VI
"O ECO DOS SENTIDOS"
Era uma vez
Um escritor chamado eu,
Que escreve de pequenino
(Mas que vaidade Deus meu)
Dirão, talvez,
Lá do alto,
Os doutos homens das letras,
Com desprezo pela escrita
Do escritor que hoje sou eu,
Que pouco sabe da arte,
Que tenta expor umas tretas.
Mas o escritor feito eu
Não se demove ou acanha,
Escreve o que sente
E não sente,
Só à caneta é fiel.
Que o escritor é… tinta ardente
Numa folha,
No papel,
No pensamento da vida,
Numa quimera esquecida
Chamada civilização…
Não há só filosofia,
Crença ou religião,
Saber de mente vazia,
Ou a douta opinião…
Há também a fantasia
De quem escreve uma aliança,
Uma semente vazia
Ou um mundo em mudança…
Caneta e tinta,
Papel.
Resignado, suicida,
O escritor bem sente o fel
De quem pouco vive a vida…
Escreve uma folha,
Outra folha,
Poeta feito valente,
Do que pensa, consciente,
Com tinta, compreensão.
Escreve o fel, a dor
O mel, o amor,
Escreve chegada ou partida
Na folha ardente da vida…
Resignado, suicida…
Caneta, tinta, papel,
Grava o que sente
Na ferida!
Sente o mundo, a dor, o ar,
Não sente os doutos, vendidos,
Sente o ser, sentir e amar,
Sente o eco dos sentidos…
Gil Saraiva
XIV
"SE UMA NOITE..."
Se uma noite
Eu sentir
O néctar dos deuses
Em minha boca
Foi porque te beijei, talvez em sonhos...
Se uma noite
Eu me transformar
Num ser alado,
Qual Pégaso nos céus,
Voando rumo à felicidade
Foi porque o teu olhar,
Distante e distraído,
Em mim poisou
Por um momento...
Se uma noite
Eu chegar a casa dançando
Ao som imaginário
Do Hino da Alegria,
Foi porque me sorriste,
Talvez mesmo sem saberes
Que, ao fazê-lo,
Enchias de satisfação este meu estro.
Se uma noite,
Perdida num inverno triste,
Esquecida num outono
Atapetado de folhas perdidas nas calçadas,
Suada da terra quente
De um verão sem praia ou maresia,
Aromatizada pelo vibrar
Erótico de uma primavera,
Perguntares a alguém quem sou,
De onde venho ou para onde vou,
Foi porque reparaste em mim, com outro olhar…
Se uma noite
Eu for senhor do Universo,
Rei entre quem sente o cosmos
Se impregnar na pele,
Foi porque o meu grito por ti,
Em desespero,
Teve eco nos sentidos
Do teu ser e,
Finalmente,
Meu nome surgiu em tua boca!
Gil Saraiva
XIII
"NÁUFRAGO"
Náufrago do olhar
Me perco entre palavras
E expressões...
De que serve escrever
Se já não vejo?
Para quê procurar
Ainda mais longe
Se bem perto está
Quem me cegou...?
Entre bites e bytes
Descobri o ritmo absoluto
Do bater de minha alma e,
Nos mesmos impulsos,
Me foi roubada
A cadência melancólica do amar...
Cego,
Náufrago de um olhar
Que me esqueceu,
Como encontrar de novo a luz?
Como ancorar seguro e firme
Se o farol perdeu o brilho
Na noite do sentir...?
Como...?
Náufrago da internet,
Procuro,
Agarrado ao tronco da esperança,
A salvação da tua terra,
Do teu ventre,
Desse teu olhar...
Sem ele
A existência será vã
E o tronco da esperança
Acabarei por abandonar...
Olha para mim amor,
Olha para mim,
Mesmo antes de eu te conhecer,
Olha para mim...
Gil Saraiva
XII
"NA DOR..."
Na dor
Nunca se encontra
O som de uma cascata,
Nunca se vê a cor do pôr-do-sol,
Nunca se sente a maresia do mar
Invadindo-nos o cérebro
Em ondas de frescura...
Na dor
O pano de fundo é negro
Como a noite em tempo de Lua Nova,
E as imagens são tremidas
Como foto tirada pelas mãos
De uma criança...
Na dor
A luz pouco mais é
Que raios cortando a escuridão
Por centésimos de segundo,
Flashes vãos,
Que não nos mostram a verdade
Iluminada à luz do dia...
Na dor
A cegueira esconde a cura,
A paz e a tranquilidade de tempos já vividos,
Apresentando o presente
Como uma tragédia idêntica
No futuro.
Na dor,
A neblina esconde o Sol,
A luz esmorece na bruma
Tornando a vida um beco perdido
Numa escuridão de trevas e incertezas…
Escuta tu,
A quem a dor bateu,
Dissimuladamente, à porta:
O presente não tem futuro,
É e existe apenas como presente,
Um presente que, em breve,
Nada mais será do que passado…
Porque nessa tua dor,
Na dor que doi e bem se sente,
Apenas algo não para de brilhar
Por entre a neblina,
A bruma, o nevoeiro
E o pano negro,
Tem o brilho do Universo
E a dimensão do Cosmos,
E é conhecido apenas pelo nome
Simples de Amor!
Sim, sim!
Tão simplesmente,
Aí, mesmo no meio,
No meio da dor,
É possível descobrir o verbo amar!
Afinal,
A dor não dura eternamente…
Ou nos leva daqui, e nem avisa,
Ou deixa de existir, porque acabou,
Ou se apaga porque se esgotou…
Na dor,
A salvação depende de conseguir sentir
Que até na dor se vive, ri e brilha
Se lá bem no fundo
Houver amor!
Gil Saraiva
XI
"OBSTÁCULOS..."
No fumo de um cigarro
A forma breve
Do sorrir antes juvenil
Da minha filha,
Traduz de uma só vez
Minha saudade...
E um grito louco
Me sai da garganta
Sedenta de palavras de carinho!
Na falta do meu filho
Aumenta a dor...
Sempre que o frio me aperta
Aperta a alma...
Sinto o frio da saudade
E já carente
Penso não mais poder continuar...
Será destino meu
A solidão?...
Será castigo?
Já não posso mais!
Quero ganhar à vida
Para sempre...
Poder viver feliz
Assim que queira
Ou acabar num esgoto
De ribeira!...
Problemas da minha alma
E do viver,
Das voltas que a vida me deu
Sem eu o querer…
Obstáculos de mim e do que sou…
Gil Saraiva
X
"MEDITANDO"
Brada o pincel, contra
A tela, irado
Pelo fervor frenético
Que a mão
(Veículo último
Da inspiração de um homem),
Lhe imprime
De forma apocalíptica...
Banhado de cor
Grita as imagens
Da mente,
Que gere seu movimento,
Na tela
Antes crua de sentir...
Escorrega
Entre materiais anacrónicos
Que, pelo génio conjugados,
São vassalos da dor,
Da euforia,
São sinónimos da mão
De um criador...
Grita,
Brada,
Mas não chora,
Medita apenas...
Medita nos estros,
No âmago e no ser,
Procura a essência
“Cromográfica” das formas.
Dos conteúdos,
Dos Sentidos…
Procura, como quem,
Meditando no estado da alma, da vida,
Da chegada e partida
De sentimentos e emoções,
Espera encontrar a pura
Adrenalina do ego e dos corações,
Por entre arritmias saudáveis,
Entre o querer e o crer,
O ter e o desejar,
O Amor e o amar…
Meditando,
Enquanto o pincel brada,
Mas não chora,
Enquanto o pulso mostra o relógio,
Que vai marcando a hora.
Por onde andas meu amor?
Questiono eu, sem ti, ali, ainda
Meditando…
Gil Saraiva
IX
"ESPELHO, ALHEIO"
Foi hoje?
Ontem?
Amanhã?...
Foi ou será?
Possivelmente,
Foi um dia!...
No tempo perdido...
Foi...
Quando eu procurava saber
Para que vivia...?
Por querer descobrir
Quem sou...?!
E para onde segue
O meu caminho...!?
Foi por mim, por nós, por ti,
Que a vida ofereci
À sorte ou ao destino...?
Foi por querer ou
Por querer amar
E ser amado
Que eu tentei uma vez mais...?
Foi hoje,
Ontem,
Amanhã...?
Foi antes de o ser,
De nascer
Ou renascer...?
Foi absolutamente
Por saber
Que tu existes!
Por sentir
Que te amo mesmo se partiste!
Por tanto te querer
Mesmo se a mim resistes,
Porque imaginas que um dia
Possam ficar tristes
Os teus olhos que hoje
Brilham por amor...
Foi certamente
Um novo pensamento,
Tão novo
Que a alma
Mal o descobriu,
Que o estro
Apenas o sentiu,
Que a vida
Não soube que o pariu,
Que o coração
Por pouco não partiu,
Que o espelho, alheio,
Não o refletiu!
Gil Saraiva
VIII
"ENTRE IGUAIS"
Nada do que eu sou,
Ou fui,
Ou era,
Será o que serei
Daqui para a frente.
Não sei como não vi?...
É evidente!!!
Tudo o que eu fizer
Será diferente!...
Como aquilo que eu fiz
Não teve igual.
Simples,
Não sei como não vi,
É natural.
Apenas sou
Um ser diferente,
Diferente entre iguais...
Cheio de ideais...
Assim sou eu
E toda a gente...
A toda a hora um ser
Sempre diferente,
Especial,
Que pensa,
Em cada instante,
Ser diferente,
Mas que a todo o tempo
É igual!...
Gil Saraiva
VII
"NÉCTAR"
O Néctar dos Deuses,
Um tal de hidromel,
Pode ser divino,
Digno de tão elevados seres,
Mas não tem o sabor
Do nosso amor...
Não sabe a vida e a eternidade,
Não tem a plenitude
Num mero segundo,
Não nos faz sentir que existimos
Porque precisamos de viver
Para poder tocar o infinito
No espaço estrito
De um simples olhar...
O Néctar dos Deuses
Pode ser divino,
Pode ser perfeito,
Pode ser puro,
Pode ser cristalino,
Pode ser indescritível,
Mas não é absoluto
Como nós...
Somos um ser total
Em construção,
Estamos para além
Dos sentidos
E dos sentimentos,
Somos o futuro,
A esperança e a alegria
Das nossas próprias almas...
O Néctar dos Deuses
Pode ser divino,
Mas não tem a graça
Do teu sorriso,
O perfume do teu ser,
A alma desse corpo
Onde me perco de mim,
Para despertar num tal de nós...
Se és a flor oculta
Deste meu existir,
Até aqui perdido,
Eu mais nada quero ser
Do que a terra
Onde cada uma das tuas raízes
E todas elas
Se alimentam até à eternidade...
Até à eternidade
Numa sede sem fim
E que por convenção
Chamamos de amor!...
Eu te amo!
O Néctar dos Deuses
Afinal não é importante...
Gil Saraiva
VI
"COMPLETO..."
A saudade
De quem aprende
Por quem ensina
Apenas é possível
Se aquele que ensina
O tiver feito na perfeição,
Aos olhos,
De quem é ensinado;
Mesmo que a verdade
Seja outra!...
A saudade
De quem se ama
Por quem ama
Apenas existe
Se o sentimento for perfeito,
Cristalino, vivo
E vindo bem do fundo da alma
E dos sentidos;
Mesmo que o sentir
Seja nublado!...
A saudade
Não mata...
Alimenta a eterna chama
De um futuro...
Mesmo que o futuro
Não exista!...
A saudade
Nada mais é que a consciência
Que num dado momento
Estamos incompletos...
E eu...
Eu estou tão longe de,
Por fim,
Me completar de vez...
Mesmo que me julgue
Completo!...
Gil Saraiva