(entre cá e lá...)
XLIII
"ALQUIMIA"
Subitamente, vinda não sei de onde
A donzela surgiu no entardecer,
Num pôr-do-sol, na hora do esconder,
Por entre o arvoredo e entre a fronde,
Que, essas sombras, espalha, em abonde
Nesse crepúsculo altivo a nascer…
Está à janela olhando o escurecer,
E talvez a pensar nesse seu Conde,
A quem nunca se deu, porque não deu,
Por quem tanto suspira e suspirou…
Escuta na rua o puto que tombou
(A bicicleta não lhe obedeceu),
E dá-se o despertar dessa magia,
Sonhos de borboleta… uma alquimia…
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XLII
"LUARES"
Foi-se na escura noite a Lua ausente
E oculta se tornou a Lua Nova,
Mas não tardou que, sendo posta à prova,
Nascesse, enfim... um já Quarto Crescente...
E veio a Lua Cheia, envolvente,
Mostrar em toda a luz que, numa trova,
Pode fazer brilhar canal ou cova,
Por mais funda, sinistra ou deprimente
Que, à partida, essa mesma se adiante...
Mas porque o auge vai, tal como veio,
Já mirrando, chorou Quarto Minguante
Pois que a Lua é como um materno seio,
Pelos séculos, berço de milhares
Que, à força de viver, sonham luares...
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XLI
"PAISAGEM…"
Mais uma vez o olhar bebeu paisagem,
Esse meu pobre olhar, desgovernado,
Viu searas de trigo tão doirado
Que luz davam aos verdes, qual miragem,
De que dois olhos de água eram imagem…
Mais uma vez fiquei, ali, parado…
E, a custo, de meus dedos fiz arado
E com eles lavrei uma massagem
Por vales e encostas, com ternura,
Em momentos roubados ao prazer,
Por deles, por direito, não os ter,
Sorrindo no secreto da loucura…
E a paisagem surgiu alva e perfeita
Nos cumes onde o vento se deleita…
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XL
"TUDO E NADA"
Amor, num golpe, é espada e cativeiro;
Amor é chave, é vinha e é guarida;
Amor é já, também, a nova vida;
Amor é universo e é celeiro;
Amor é flor exposta num canteiro:
Orquídea, rosa, cravo ou margarida?
Não importa saber qual a mais q'rida,
Se em lapela ao amor tomam o cheiro...
Amor é coração, amor é dor,
É ter; é ser; é estar; é acordar;
Amor é o primeiro beijo dar;
Amor é quando ao vê-la tem calor
Perdida face agora enamorada...
Amor é sempre tudo; é sempre nada!...
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XXXIX
"INTERNET"
Uma outra noite vou ter sem dormir,
Volto a ligar o meu computador,
Na Internet apago a minha dor,
Entre palavras escritas a sorrir...
Falo, escrevendo aqui o meu sentir,
Com quem me queira ler, mas sem favor...
Poeta do silêncio, um sonhador,
Meus sonhos conto a quem me quer ouvir...
Falamos... no silêncio do escrever...
As palavras são vozes nessa tela,
Pois abrindo e fechando uma janela
Todos, ou qualquer um, nos podem ler...
Na noite o meu destino não tem meta,
Realidade... é sonho de poeta...
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XXXVIII
"O CONTRATO"
Encontrei, por acaso, na gaveta,
O teu contrato de arrendamento.
Três décadas aqui, um advento…
Mereces celebrar pela faceta!
Vamos dar festa e tocar trombeta,
Içar bandeiras, pô-las já ao vento,
Juntar amigos no apartamento
Para brindar a toques de sineta…
Vamos amor, vamos alegremente,
Fazer do dia um caso de euforias
E apenas recordar as alegrias
Vividas cá por ti, com tanta gente,
Pois quero ver também ser celebrados
Nossos anos de vida… enamorados!
Gil Saraiva
(entre cá e la...)
XXXVII
"ROSA DO RIO II"
Um dia, numa noite, em erma via,
Uma flor, desfilando, em movimento,
Navegava, espalhando sentimento,
Na beira-rio, junto à margem, descia
.
De novo aquela rosa, em harmonia,
Repetia essa rota, com alento,
Sem precisar de brisa, nem de vento,
Parecia nadar na invernia,
Como se, em vez de flor, fosse mais gente,
Ela sorria, como se nadando,
Estivesse, pelas águas, navegando,
.
Aproveitando a força da corrente…
A mesma rosa, a mesma garra e vida,
Buscando, por amor, ficar perdida...
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XXXVI
"TÍMIDA VILA"
Esta tímida vila, em vale profundo,
Rota devia ser, Lua-de-mel,
De noivos que a narrassem no papel
Gravando a eternidade num segundo...
.
Escondida na serra, lá no fundo,
É corpo de mulher, quase infiel,
Nessa sensualidade que um pincel
Pintaria fazendo inveja ao mundo...
.
Essa tímida vila de Manteigas,
Tem paisagens de neve e de ternura,
Qual rosto de mulher, em forma pura,
.
Quais seios que hirtos são encostas meigas...
Essa tímida vila, em vale profundo
É ventre de mulher no fim do mundo!...
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XXXV
"LISBOA"
Nesta cidade gente se amontoa...
Entre autocarros... carros... me baralho...
Eterna confusão... progresso falho...
Feito para gastar cada pessoa...
E num ritmo feroz... onde ressoa
Aquilo a que ainda chamam de trabalho:
Descanso à sombra fresca de um carvalho
Num dos muitos jardins que tem Lisboa!
Não quero essa vivência envenenada,
Que esta cidade vibra, goza a vida,
Na floresta de asfalto arquitetada,
Lisboa, para tudo, tem saída.
Com o Tejo a compor a aguarela
Cortejo a capital porque ela é bela!...
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XXXIV
"ALÉM DA MORTE"
Eu amo-te, Ah!... Como eu te amo vida,
Luz, alma gémea, em mim redescoberta.
Tu és o rosto azul, na sala aberta,
Ao Sol que da janela, de fugida,
Te torna mundo, terra agradecida,
Por seres nascente, fonte, na deserta
Planície de mim, por ti desperta,
Qual primavera solta, ao ar florida!...
Eu te amo, meu amor, flor encantada,
Perfume que o meu ser à força quer,
Deusa que Deus, um dia, fez mulher,
Para tornar minha alma apaixonada!
Tu és a minha estrela, a minha sorte,
E neste verso, minha… além da Morte!
Gil Saraiva