XIV
"FADO DO PESCADOR ALGARVIO"
P’ra ir ao mar com levante
Algarvio, o pescador,
É formiga que elefante
Combate o mar com fulgor.
Combate no mar bravio
Ondas, que a água elevou,
Mais altas do que o navio
Que até ali o levou.
(Refrão)
Homem ao mar, grita alguém,
Depois de vaga tremenda,
Que fora de bordo há quem
Possa morrer na contenda.
Uns dizem ser a bombordo,
Que o homem ao mar caiu,
À popa ou a estibordo,
Mas afinal ninguém viu.
De repente à claraboia,
O capitão vê marujo
Agarrado a uma boia,
Molhado, com medo, sujo.
(Refrão)
Homem ao mar, grita alguém,
Depois de vaga tremenda,
Que fora de bordo há quem
Possa morrer na contenda.
Se não há peixe na rede,
Agora importa bem pouco,
Que ninguém tem fome ou sede,
Que a luta é coisa de louco.
Há que salvar o Facada,
Puxá-lo para o convés,
Antes que onda marada
Possa trazer um revés.
(Refrão)
Homem ao mar, grita alguém,
Depois de vaga tremenda,
Que fora de bordo há quem
Possa morrer na contenda.
Contra Neptuno lutar,
Que o mestre já decidiu,
Tirá-lo daquele mar,
Pois que ninguém desistiu.
O Trunfas atira a corda,
Logo a apanha o Facada,
Puxado é pela borda,
Com a boia à corda atada.
(Refrão)
Homem ao mar, grita alguém,
Depois de vaga tremenda,
Que fora de bordo há quem
Possa morrer na contenda.
Nadar, sueste vencer,
Com a luta terminada,
Voltar atrás, sem perder,
Passar a barra agitada.
Não há ali quem se queixe,
Vazia a rede ficou,
Desta vez não houve peixe,
Outra vida alguém ganhou.
(Refrão)
Homem ao mar, grita alguém,
Depois de vaga tremenda,
Que fora de bordo há quem
Possa morrer na contenda.
Gil Saraiva
VI
"NINGUÉM OU NADA"
(Fado do Amor Sentido)
Trago guardado na memória
Uma simples negra caixa,
Um registo, a minha história,
Um passear pela Baixa...
Um sorriso, um olhar,
E coisas que já mudaram,
Um passado por passar,
Também trago as que ficaram...
Mas de tudo o que passou,
Do que eu vi, do que eu vivi,
Ninguém ou nada igualou
O que ‘inda hoj' sinto por ti...
Lembro os amores do passado,
Os amigos, os momentos,
Quem está vivo ou acabado,
As ruas, os monumentos...
Lembro as mudanças já feitas
Nas fachadas, nas cidades,
Lembro ações imperfeitas,
Revoluções, liberdades...
Mas de tudo o que passou,
Do que eu vi, do que eu vivi,
Ninguém ou nada igualou
O que inda hoje sinto por ti...
E se há quem eu nunca esqueça,
Locais agora só meus,
Também há quem não mereça
Sequer o banco dos réus...
Tudo e todos amo enfim,
Pois tudo foi o que sou:
Histórias, um resto de mim,
Que cresceu, que se alterou...
Mas de tudo o que passou,
Do que eu vi, do que eu vivi,
Ninguém ou nada igualou
O que inda hoje sinto por ti...
Ninguém ou nada igualou
O que inda hoje sinto por ti...
Gil Saraiva
Nota: Letra de Fado escrita para o meu amigo fadista Zé de Angola.
X
"FADO DA MOODY'S"
Portugal estava no lixo,
Foi a «Moody's» que o pôs lá,
Qual maçã podre, com bicho,
É pra deitar fora já!
É pra deitar fora já,
Depois de séculos de História,
Nem importa quem cá está,
Pois tramar o «tuga» é glória.
Isto está mesmo a pedir,
Ai, Uma arma de dois canos
Cerrados que é p’ra partir
A cara aos «amaricanos».
Mas quem eles acham que somos?
Portugal deu a palavra,
Temos honra no que fomos,
Não somos da sua lavra...
Abutre é aquele que explora
O mais pobre ou o mais fraco,
Cheira o sangue e não demora
A deixar tudo num caco!
Isto está mesmo a pedir,
Ai! Uma arma de dois canos
Cerrados que é p’ra partir
A cara aos «amaricanos».
A Europa que se una,
À nossa volta na luta,
Que forme connosco a tuna,
Gritando: «filhos da dita!»
Gritando: «Filhos da dita»,
Novos mundos, deu ao mundo
Este povo que acredita
Conseguir sair do fundo...
Isto está mesmo a pedir,
Ai! Uma arma de dois canos
Cerrados que é p’ra partir
A cara aos "amaricanos".
Dois terços do mar na Europa
É do nosso Portugal,
Não sujeitamos a OPA
O nosso país natal!
Se houve um entendimento,
Com a Troika do dinheiro,
Não nos «lixem» no momento
Deixem-nos provar primeiro!
Isto está mesmo a pedir,
Ai! Uma arma de dois canos
Cerrados que é p’ra partir
A cara aos «amaricanos».
Gil Saraiva
Nota: Letra de Fado escrita para o meu amigo fadista Zé de Angola.
XVII
III
"FADO PORTUGAL EM TRÊS CANTOS"
Canto Por Fim
“Do Afinal ao Querer”
Se política, ai, for Fado
Neste país afinal
Desde logo é explicado
Porque tudo vai tão mal.
Temos do défice a dor
Por nunca mais estar pago
Somos o financiador,
Espremem-nos bago a bago!
O Fado é choro de um Povo,
Canta da Alma seu mal,
Seja velho, seja novo,
O Fado é Portugal!!!
Ladrão é quem tira o pão
A quem só migalhas tem
E diz ter toda a razão
Do alto do seu desdém…
Que o Fado de Portugal
É ver como esta gente
Nos of'rece no Natal
Um orçamento demente.
O Fado é choro de um Povo,
Canta da Alma seu mal,
Seja velho, seja novo,
O Fado é Portugal!!!
Um Fado destes só dura
Ai, enquanto o Povo deixa…
Perguntem à Ditadura
Se deste Povo fez gueixa…
Se crise é parte do Fado,
Da forma, como vivemos,
Ai, também temos traçado
Um dia ser como q'remos!
O Fado é choro de um Povo,
Canta da Alma seu mal,
Seja velho, seja novo,
O Fado é Portugal!!!
Gil Saraiva
Nota: Trilogia de Fados criada para o meu amigo fadista “Zé de Angola”
XVII
II
"FADO PORTUGAL EM TRÊS CANTOS"
Canto Depois
“Da Alma ao Mundo”
Fado é saudade e amor,
Tragédia, desgraça, sina,
Destino, Ciúme, Dor,
Noite, cidade, varina…
O Fado é vagabundo,
É a voz que grita ao vento,
De que existe neste mundo,
A dor de um só momento…
O Fado é choro de um Povo,
Canta da Alma seu mal,
Seja velho, seja novo,
O Fado é Portugal!!!
A nossa bandeira é Fado,
Republicano atrevido,
Dos que lutam lado a lado
P'lo Povo que lhes é q'rido.
O Fado é vermelho sangue,
Verde esperança maior,
Mas nunca bandeira exangue
Porque amarelo é suor.
O Fado é choro de um Povo,
Canta da Alma seu mal,
Seja velho, seja novo,
O Fado é Portugal!!!
Da Humanidade ele é
Património Imat'rial,
Disse a UNESCO que até
É do mundo um Bem Oral.
Disso nada sabe o Zé
Povinho, apenas contar,
O que a cada pontapé
A vida o leva a cantar.
O Fado é choro de um Povo,
Canta da Alma seu mal,
Seja velho, seja novo,
O Fado é Portugal!
Gil Saraiva
Nota: Trilogia de Fados criada para o meu amigo fadista “Zé de Angola”
XVII
I
"FADO PORTUGAL EM TRÊS CANTOS"
Canto Primeiro
“De Amália a Camané”
Se Amália ao Fado deu
A pose, a figura, a voz,
Ao partir permaneceu
Inspiração para nós.
Do Fado foi diva enorme
E o Fado retribuiu,
Pois que o Fado nunca dorme,
O Fado não se extinguiu…
O Fado é choro de um Povo,
Canta da Alma seu mal,
Seja velho, seja novo,
O Fado é Portugal!!!
Carlos do Carmo, Mariza,
Mais Mísia ou Marceneiro,
Qualquer Fado nos avisa
Que vida é água em ribeiro…
Diamante ou madressilva,
Com dor, saudade, censura,
Sátira de Hermínia Silva,
O Fado é dor na Loucura.
O Fado é choro de um Povo,
Canta da Alma seu mal,
Seja velho, seja novo,
O Fado é Portugal!!!
Dulce Pontes, Ana Moura,
E até Fernando Farinha,
Servem de pá e vassoura
De um sofrer que se adivinha…
Carminho e Camané
Cantam amor, sofrimento,
Cantam como o Povo é,
Cantam todo o seu lamento.
O Fado é choro de um Povo,
Canta da Alma seu mal,
Seja velho, seja novo,
O Fado é Portugal!
Gil Saraiva
Nota: Trilogia de Fados criada para o meu amigo fadista “Zé de Angola”
(entre cá e lá...)
XXX
"FADO"
Nesta cidade velha de estudantes,
Ouvindo hoje à noite a serenata
Na sé velha, velhinha, aristocrata,
Tudo parece, em redor, como dantes:
Mundo novo de livros e amantes,
Mas antigo no negro da gravata
E nas guitarras, p’la noite abstrata,
Tocando negros fados suplicantes...
E do negro das capas, das batinas,
Despertam encantados sentimentos
Nos corações perdidos das meninas.
Não tenho eu nessas capas meus talentos,
Mas declamo mais alto, apaixonado,
Meus versos para ti: supremo Fado...
Gil Saraiva