XLIII
"MEU NOME"
A minha alma, de mim, se foi embora...
O meu vazio ser ficou p'ra aqui...
Meu nome eu já nem sei... dele me esqueci...
Mas que me importa, a mim, sabê-lo agora...
Se, neste mundo, pela vida fora,
Nunca em nenhuma boca eu o ouvi...
Meu nome à sede morre e já bebi...
Seca de dor... minguando a cada hora...
Meu nome... é um sussurro de floresta...
Como vento, p'la mais pequena fresta,
É um resto de mim serpenteando!...
Bate-me agora à porta a velha Morte...
E choro, até feliz, a minha sorte
Pois sinto-a, p'lo meu nome, me chamando!
Gil Saraiva
XLII
“ÚLTIMO BEIJO”
Semanas há que guardo afoito o leito
Onde caíste assustadoramente
Enfraquecida, pálida, doente,
Quase uma réstia, assim, de um ser perfeito,
Com quem, há muitos anos, eu me deito
Numa fusão de corpos tão ardente,
Que, meu amor, não tem equivalente!
Teu coração, p’ra lá do doce peito,
Envia-me sorrisos abafados…
Por entre a tosse, a febre e muita dor,
Nesses teus olhos, eu só vejo amor…
Quero poisar nos lábios teus, cansados,
Esses anos de amor e de desejo,
Quero morrer contigo, nesse beijo!
Gil Saraiva
XLI
"LONGA É A NOITE..."
Longa é a noite... tão completa e bela
A manta negra de silêncio feita,
Onde, de branco, a Lua vai, singela,
Dançando um surdo cintilar... perfeita...
Longa é a noite... e aqui, à luz da vela,
Entre estas sombras, só... insatisfeita,
A dor suprema chega p'la janela
E no meu coração... então se deita!
Longa é a noite... agora em meu viver...
E eu não sentir amor é ser desgraça;
É ser noite que o dia nunca abraça
Ou vida já esquecida de viver!
Sou laje... cova... túmulo desfeito...
Longa é a noite... agora... no meu peito!
Gil Saraiva
XL
"ESPELHO MEU"
Diz-me cá... espelho meu... a mim, agora,
Se esta dor existiu em mais alguém?
Diz-me já... espelho meu... diz-me também
Se alguém no universo, a esta hora,
Como eu, mirra de mágoa enquanto chora?
Diz-me lá... espelho meu... se haverá quem
Venha a reter em vida o que retém
A minha alma, onde a Morte vive e mora?
Diz-me, vá, diz-me espelho... que me engano;
Que a minha dor é simples fantasia...
Mas porque não respondes? Que agonia...
Ah! Diz-me se há sofrer mais desumano!?
"- Meu amo; a sua dor é tal desgraça
Que para a descrever a fala é escassa..."
Gil Saraiva
XXXIX
"SENHOR DA BRUMA"
O chegar do crepúsculo anuncia
Que a noite já vem perto... está chegando...
Vem p'ra ficar, assim, perpetuando
As leis do espaço entre a noite e o dia...
A bruma desce o morro onde dormia,
E agora, que a luz vai silenciando,
Vampiros e morcegos, todo o bando,
Despertam os sussurros da magia...
Cerrado o nevoeiro lembra espuma,
Dilui as formas, esbatendo a cor;
Pálida, a Lua, perde forma alguma,
Mas forças tem pra me chamar: "- Senhor,
Chegou tétrica a noite em negra pluma,
Desperte uma vez mais Senhor da Bruma!"
Gil Saraiva
XXXVIII
"O SER SEM AMANHÃ"
Durante todo o dia o cão uivou...
Uivou... gemeu... ganiu... chorou em vão...
Lobo feroz domado... um velho cão,
Longe da selva que antes dominou...
Durante toda a noite não parou
O queixume infeliz... e a Lua... então
Tirou das negras trevas a ilusão...
Mas... a dor do animal ninguém escutou?!
Surda de pena está a Humanidade!
Só eu ouvi latir o velho lobo...
Senti a dor do bicho e, em todo o globo,
Só eu, que sou ninguém, que sou saudade,
Vi nele, na voz perdida a alma vã,
Meu retrato de ser sem amanhã...
Gil Saraiva
XXXVII
"NESTA CAVE"
Nesta cave, onde moro, é alugado,
A mim, um amarelo quarto frio,
Onde por vezes durmo... choro... rio...
Onde outras estou perdido... abandonado...
E neste quarto vivo, lado a lado,
Com as aranhas rindo no bafio...
Casais de larvas de arrastar vazio...
E coisas a que um nome não foi dado...
O nojo tem um reino à minha beira...
O terror dorme aqui, na minha cama...
A noite é todo o dia companheira...
E a Morte me namora, ou talvez, ama...
E o seu amor medonho, em mim, se estampa
Ao descobrir que moro em minha campa!
Gil Saraiva
XXXVI
"NA NOITE…"
Na bruma eu vivo, até na escuridão,
Desperto no crepúsculo solar,
Vou vivendo na noite e ao despertar
Outros sombrios seres comigo estão,
Solidários na minha solidão,
Companheiros, na parca luz lunar
Onde os gatos são pardos e onde o ar
Se enche de asas negras, multidão
De caçadores do breu, mais do que eu
Que agora nada tenho p'ra caçar.
Na noite eu vivo os sonhos por sonhar,
Migro para lugares de um mito meu
Feito dos pensamentos que perdi
Lá… onde de viver eu me esqueci…
Gil Saraiva
XXXV
"ESCURIDÃO"
Nesta cama, num livro, à cabeceira
Um voador inseto está sozinho,
A mosca cheira a bolo, a merda, a vinho,
Mas a pobre não sabe àquil' que cheira...
E no silêncio desta companheira,
A noite vai passando de mansinho...
E o seu corpo por mim, devagarinho,
Vai-me envolvendo em sua ratoeira...
Já não durmo esta noite, ó noite calma!
Me invadindo a tristeza ganha alma
E me envolvendo faz, de mim, seu berço.
E já não sou o ser que eu conhecia:
Na escuridão me sinto em pleno verso,
Que o verso, em escuridão, traduz meu dia!
Gil Saraiva
XXXIV
"ALEGRE VIDA"
Foder, com violências de amargura,
A racha inerte da mulher, na cama,
Na rotina de merda de quem ama
Cotidianamente, em noite escura...
Cobrir, só por cobrir, a vaca impura,
"- Nem um orgasmo tem a puta infama!"
Pensa o marido farto e já reclama:
"- Dá-me, ao menos, gozo, pois ternura
Nunca me deste, a mim, em toda a vida!"
Reflete, agora, ela tristemente:
"- Mas que mais quer de mim o vil cabrão?...
Só pensa em despejar... e eu fodida,
De perna aberta sofro a cada instante..."
Como é alegre a vida em comunhão!
Gil Saraiva