IV
"TRABALHO: DIREITO, DEVER, FANTASIA"
O trabalho concede o sustento do próprio
E, quantas vezes, de outros.
Trabalhar é um direito,
Será que importam os meios, os fins
E as consequências de quem o exerce sem
Pensar, automaticamente?
O conselho do poder, é trabalhar,
Sem refletir, sem sorrir, sem galhofar,
Porque apenas importa produzir eficazmente,
De forma amorfa e impessoal
A parcela laboral que a cada um foi atribuída.
Trabalhar, dizem os entendidos,
Traz felicidade, constituição familiar, progresso.
Há quem diga, até, que se trabalha só se Deus quiser
E apenas enquanto a sorte nos acompanhar.
Porque há que levar para casa o sustento,
O pão para a mesa, generalizam os teóricos
Deste ato feito norma social instituída.
Um fado, quantas vezes o é, esse o trabalho,
Uma sina, afirmam os míticos,
A quem nunca ninguém põe a questão.
Um padrão que à maioria impõe um chefe,
Um capataz, um mestre ou um patrão.
Porém, se mal pergunto,
Onde está a honra se o trabalho de um
Contamina o rio em que me banho?
Onde está honestidade se o que alguém faz
É desbastar a floresta tropical?
Onde está a dignidade de se plastificar o ambiente?
Onde está a retidão de ser diretamente responsável
Por armas que matam, por alterações climáticas,
Por que governos que só se governam a si mesmos?
Há quem diga que o trabalho
Enobrece o ser, há quem diga…
Gil Saraiva
![Direito à Vida.jpg Direito à Vida.jpg]()
XII
“DIREITO À VIDA”
Dizem que temos nós
Direito à vida.
Dizem
Que vem na lei,
Que tem de ser.
Dizem
Que ninguém pode
Dela ser privado,
Salvo se crime houver
E, sem saída,
Se age
Por mais meios
Não haver…
Uns dizem
Que é direito assegurado,
Que assim
Se constrói democracia…
Outros dizem
Que tirá-la
É pecado,
Sentença capital
Da agonia,
Condenando,
Até ao fogo eterno,
As almas pecadoras,
Ao Inferno.
Mas o que dizer de quem
Aplica um memorando,
Que pelo eleito poder
Se torna lei,
Levando o povo ao suicídio
Ou à pobreza,
Por não ter
Como cumprir
Um tal comando
Imposto por Governo,
Armado em Rei,
Num confisco
Que torna o Povo em presa...?
Dizer que são culpados!
Porque não?
Dizer
E condená-los a prisão!
Homicídio involuntário
De gente sem saída,
Gente
Que se mata,
Só por desespero,
Gente fraca,
Sem sorte,
Empobrecida,
Que não sabe de roubo
Ou contrabando,
Que grita dor
E fome pelo exagero
Do saque
Em favor do memorando….
Dizem
Que temos nós direito à vida.
Dizem
Que vem na lei,
Que tem de ser.
Quem julga os assassinos
De tanta gente?
Quem julga um Estado
Destes tão demente?
Mensagem que me conforte
Só da mão de um cauteleiro,
Que vende fortuna e sorte
A quem a comprar,
Certeiro.
Não culpes o mensageiro,
Que mensagem não escreveu,
Se não gostas,
Vê primeiro
Quem foi…
Quem a remeteu.
Se vier numa garrafa
Uma mensagem assim,
Cheira a mofo e não se safa,
De já não falar de mim,
Nem daqueles que pereceram
Pelo confisco ou pelo suicídio
Em desespero…
Gil Saraiva
Nota: Poemas dos tempos idos da Troika em Portugal.
![Caçadora de Sonhos.jpg Caçadora de Sonhos.jpg]()
"CAÇADORA DE SONHOS"
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Armada de vida,
Carente de presas,
Eu... pela cidade
Procuro a saída
Encontro defesas
Na alma do mundo:
Ninguém se quer dar;
Ninguém sabe amar;
Ninguém quer, no fundo,
Saber encontrar
A paz, no profundo
Calor de um segundo...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Eu vejo no dia,
Na noite bravia,
No caminho, na rua,
Entre gente, mais gente,
Vestindo essa moda
(Qual festa tardia
Ao néon da Lua),
A gente que mente
E em bares se acomoda...
E ali, nessa esquina,
Eu vejo no dia,
Na noite bravia,
Se vendendo toda,
Uma pobre menina
Que diz a quem passa:
"- Mil paus... tô na moda..."
No meio da praça,
Se vendendo toda
Joana sem caça,
Carente de presas,
Faz contas à vida:
"- Nem dá prás despesas...
Que porra de vida!..."
E gente infeliz,
Com hora marcada,
Passa e lhe diz:
"- Dou cem e mais nada..."
Caçadora de sonhos...
E tão sem saudade...
Eu já vejo agora
O riso da erva
Nos pés dessa serva,
Que vende por hora
O corpo... estragado...
De tão ser usado.
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Buscando, perdida,
A velha igualdade
Do mundo, da vida...
Buscando ilusões,
Conceitos, ideias,
Credos e orações,
Entre cefaleias...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
É assim: no leve sorriso
Dessa erva daninha;
No cato que cresce
Formando uma espinha;
Na espinha que pica
Aquela andorinha
(Coitada, infeliz,
Que sangue já chora),
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
E choro de mágoa
O gozo sinistro
De certa gentinha,
Com cara de quisto
Pejado de tinha;
E a cara alegre
De um velho ministro
Que julga esconder
O que já foi visto...
Choro... choro e volto a chorar...
Mas... riem as luzes p’la cidade fora...
Riem de mim na noite vizinha;
Riem... riem como quem ri
De uma adivinha prá qual a solução
Não se avizinha...
Riem... riem enquanto meu ser
De novo chora,
Chora como ontem,
Como hoje e agora:
Chora as meninas
No meio da praça
Se vendendo todas
Ao primeiro que passa...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Como posso caçar
Sonhos no mundo?
Como posso amar
Mais que um segundo?
Não tenho saudades
Da terra maldita,
Onde o direito
Não passa de fita...
Minha alma:
Caçadora de sonhos
É tão sem saudade...
Gil Saraiva