XII
“DUNAS”
Será preciso o toque para se amar alguém?
Não posso responder assim, de ânimo leve,
Por tudo o que sente a humanidade.
Todavia, para mim, que nunca te toquei,
Tu és a minha pérola oriental,
Para mim, que nunca te cheirei ou sequer senti,
Tu és real como o sangue vermelho e fluído
Que me corre de mansinho nas veias.
Como a água que mata a minha sede
Tu és a fonte que sacia o meu desejo.
E a tudo isto eu gostaria de chamar amor,
Porque nada mais há de tão belo,
Tão perfeito, tão divino e tão terreno
Do que o sentir que vem de dentro.
Ao pensar nos teus seios de mulher
A imagem que se forma é de beleza eterna,
De perfeição, de arrepio que ilumina o estro
E que a História soube eternizar.
Embora poucas palavras pareçam existir
Para se descreverem as sensações plenas
Que podem uns seios despertar.
Seios, são como dunas desenhadas pelo vento
Onde dedos suaves nelas deslizam
Ajustando a forma, a consistência ou rigidez.
Esqueçam os exageros absurdos da pornografia
E lembrem os clássicos que, cada um a seu jeito,
Na mestria da sua arte nos apresentam essas dunas,
Sejam eles os escultores, os pintores, os fotógrafos
E os poetas, que as eternizaram num épico
Erotismo pleno de emoção, quase loucura.
Pensem no respirar das dunas à beira-mar,
Húmidas de oceano, com movimentos suaves,
Que em plano horizontal apontam ao infinito.
Será preciso o toque para se amar alguém?
Gil Saraiva
Longa Balada da Fuzeta Encantada – 3 Panorâmicas - Gil Saraiva (Fotos de autor, direitos reservados)
VII
"LONGA BALADA DA FUZETA ENCANTADA"
Bem junto à formosa ria,
Ria Formosa chamada,
Existe terra algarvia,
Por descobrir, encantada.
Pois nessa formosa ria,
De uma beleza vaidosa,
Fuzeta é a harmonia
Que a ria mantem formosa.
Na terra do salva-vidas,
Que a paisagem oferece,
Se curam chagas, feridas,
Quando a aurora amanhece.
Ó branca Fuzeta, amor,
Por quem se perdeu o mar,
Do teu canal, num torpor,
Partem barcos, vão pescar.
A ilha não tem farol.
Peixe, conquilhas, marisco,
Na viola ou no anzol,
Na pesca não falta o isco.
Pescador bebe e lá vai,
Na faina, mais um copinho,
Se escorrega também cai,
Não faz mal, não cai sozinho.
Não há disco, há luar
E há hotéis feitos de teia,
Para a aranha passear
Nas dunas, bancos de areia.
Fuzeta, levas, molhados
Os teus olhos por alguém,
Saudades, tempos guardados,
Dos tempos da minha mãe.
Estaria bem velhinha,
A morar na mesma rua,
Se fosse viva ainda tinha
Mar e céu, estrelas e Lua.
Minha mãe durante a vida,
Fez desta Fuzeta um marco,
Nas saudades da partida,
Partiu num último barco.
Outras mães também partiram
Depois dos filhos, que cega
Saber que lá sucumbiram…
Bacalhau, na Noruega.
Com a barra aqui, ao pé,
Quase nasci na Fuzeta,
Sou um filho da maré,
Eu venho da foz do Eta.
E a branca noiva do mar,
Foi minha mãe, minha amada,
Meu pai estava a navegar,
Fora à pesca da pescada.
Com o Sueste voltou.
Ah! Apanhou peixe em barda,
Ganhou aquele que esperou,
Não chega cedo quem tarda.
Passou a manhã na lota
A vender a pescaria,
Chegou a casa de mota,
Com a barriga vazia.
Os momentos de aflição,
Feitos de velas, promessa,
Em tempos que já lá vão,
Não se esquecem tão depressa.
Fuzeta, que traz desejo.
Que faz o sonho nascer,
Que o transforma num só beijo,
Para em teus lábios viver.
É branca noiva do mar,
Terra do Sol e da cor,
Criada para encantar
Pelos sentidos: amor.
Estrela do Sul escondida,
Férias, rastos de um cometa,
Poucos dias, uma vida
Em braços de água, Fuzeta.
Num bote vem namorar,
Quero ir contigo à conquilha,
Em ti quero navegar
Na barra, ao fundo da ilha.
Na minha terra, Fuzeta,
Passam férias os famosos,
Mas não passa de uma treta,
Passam por nós orgulhosos.
Passam fome os pescadores,
Gente do mar com cem anos
De lançar redes às dores,
Às mágoas e aos desenganos.
Quem aqui me ouvir cantar,
Que guarde no coração,
O que tenho para lhe dar
E nunca o esqueça, não.
Há sonhos de pés na areia,
Risos cintilando de água
À luz da Lua ou candeia
Reflexos: prata sem mágoa.
À noite, ao fogo, na ilha,
Junto à fogueira cantando,
Em teus olhos algo brilha:
Feitiços de vinho brando.
Feitiços que a velha quilha,
Na areia, ardendo, liberta,
Gritos de amor, de virilha,
Do fogo que em nós desperta.
E mais tarde ao regressar,
Seja ao largo ou ao campismo,
Ou outro qualquer lugar,
Somos epicentro e sismo.
Somos a vida a vibrar,
Da Fuzeta outro poema,
A espuma de onda a pairar
Entre a praia e o cinema.
Lindas moças bronzeadas,
De finas vestes trajando,
No Abalo ou nas calçadas
A noite vão cortejando.
Mas nada quebra o encanto,
Que a Fuzeta nos deixou,
Que a maresia é o manto,
Que o nosso amor abrigou.
Pois nessa formosa ria,
De uma beleza vaidosa,
Fuzeta é a harmonia
Que ria mantem formosa.
Gil Saraiva
(Fotografia sem filtros ou efeitos de: Borda d'Água, Ria Formosa, Fuzeta, Algarve)
VI
"O POSTAL DO ENTARDECER ALGARVIO"
O Algarve, quando o Sol se põe,
À beira Atlântico ou junto à Ria,
Que se diz Formosa,
É terra de paraíso na paisagem,
De postal ilustrado, que turista
Manda para casa tentando fazer prova
De que se encontra, embevecido,
Rendido ao entardecer algarvio no paraíso.
O postal não mostra as mãos calejadas
E curtidas pela faina dura
Que, no pescador, medraram
Fruto dessa labuta quotidiana dos seus dias.
O postal esconde a desertificação
Que vem de África,
Do Deserto do Sáara,
E se instala, impiedosa,
Por toda a região,
Ameaçando roubar terreno à laranjeira,
À amendoeira, ao limoeiro, à nespereira,
À figueira, à videira e à romãzeira,
Bem como à pobre e triste alfarrobeira,
É verdade!
O postal não revela o pó
Que se instala vingativo
Na garganta de montanheiros, camponeses
E agricultores.
O postal oculta a extinção
Do lince ibérico e do camaleão,
Nem diz que o país tem quinhentas espécies,
Na fauna e na flora, ameaçadas de extinção
Pelas alterações humanas e climáticas,
Que minam igualmente os parcos e pobres
Recursos hídricos deste reino
Do Sul, do sal e do Sol
Que há cento e onze anos integrou Portugal.
O postal encobre os terrenos ardidos,
A cada ano que passa,
Que sugam à região a sua inata formosura,
A sustentação do povo,
Fazendo perigar a sobrevivência
Da própria beleza natural.
O postal ilustrado do entardecer algarvio
(Que não tem algodão,
Como um certo anúncio televisivo de outros tempos),
Engana quem o vê,
Trazendo o entardecer as trevas a esta alma dolorida.
Gil Saraiva
XI
"FUZETA DA MALTA..."
Sou um homem solitário...
Foi um Verão quente: Fuzeta!!!
Sou daqui originário, um Romeu sem Julieta...
Ali, Ali Bábá, tu és a Gruta, a minha grande Gruta,
E eu sou o ladrão dos teus tesouros durante o Verão...
E já...entrei em ti, ó mágica miragem...
Já...só eu em ti, em cada margem,
Margem...margem... já...foi ali...
No café bem junto ao cais,
Quem desconhece o Farol...?
A não ser talvez meus pais,
Que só saem quando há Sol...
No Farol te conheci,
Na ilha em ti me banhei,
A conquilha eu comi,
Salgado o molho provei...
E já...entrei em ti, ó mágica miragem...
Já...só eu em ti, em cada margem,
Margem...margem... já...foi ali...
Foi no Abalo que eu me ofereci,
A ti, a ti... atirei o pau ao gato,
Mas o gato não morreu...
Dona Chica assustou-se,
«Cu» berro «cu» gato deu...
Hei! Chica... «deixó» gato em paz...
Ora... ora... Chica vem ao rapaz ....
E já...entrei em ti, ó mágica miragem...
Já...só eu em ti, em cada margem,
Margem...margem... já...foi ali...
Gil Saraiva
Notas: 1) Foram usados versos adaptados de várias cantigas populares.
2) Letra para a Banda de garagem “Rock Spot Alive” (anos 80).
XIV
"FUZETA: BRANCA NOIVA DO MAR"
Voam aves marinhas nesta praia
E as ondas se espreguiçam na areia;
Num cato brilha uma sedosa teia;
Passa uma jovem, rindo, em minissaia,
No cais um pescador mostra uma raia
Perto de uma criança que esperneia
Quebrando ali a calma, na aldeia,
Sem que mais nada, assim, se sobressaia…
No ar cheira ao marisco das tasquinhas,
De outras vem outro odor: sardinha assada,
E dos beirais espreitam andorinhas…
Branca noiva do mar, terra encantada,
A ti os pescadores, na despedida,
Pedem pescado, rezam pela vida...
Gil Saraiva