XII
"O CICLO”
Na neblina do amanhecer,
Na estranha bruma que antecede a aurora,
O Homem nasce
E quando esfrega os olhos,
Vendo, por fim, a luz,
Já dez anos para trás foram ficando…
Por entre o nevoeiro ou a névoa cerrada
Vai raiando o Sol nascente
E a penumbra se esvai
Chegando o brilho…
É quando o Homem, entretanto, já sorrindo,
Celebra as suas vinte e cinco primaveras…
Sobe no horizonte o Sol,
Pela manhã,
Ascende rápido, veloz,
Pleno de cor
E, lá no alto,
Não parece ver a brisa breve
Sobre quarenta velas de um aniversário
Que se apagam pelo sopro,
Que acompanha a brisa,
Emanado pelo Homem que sorrindo as soprou…
Já desce o Sol agora,
A pouco e pouco,
Vem calmo, sereno,
Lá de cima,
Numa ascendência solidária
Com o Homem que há cinquenta anos alvorou…
E vai perdendo a cor,
O brilho, a forma,
Nessa descida tão inevitável,
Que vai mudando o ar,
Buscando a sombra
E o descanso pelos tempos idos,
Pelos momentos, até então, passados,
Que setenta e cinco anos já lá vão
Para quem, um dia, lá para trás,
Saiu do primeiro amanhecer…
O crepúsculo regressa,
Anunciando a noite,
A manta negra,
Para lá do pôr-do-sol
E o Homem
Que nasceu na madrugada,
Na terra,
Se reduz, por fim, a pó
E a vento,
Quase um século depois da alvorada
De onde saiu da bruma,
Que cem anos é tempo muito
Para quem nasceu na madrugada,
E sem um como ou um porquê
Se fez à vida.
Porém, se o pôr-do-sol precede sempre a noite,
Também o crepúsculo anuncia a madrugada,
E nesse anunciar a novidade,
A maravilha extrema,
É que um outro Homem
Da neblina,
Verá um novo amanhecer…
E o ciclo recomeça,
Uma vez mais,
Aqui, ali, além,
Em todo o mundo…
O crepúsculo
Pode trazer a noite por arrasto,
Mas é ele que sempre
Anuncia a madrugada!
No ciclo eterno
Na história do Homem
O verbo nascer declina em morte,
Mas a morte apenas fecha aquela porta,
Porque a vida tem muitas para abrir,
O ciclo repete-se, não se cansa,
Não sente ansiedade, saudades,
Nem sequer recordações.
Afinal, no fim de tudo,
Sempre o crepúsculo anuncia a madrugada…
Gil Saraiva
XI
"A PRAIA"
Chegam-me imagens
De gente destapada,
Ardem-me as costas,
Ao Sol do verão, desnudas.
Morre-me a sede
Na cerveja gelada,
Sorri-me a areia
De cristais ferventes,
Bate-me a onda, bem ritmada,
Nas pernas molhadas,
Frescas, dormentes.
Golfinhos nadam na maré vasa,
Brincando e saltando de alegria.
Partem no barco de regresso a casa
Turistas, sorrindo na travessia
Da Ria, a que todos chamam Formosa,
Que nada quer com a pandemia.
Corre este ano de 2020,
A doença não chegou aqui,
A esta Fuzeta de sorrisos quentes,
Neste setembro que parece agosto.
Não fossem as máscaras,
Nos escondendo o rosto,
Diria que nada se passa de mal,
Que tudo é paz, tudo é normal.
Um banho, mais tépido que fresco,
Refresca-me o corpo, a alma e o ser,
Um pão mata-me a fome,
De estar, de amar e de viver.
Agradece o corpo, não pelo que come,
Mas por ali não se adoecer.
Olho em redor e sinto a praia,
A ria, a brisa, a onda do mar,
E dou comigo bem satisfeito,
Traçando pegadas, a assobiar…
Em toalhas, estendidas no areal,
Corpos de gente tisnam ao Sol,
Sobre o manto de areia creme,
Na brisa amena, quase tropical,
Junto ao mar, infindo lençol,
Um azul imenso, que vírus não teme…
Ondas modestas e salpicadas,
Na beira-mar batizam crianças,
Que fazem muralhas enfeitiçadas,
Alheias de um ano cheio de mudanças.
Brincam traquinas, parecem felizes,
Queimados pela luz, numa pele que geme,
De ultravioletas que geram matizes,
Que mente gaiata nem nota, nem teme.
A manhã passou, ninguém deu por ela,
Chegou a tarde à praia encantada,
Chegou também quente, quase afogueada,
Trazendo mais luz, que sem janela,
Aperta o calor, sem dizer nada.
A tarde fugiu, ninguém reparou,
As sombras nos colmos mudaram de novo,
Finalmente alguém um relógio olhou
E a praia começou a ficar deserta,
Porque o último barco tem hora certa.
A praia da ilha da bela Fuzeta,
Ficou sozinha, com seus passadiços,
E os raios do Sol, agora mortiços,
Parecem asas de borboleta
Mostrando às gentes o regresso à vila.
Voltam as máscaras de novo ao rosto,
Junto à partida forma-se a fila,
Olhos perdidos prometem agora
Voltar à praia vazia, que chora…
Já desembarcado, na vila, por fim,
Procuro um lugar, no farol, que é esplanada,
E que nos convida a um copo, a festim,
De um dia pleno, sem pensar nada,
Que apenas a praia ocupa a memória
De um dia sem vírus, um dia para a história.
O que fazer para não ver o pôr-do-sol?
Para não sentir no rosto a brisa?
Para não comer o caracol,
Que com a cerveja se harmoniza?
Chego a pensar em ti, no teu olhar,
Na vontade que tenho de te amar,
Chegado da praia, em fim verão,
Sonho saudoso o toque ardente,
Esse sentir arrepiante e quente,
Que vem sereno dessa tua mão.
Chegam-me imagens
De gente destapada,
Ardem-me as costas,
Ao Sol do verão, desnudas.
Gil Saraiva
X
"A ORAÇÃO DO DRUIDA"
Ó Elementais Deuses do Mundo Conciliar
A vós peço refúgio e amparo
Contra a peste do coronavírus,
Esse bicho que não é planta ou mineral,
Procariota ou animal!
À Deusa Terra, heroica Epona,
a quem no Mediterrâneo
Chamam Gaia, que me dá raízes,
À Deusa Água, Sulis ou Sul, que me mata a sede
E me cura dos males incuráveis,
Ao Deus Fogo, do Sol, grande Belenus,
Que me dá coragem e alumia o meu caminho,
À Deusa do Ar, a Deusa mãe, Dea Matrona,
Deusa a quem também chamamos Vento,
Que me permita respirar e sentir paz,
A todos vós, eu peço o Sortilégio Último
Que me proteja de vírus e doenças,
De maus olhados, da vil inveja,
Dos ruins, dos impuros e das crenças
De quem o mal me quer,
Por pouco que seja.
Aos elementais deuses peço agora
Bem-estar, alegria e fortuna,
Que o vermelho fogo seja o sangue
Que em mim mora,
E me faça forte e não exangue,
Que a roxa luz da neblina púrpura,
Venha já, de imediato e sem demora,
Enxotar dores e sofrimento do meu eu,
E que o duro caminho que é o meu
Seja firme, abençoado e protegido,
Pela flor chamada Cravo, resguardado,
Sem mágoas de dor ou de ofendido.
Que os Deuses escutem o Druida,
E tragam prosperidade
E excitação pelo futuro,
Que acesa a citronela abata o muro
Afastando qualquer negatividade.
Que a papoila me faça feliz,
Bem-humorado e satisfeito,
Senhor de mim, da bruma,
Um ser mais perfeito.
Por este Sortilégio se deseja
Que tudo seja suave como espuma,
Que tudo para sempre
Assim seja!
Gil Saraiva
IX
"SINTO"
Sinto,
O ribeiro nascendo na rocha,
Molhando a pedra, alimentando o musgo,
Cumprindo o ditado de que: “água mole
Em pedra dura…”
Sinto
E, no entanto, não faz parte de mim,
É apenas fruto da minha realidade,
Não o que sou
Ou o que tenho.
Sinto
O calor do teu corpo em pleno verão
A refrescar-me a alma.
É confortante…
Sim, sim, tão apelativo
Como quem nada à beira-mar,
Cansado pelo esforço,
Pelo desgaste,
Suando, pelos poros, energias,
Mas sentindo, contudo,
A frescura da onda à beira-corpo.
Sinto
O teu corpo suado,
Mas não vejo o suor e nem o cheiro,
Apenas sinto os riachos
Do teu sangue
Que fervilham de paixão
No amor que o teu corpo me oferece
Qual ilha que, no mar, é salvação,
Deste náufrago feito eu,
Onde busco refúgio seja inverno
Ou verão…
Sinto
A alegria de te saber ilha tropical,
Abrigo, resguardo e proteção
Deste meu ego náufrago,
Um servo,
Chamado Sexta-Feira.
Ah! Como é bom ser “Crusoé”
E poder habitar-te, assim,
Sozinho.
Sinto
O ribeiro nascendo da rocha,
Escapando ao infinito
Por uma fina fenda tão fecunda,
És tu quem vens de lá,
Para me matar a sede…
Sinto
Que sim!
Gil Saraiva
VIII
"PENSAMENTO"
O Homem nunca há de vencer
As rochas do tempo,
As florestas do Universo,
As marés vivas da Lua.
Poderá, talvez, desvendar no futuro
O dia das suas trevas,
A primeira noite de Sol,
O antibiótico para a fome,
A vacina de todas as pandemias,
Menos a do medo
E a da Morte.
O valor que tem o bem,
A força da solidariedade,
A vitalidade da arte,
A beleza da natureza
E a garra da sabedoria,
São frutos do pensamento
De uma coletividade
Que dá pelo nome de humanidade.
O Homem jamais conseguirá criar,
Por mais que o ajude o génio
E a inteligência,
Qual é a fórmula do amor
E como transformá-lo em equação.
O Homem sonha, inventa, prospera
E progride pelo pensamento,
O mesmo que lhe dá consciência,
Guerra ou paz e, às vezes,
Felicidade.
O que seria do ser
Sem essa qualidade única
A que chamamos pensamento?
Gil Saraiva
VII
"UM PÁSSARO SOU”
(Balada para um cantor só)
Sou!
Um pássaro sou
Ou ser voador,
Que quer voar e que voou
Seguindo a linha do Equador,
Buscando no mundo
A terra perdida
Onde o amor é moeda corrente,
Onde o segundo,
Tem sabor a vida
E onde o calor humano
É tão diferente.
Porque eu sou,
Um pássaro sou
Ou ser voador,
Que quer voar e que voou
Seguindo a linha do Equador!
Vou
Lá viver, eu vou
Para onde há calor,
Para poder,
Livre viver,
Seguindo a meiga via do amor.
Quero que exista,
Justiça mais justa,
Uma conquista
Que o meu ser busca,
Porque a saída tem fraternidade
Se cada um suportar o que custa
Poder por fim gritar liberdade!
Porque eu sou,
Um pássaro sou
Ou ser voador,
Que quer voar e que voou
Seguindo a linha do Equador!
Porque eu vou
Lá viver, eu vou
Para onde há calor,
Para poder,
Livre viver,
Seguindo a meiga via do amor!
Gil Saraiva
VI
"O ECO DOS SENTIDOS"
Era uma vez
Um escritor chamado eu,
Que escreve de pequenino
(Mas que vaidade Deus meu)
Dirão, talvez,
Lá do alto,
Os doutos homens das letras,
Com desprezo pela escrita
Do escritor que hoje sou eu,
Que pouco sabe da arte,
Que tenta expor umas tretas.
Mas o escritor feito eu
Não se demove ou acanha,
Escreve o que sente
E não sente,
Só à caneta é fiel.
Que o escritor é… tinta ardente
Numa folha,
No papel,
No pensamento da vida,
Numa quimera esquecida
Chamada civilização…
Não há só filosofia,
Crença ou religião,
Saber de mente vazia,
Ou a douta opinião…
Há também a fantasia
De quem escreve uma aliança,
Uma semente vazia
Ou um mundo em mudança…
Caneta e tinta,
Papel.
Resignado, suicida,
O escritor bem sente o fel
De quem pouco vive a vida…
Escreve uma folha,
Outra folha,
Poeta feito valente,
Do que pensa, consciente,
Com tinta, compreensão.
Escreve o fel, a dor
O mel, o amor,
Escreve chegada ou partida
Na folha ardente da vida…
Resignado, suicida…
Caneta, tinta, papel,
Grava o que sente
Na ferida!
Sente o mundo, a dor, o ar,
Não sente os doutos, vendidos,
Sente o ser, sentir e amar,
Sente o eco dos sentidos…
Gil Saraiva
V
"SORRINDO"
Senhor da bruma,
Sou como peça gasta e sem valor
Num imenso jogo universal.
Nada mais sou!
Apenas isso que escrevo e nada mais.
A vida é como um jogo,
Num gigantesco tabuleiro de xadrez.
O existir é complicado,
Problemático,
Uma imensa arquitetura
De jogadas
Cujos resultados
Demoram a ser vistos...
No final,
Ganhará quem melhor souber
Mexer as peças,
Quem soube prever e antever,
Quem teve visão!
Ou sorte, porque não,
Isso acontece…
Ninguém quer apenas sobreviver,
Sem qualidade de vida,
Em solidão,
Excluído do convívio
Dos outros seres humanos.
Todos procuram manter
A saúde, algum conforto
E o amor dos que lhes são mais próximos.
Para se vencer esta guerra
Contra o óbito,
Não é a vida eterna
Que ambiciona
Mas sim, enquanto se existir,
Manter na vida
A qualidade do ser e estar
Até um dia,
Finalmente,
Chegar a hora da partida.
O prémio,
Esse,
É morrer sorrindo!
Gil Saraiva
IV
"POR MAIS..."
Por mais
Que o encanto
Pareça estar quebrado...
Por mais
Que o sonho
Tenha dado lugar ao Sol
Depois de um raiar irritante
E nublado da aurora...
Por mais
Que o quotidiano
Me tente chamar à razão,
Qual despertador enervante,
Repetitivo,
Monótono
E incansável...
Por mais
Que a flor
Se encontre oculta...
Por mais
Que tudo...
Nada vai parar
Quem sonha
Com o que sabe querer,
Por mais
Que o sonho
Demore a chegar...
Todos procuramos,
Por entre afinidades,
Alcançar um objetivo
Que nos parece diferente,
Moldado à medida
Para cada um de nós.
Sonhar
Torna-nos gente,
Dá-nos essência e significado,
Alimenta a esperança
Que se faz luz a cada passo,
Mesmo no meio de uma pandemia
Ou cataclismo.
Queremos sobreviver
Porque acreditamos que a vida
Tem de fazer sentido
Mesmo que nem sempre isso aconteça.
Por vezes, tantas, o desanimo
Gera uma depressão
E tudo parece perdido
E sem significado.
Mas, paradoxalmente,
Quem acorda
Volta ao sonho uma vez mais,
Porque afinal quer perdurar
A qualquer custo
Por mais que naquele dia
Tudo nos pareça perdido,
Sem saída,
Destroçado…
Por mais que o sonho
Demore
A ser sonhado.
Gil Saraiva
III
"DEPENDE"
Quase uma réstia de mim
Ou pura essência,
Senhor da Bruma sou
E só em mim existo.
Procuro em vós
A paz,
A coerência,
O sorriso da alma
Que não vejo
No meu quotidiano
Ora rochoso...
Senhor da Bruma aqui,
Uma vez mais,
Suplicando o fim
Das ilusões
E das mentiras
Em qualquer que seja
A vossa frase,
Que o Reino da Bruma
É já bastante...
Quero a verdade pura
Em cada letra,
Com a força
E o fogo
De um cometa!
Quero,
Queria...
Mas só de vós depende...
Gil Saraiva