Livro de Poesia - Tetrásticos de Supercílio Trépido: Longa Balada da Fuzeta Encantada - VII
Longa Balada da Fuzeta Encantada – 3 Panorâmicas - Gil Saraiva (Fotos de autor, direitos reservados)
VII
"LONGA BALADA DA FUZETA ENCANTADA"
Bem junto à formosa ria,
Ria Formosa chamada,
Existe terra algarvia,
Por descobrir, encantada.
Pois nessa formosa ria,
De uma beleza vaidosa,
Fuzeta é a harmonia
Que a ria mantem formosa.
Na terra do salva-vidas,
Que a paisagem oferece,
Se curam chagas, feridas,
Quando a aurora amanhece.
Ó branca Fuzeta, amor,
Por quem se perdeu o mar,
Do teu canal, num torpor,
Partem barcos, vão pescar.
A ilha não tem farol.
Peixe, conquilhas, marisco,
Na viola ou no anzol,
Na pesca não falta o isco.
Pescador bebe e lá vai,
Na faina, mais um copinho,
Se escorrega também cai,
Não faz mal, não cai sozinho.
Não há disco, há luar
E há hotéis feitos de teia,
Para a aranha passear
Nas dunas, bancos de areia.
Fuzeta, levas, molhados
Os teus olhos por alguém,
Saudades, tempos guardados,
Dos tempos da minha mãe.
Estaria bem velhinha,
A morar na mesma rua,
Se fosse viva ainda tinha
Mar e céu, estrelas e Lua.
Minha mãe durante a vida,
Fez desta Fuzeta um marco,
Nas saudades da partida,
Partiu num último barco.
Outras mães também partiram
Depois dos filhos, que cega
Saber que lá sucumbiram…
Bacalhau, na Noruega.
Com a barra aqui, ao pé,
Quase nasci na Fuzeta,
Sou um filho da maré,
Eu venho da foz do Eta.
E a branca noiva do mar,
Foi minha mãe, minha amada,
Meu pai estava a navegar,
Fora à pesca da pescada.
Com o Sueste voltou.
Ah! Apanhou peixe em barda,
Ganhou aquele que esperou,
Não chega cedo quem tarda.
Passou a manhã na lota
A vender a pescaria,
Chegou a casa de mota,
Com a barriga vazia.
Os momentos de aflição,
Feitos de velas, promessa,
Em tempos que já lá vão,
Não se esquecem tão depressa.
Fuzeta, que traz desejo.
Que faz o sonho nascer,
Que o transforma num só beijo,
Para em teus lábios viver.
É branca noiva do mar,
Terra do Sol e da cor,
Criada para encantar
Pelos sentidos: amor.
Estrela do Sul escondida,
Férias, rastos de um cometa,
Poucos dias, uma vida
Em braços de água, Fuzeta.
Num bote vem namorar,
Quero ir contigo à conquilha,
Em ti quero navegar
Na barra, ao fundo da ilha.
Na minha terra, Fuzeta,
Passam férias os famosos,
Mas não passa de uma treta,
Passam por nós orgulhosos.
Passam fome os pescadores,
Gente do mar com cem anos
De lançar redes às dores,
Às mágoas e aos desenganos.
Quem aqui me ouvir cantar,
Que guarde no coração,
O que tenho para lhe dar
E nunca o esqueça, não.
Há sonhos de pés na areia,
Risos cintilando de água
À luz da Lua ou candeia
Reflexos: prata sem mágoa.
À noite, ao fogo, na ilha,
Junto à fogueira cantando,
Em teus olhos algo brilha:
Feitiços de vinho brando.
Feitiços que a velha quilha,
Na areia, ardendo, liberta,
Gritos de amor, de virilha,
Do fogo que em nós desperta.
E mais tarde ao regressar,
Seja ao largo ou ao campismo,
Ou outro qualquer lugar,
Somos epicentro e sismo.
Somos a vida a vibrar,
Da Fuzeta outro poema,
A espuma de onda a pairar
Entre a praia e o cinema.
Lindas moças bronzeadas,
De finas vestes trajando,
No Abalo ou nas calçadas
A noite vão cortejando.
Mas nada quebra o encanto,
Que a Fuzeta nos deixou,
Que a maresia é o manto,
Que o nosso amor abrigou.
Pois nessa formosa ria,
De uma beleza vaidosa,
Fuzeta é a harmonia
Que ria mantem formosa.
Gil Saraiva