VII
“A DOR QUE DÓI”
A dor que dói assim, confina um lamento,
É quase minha filha e justifica
Meu ego corroer em crescimento.
É dor que dói assim, num movimento,
Que não se afasta nunca, mas que implica
Voar para sempre mais que o próprio vento…
A dor que dói assim, não tem alento…
Vem da raiz de nós e não se aplica
A coisas que não sejam pensamento.
A dor que dói assim num vil tormento
Tem cerne de mágoa que não explica
Porque não seca ela num momento…
A dor que dói assim, sem advento,
Que na saudade é cancro e se complica,
É como água que me mantem sedento,
É dor que dói assim sem ter evento,
Que só a pouco e pouco se fabrica,
Sendo a matéria prima esgotamento…
A dor que dói, enfim, é meu sustento,
A dor que dói ruim não se erradica,
A dor que dói sem fim me sacrifica,
A dor que dói assim é alimento
Da dor que dói em mim, em sofrimento.
Gil Saraiva
FOI HÁ 28 ANOS, UM MÊS E 28 DIAS - A 12 DE NOVEMBRO DE 1991 (mesma data do poema). PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA!
ADEUS HERÓIS DO MAR (clicar para ouvir)
"CARTA DE UM TIMORENSE"
Adeus Heróis do Mar
Das armas e barões já reformados...
Adeus a todos vós que edificaram
Este reino que um dia foi Timor
Adeus ó nobre Povo
De quem um dia herdámos
A força, a valentia, a resistência...
Faz muitos anos que da dor
Fazemos pão...
Desde o dia da vossa despedida
Que caça somos de um vil invasor...
A vós Heróis do Mar
Pedimos hoje
Que com esplendor levanteis de novo
A nossa,
Hoje triste,
Terra de Timor...
Quando em Dili
Fomos massacrados,
Quem nos ouviu pode comprovar
Que em Português, ao morrer,
Dissemos: MÃE
Eu sou o Joaquim, ele o António,
Da Silva, da Fonseca, do Rosário...
Ó Heróis do Mar
Pois foi de vós
Que a palavra saudade
A nós chegou...
E que saudades de vós
Heróis do Mar!...
Gil Saraiva
"SEM RAÍZES"
É mais um ano passo atrás de passo;
Outono, Inverno, Primavera, V’rão...
E transformando amor em profissão,
Caminho por caminhos de cansaço...
Mas como este meu mar se torna baço
Eu penso em entregar meu coração...
E depois, por detrás, mentindo em vão,
Vou manchando de dor o teu regaço;
Vou recebendo, sem te saber dar...
Vou dizendo que sim àquilo que dizes;
Sentindo a solidão a se instalar
No meu corpo, repleto só de crises...
Eu não sou digno mesmo desse amar.
Sim, porque eu escrevo e falo sem raízes!...
Gil Saraiva
“PARA QUE A TROIKA NÃO SE ESQUEÇA”
Dizem
Que temos nós
Direito à vida.
Dizem
Que vem na lei,
Que tem de ser.
Dizem
Que ninguém pode,
Dela, ser privado,
Salvo se crime houver
E, sem saída,
Se age
Por mais meios
Não haver…
Uns dizem
Que é direito assegurado,
Que assim se constrói democracia…
Outros dizem que tirá-la
É pecado,
Sentença capital da agonia,
Condenando,
Até ao fogo eterno,
As almas pecadoras ao Inferno.
Mas o que dizer de quem,
Que aplica um memorando
E navegando à vista, navegando,
Saca de todos nós o que não temos?
Rouba dizendo que devemos
Não se sabe o quê, à Troika prenha,
Que tanto nos odeia e desdenha,
Roubando a quem tem necessidade,
Tirando a quem não tem capacidade.
Impõe-se assim esta ordem estranha,
Injusta, violenta, uma artimanha,
Que nos vai forçando a cumprir,
Sem vontade se ter e sem sorrir,
Tudo o que nos obriga a própria lei,
Imposta porque quem tem força de rei.
Uma lei tão vil,
Tão errada, falsa,
Tão tamanha,
Que o povo ao suicídio
Vai levando ou à pobreza,
Por não haver maneira
Ou poder ter
Como se cumprir um tal comando,
Que da força da lei
Faz fortaleza,
Imposto por um Governo fraco
Que apenas quer encher o saco.
É assim a vida,
O que dizer?
Pergunta o Estado,
Vendo cofres a encher,
Num confisco que cheira realeza,
De quem o povo, aos poucos,
Vira presa…
Dizer que são culpados!
Porque não?
Dizer
E condená-los a Prisão!
Homicídio involuntário
De gente sem saída,
Gente que se mata,
Só por desespero,
Gente fraca, sem sorte,
Sem alma e sem bocado,
A quem o futuro foi roubado.
Gente que não sabe de roubo
Ou contrabando,
Que grita dor e fome em desespero,
Que definha pelo exagero
Do saque em favor do memorando
Assinado, à revelia, por tal bando.
Dizem que temos nós direito à vida.
Dizem que vem na lei, que tem de ser.
Quem julga os assassinos,
Das almas sem saída,
De tanta gente que assim
Ficou perdida?
Quem julga um Estado destes, a preceito?
Um estado assim tão vil, tão mau, demente,
Que abusa do Povo já desfeito,
Como se nada fosse, ou… quiçá…
Nódoa atroz que sai com detergente.
Dizem que temos direito à vida…
Dizem… e quem o diz,
Só mente!
É preciso avivar, de todos, a memória
Dos tempos em que vida foi avessa,
Lembrar os dias sem saída, sem glória,
Para que a Troika não se esqueça!
Gil Saraiva