XVI
“PELAS BOCAS DO MUNDO”
Ouvi alguém dizer, faz pouco tempo,
Que o mundo está em vias de extinção.
Que o Homem devia, quanto antes,
Preparar o êxodo, a grande migração,
Por ser preciso tentar, enquanto é tempo,
Salvar a Terra da autodestruição.
Oiço muitos disparates no café,
Nas redes sociais são às mãos cheias,
Teorias imaginadas num simples rodapé,
Sobre mais uma fatal conspiração,
Criada no mundo das ideias.
Coisas vindas de uma ou outra negação,
Disparates, mentiras, cefaleias,
Mas sempre ornadas de aberração.
Há quem queira fugir pela Via Láctea,
Rumar ao infinito e mais além,
Subir pelas encostas do universo,
Tentar, pelas estrelas, a fuga no espaço,
Como se fosse possível cada passo,
Só porque alguém
O pôs em verso,
Numa bíblia escrita por ninguém.
Vivemos desafios a cada dia,
É verdade, não há como negar,
Hoje é o ambiente, a pandemia,
Amanhã será a guerra, o oceano, o mar.
A cada momento um problema,
Uma charada, uma loucura, uma ilusão.
Varia na atualidade o tema,
Isso é claro, na verdade, com certeza,
Sempre nasce um novo lema, por segundo.
Tudo se transforma, é essa a natureza,
Mas não pelas bocas do mundo.
Gil Saraiva
XV
"ESTE FOI PARA TI"
Este foi para ti,
Para mais ninguém!
Desde de que um dia juntámos trapos,
Em que experimentei casar
(E dei-me bem)
Que, como por milagre, fui feliz.
Habitat de mim, tu foste embora,
Vida que no inverno,
A qualquer hora,
Podia florir, dar frutos e sorrir.
De ti vieram filhos, foram dois,
Dos nossos corações brotou a vida,
Dos teus caracóis, adormecida,
Resta agora a saudade
Em sonhos de ilusão.
Deste que foi para ti, para mais ninguém,
Onde as palavras foram todas tuas,
Já nada resta, tudo é distante e mais além.
Foi-se o querer, o crer e o dever,
Partiu o direito, o compromisso,
O gosto e o gozo até,
Porque amar implica devoção,
Empatia solidária e paixão.
Deste que foi para ti
Não resta brilho,
Não nasce o Sol para dar luz à nossa vida,
Agora apartada, dividida,
Por um impossível regressar
Ao somos, ao uno, ao amar.
Este foi para ti,
Para mais ninguém,
Quando dentro de mim eras alguém.
Gil Saraiva
XIV
"FADO DO PESCADOR ALGARVIO"
P’ra ir ao mar com levante
Algarvio, o pescador,
É formiga que elefante
Combate o mar com fulgor.
Combate no mar bravio
Ondas, que a água elevou,
Mais altas do que o navio
Que até ali o levou.
(Refrão)
Homem ao mar, grita alguém,
Depois de vaga tremenda,
Que fora de bordo há quem
Possa morrer na contenda.
Uns dizem ser a bombordo,
Que o homem ao mar caiu,
À popa ou a estibordo,
Mas afinal ninguém viu.
De repente à claraboia,
O capitão vê marujo
Agarrado a uma boia,
Molhado, com medo, sujo.
(Refrão)
Homem ao mar, grita alguém,
Depois de vaga tremenda,
Que fora de bordo há quem
Possa morrer na contenda.
Se não há peixe na rede,
Agora importa bem pouco,
Que ninguém tem fome ou sede,
Que a luta é coisa de louco.
Há que salvar o Facada,
Puxá-lo para o convés,
Antes que onda marada
Possa trazer um revés.
(Refrão)
Homem ao mar, grita alguém,
Depois de vaga tremenda,
Que fora de bordo há quem
Possa morrer na contenda.
Contra Neptuno lutar,
Que o mestre já decidiu,
Tirá-lo daquele mar,
Pois que ninguém desistiu.
O Trunfas atira a corda,
Logo a apanha o Facada,
Puxado é pela borda,
Com a boia à corda atada.
(Refrão)
Homem ao mar, grita alguém,
Depois de vaga tremenda,
Que fora de bordo há quem
Possa morrer na contenda.
Nadar, sueste vencer,
Com a luta terminada,
Voltar atrás, sem perder,
Passar a barra agitada.
Não há ali quem se queixe,
Vazia a rede ficou,
Desta vez não houve peixe,
Outra vida alguém ganhou.
(Refrão)
Homem ao mar, grita alguém,
Depois de vaga tremenda,
Que fora de bordo há quem
Possa morrer na contenda.
Gil Saraiva
XIII
"O SEXO FRACO"
O sexo fraco
Sempre me pareceu mais forte do que eu.
Logo à partida
Tem mais um sentido,
O sexto, que diz ser importante,
E tem o dom de conduzir a vida
Com paciência e calma
Numa luta dura, injusta e tão constante.
A meu lado o sexo fraco
Não demonstra fraqueza em ato algum,
Aguenta comigo em cada ato,
Como se fosse natural e tão comum.
Estranha força o sexo fraco aparenta ter
Ao saber como agir, ser, sobreviver.
Eu e outros como eu, o sexo forte,
Somos fortes em quê?
Ninguém me diz?
Talvez seja no orgulho de saber
Empinar perfeitamente o nariz!
Gil Saraiva
XII
"SER PRIMEIRO"
Ser primeiro
É ter vencido finalmente,
Não importa como ou em quê,
O quarto o quinto, o segundo e o terceiro,
Numa batalha cujo fim é ser primeiro.
Divergem as lutas pelo lugar cimeiro,
Há aquelas em que se morre antes do fim,
Quando alguém um dia vence, é verdadeiro
O sentimento de glória
Ou algo assim.
Ser primeiro-ministro, chulo ou desportista,
Compositor, astronauta ou acordeonista,
O que importa é ganhar, ganhar por fim.
Depois é tempo de morrer ou ir embora,
De perecer feliz e imortal,
Antes que vida venha, lá de fora,
Roubar o que foi nosso,
O que não teve igual.
Poucos no mundo chegam a primeiros,
Poucos sentem o sabor da glória triunfal.
De descer ou decrescer
Não há quem goste,
E há quem troque a vida pelo pedestal.
Já eu, que várias vezes fui primeiro,
Na escola, no quotidiano,
Num simples detalhe,
Nunca isso, para mim, foi derradeiro,
Pouco valorei a luta e o furor,
Afinal, eu prefiro ser primeiro
Em ser feliz e dar e ter amor.
Gil Saraiva
XI
"O PROMETIDO"
O prometido é de vidro
Quer no Portugal dos Pequeninos,
Quer na comunidade das gravatas.
Assim, a fragilidade das promessas
É inversamente proporcional
Antes da maioridade dos humanos,
Na sua evolução para a integração social,
O que se pode considerar algo normal.
Porém, a alergia alastra
Com a proximidade dos poderes,
Sejam pequenos ou grandes,
Ficam frágeis os deveres
No mundo do posso e mando.
Os acordos, os negócios,
A palavra de quem fala,
É de vidro ou porcelana,
Nos corredores do poder.
Quebra com facilidade,
Exige cuidado extremo.
O prometer é membrana
Que perdeu flexibilidade,
Nos caminhos da cidade…
As promessas são mais como
Os animais em vias de extinção,
Que se deixaram, então,
Apanhar pelos cacos históricos
De um jovem gordo chamado progresso,
Que para poder ter sucesso,
Não cuida do prometido,
Mas apenas de si próprio,
Estilhaçando muito vidro…
Gil Saraiva
X
"PARA MAIS NINGUÉM"
Este é para ti,
Para mais ninguém!
Da exclusividade do amor
Nasce e cresce a Flor Oculta,
De sentido único,
No ritual da posse conjunta
E absolutamente partilhada.
Tudo por um bem
Que se expressa em comunhão,
Como nós,
Como se fossemos raízes, caule,
Folhas e flor
Que ninguém vê,
Mas que apenas os dois apreciamos
Com clara nitidez,
Pois ambos vivemos da necessidade
Imperiosa, prioritária e
Magnífica de lhe cheirar a fragrância,
Que tresanda a amor e união.
Viver assim,
Na sombra plácida dessa imensa flor,
É ser feliz,
Seja eu, sejas tu, sejamos nós.
A felicidade é um segredo bem guardado
No íntimo das nossas almas,
Feitas novo ser e existir.
Fora do nosso amor
As gentes nem reparam
Que existimos em conjunto
E que somos um só.
Por isso, mulher em que me completo,
Este é para ti, para mais ninguém!
Gil Saraiva
IX
"EM PLENO"
Não sei, não quero saber
E tenho raiva a quem sabe,
Diz o povo em seu saber
Confiante do que sabe.
Não sei o que vou fazer.
Esta dor em mim não cabe…
Não sei se é preciso sofrer,
Mas sei o que é desespero,
Não sei como vou acabar,
Só sei que não posso amar,
Só não sei como odiar…
Já nem me interessa saber!
Na vida que me rodeia
Diz-se que sobreviver
É melhor do que sorrir,
Mas se a mosca cai na teia
Não terá para onde ir.
A presa de uma alcateia
Não tem motivos para rir.
Afinal, o que me importa
É agir e estar em paz
Com a minha consciência.
Sem sentir, a alma é morta.
Eu tenho de ser capaz
De ser mais do que ciência,
De ter coração e alma,
Seja numa pandemia,
Ou na dor que vira azia,
Eu preciso é de ter calma…
Não sei, não quero saber e tenho raiva a quem sabe!
Mas sinto, quero sentir e ter em mim sentimento,
Pois vivo e quero viver, em pleno, cada momento!
Gil Saraiva
(Pela Conversa dos Homens)
VIII
"OS MANDAMENTOS DA MULHER"
(Pela conversa dos homens)
Sorrir,
Sem ser preciso;
Iludir
Qualquer juízo;
Pedir
Com muita submissão;
Servi-lo,
Porque é preciso;
Sentir
Dor sem ter motivo;
Consentir
Sem aversão;
Despir-se
Para ser servida;
Cumprir
Para toda a vida;
Permitir
Sem dizer não;
Fazer
Tudo sem razão!
Gil Saraiva
(Pela boca das Mulheres)
VII
"MANDAMENTOS DO HOMEM"
(Pela boca das mulheres)
Sustentar
A bem-amada;
Suspeitar
De toda a gente;
Andar
Por tudo ou nada à porrada;
Ostentar
Para ser diferente;
Mandar
Vir sem ter razão;
Ordenar
Sem decisão;
Comandar
Sem ter patente;
Lambuzar-se
Nas mulheres, qual garanhão;
Matar
Por gosto demente;
Fazer
Tudo e querer perdão!
Gil Saraiva