um homem de sorte,
Para quem sempre é Natal
Ou Páscoa ou Carnaval...
Sou um ser dos alegres
Que sorri até para o não!...
Os Azares de um homem de sorte
Valem pouco, nada são!...
Gil Saraiva
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"POSTO DE ESCUTA"
Posto de Escuta, escuta!
Escuta o velhinho de olhos doentes
Que num canto chora os filhos ausentes...
Escuta a senhora
Que casa não tem,
Como demora,
A resposta não vem...
Escuta o homem de voz dormente
Que quer ser ouvido permanentemente,
Alma magoada, trémula assim
De quem se vê só
Tão perto do fim!
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta o pedido de uma cadeira,
De rodas, feita para a liberdade,
Porque faz sentido
Que alguém queira
Ter o direito à mobilidade!
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta o taxista da grande Lisboa,
De histórias mil, Cais Sodré, Madragoa,
Que levou o homem, nu, o coitado,
A quem a amiga deixara pelado...
Oh… Posto de Escuta
Escuta!
Escuta os versos do cantar do Povo
Que em surdina gritam por um mundo novo...
Escuta as quadras de senhoras meigas,
De voz carente,
Gramáticas leigas,
Coração ardente,
Alma empenhada
Em tudo dar em troca de nada...
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta a dor de quem foi tratado
Num hospital como um renegado...
Escuta o cego de recursos parcos
Pra quem a bengala chora na montra...
Escuta o coração
Que perdeu a filha
Cavalgando ao vento a última milha...
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta a guitarra, que toca baixinho,
Acordes que o tempo não pode apagar...
Escuta o fado em voz de carinho
De quem nos recorda saudade e amar...
Escuta um país de alma ferida
De quem quer apenas o que é natural
Ou vozes alegres cantando a vida
E que em português gritam Portugal!
Posto de Escuta, escuta!
Escuta agora, ninguém ignora
Que no dia-a-dia tu és mais valia,
Sem julgar, bater, sem opor,
Almas de éter, quase um vapor...
Posto de Escuta, escuta!
Escuta um Povo que grava no cobre,
Em letras de ouro
A alma mais nobre!
Posto de Escuta, escuta!
Ó como é lindo o teu escutar
Na noite, no éter, sem um olhar,
Vozes de vida, formas de luta...
Escuta os casos da Troika viral,
Que dum memorando fez memorial
Ou vã lembrança de um país
Outrora chamado de Portugal...
Escuta o teu Povo que pede ao Governo
Que mude já ou se vá embora (e sem demora)
Que o desgoverno cria quem chora...
Posto de Escuta
Escuta!
Oh! Por favor não pares de escutar!
Escuta,
Posto de Escuta!...
Gil Saraiva