Livro de Poesia - O Donaire do Proterótipo Ordinário: O Postal do Entardecer Algarvio - VI
(Fotografia sem filtros ou efeitos de: Borda d'Água, Ria Formosa, Fuzeta, Algarve)
VI
"O POSTAL DO ENTARDECER ALGARVIO"
O Algarve, quando o Sol se põe,
À beira Atlântico ou junto à Ria,
Que se diz Formosa,
É terra de paraíso na paisagem,
De postal ilustrado, que turista
Manda para casa tentando fazer prova
De que se encontra, embevecido,
Rendido ao entardecer algarvio no paraíso.
O postal não mostra as mãos calejadas
E curtidas pela faina dura
Que, no pescador, medraram
Fruto dessa labuta quotidiana dos seus dias.
O postal esconde a desertificação
Que vem de África,
Do Deserto do Sáara,
E se instala, impiedosa,
Por toda a região,
Ameaçando roubar terreno à laranjeira,
À amendoeira, ao limoeiro, à nespereira,
À figueira, à videira e à romãzeira,
Bem como à pobre e triste alfarrobeira,
É verdade!
O postal não revela o pó
Que se instala vingativo
Na garganta de montanheiros, camponeses
E agricultores.
O postal oculta a extinção
Do lince ibérico e do camaleão,
Nem diz que o país tem quinhentas espécies,
Na fauna e na flora, ameaçadas de extinção
Pelas alterações humanas e climáticas,
Que minam igualmente os parcos e pobres
Recursos hídricos deste reino
Do Sul, do sal e do Sol
Que há cento e onze anos integrou Portugal.
O postal encobre os terrenos ardidos,
A cada ano que passa,
Que sugam à região a sua inata formosura,
A sustentação do povo,
Fazendo perigar a sobrevivência
Da própria beleza natural.
O postal ilustrado do entardecer algarvio
(Que não tem algodão,
Como um certo anúncio televisivo de outros tempos),
Engana quem o vê,
Trazendo o entardecer as trevas a esta alma dolorida.
Gil Saraiva