IX
"ESSE HOMEM"
Uma figura humana, árida, ardente,
Quase um rasgo de vida, frio, gelado,
Um suspiro de pó ao vento, alado,
Saído de uma urna ainda quente...
Um homem que não sente quando sente,
Nesse olhar duro, quase que apagado,
Um rosto sem expressão, inanimado
O retrato de uma alma tão ausente;
Pois que a eternidade ali ocorre
E em holocausto o ser no ocaso cai,
Hipocrisia assim que dele se esvai,
Tão longe de onde nasce, vive e morre.
Desconhece ele o amor, a alegria,
Deste meu ser por ele, uma heresia…
Ariana Telles
XIV
"BALADA DO HOMEM”
(Que queria ser parte de outro alguém)
Fosse eu um às, cavaleiro, armado de capa e nada...
Negro corcel, derradeiro, cavalgando a madrugada...
Fosse eu um nobre de outrora p'ra quem a honra era espada...
Brilhante, afiada, espora acelerando a montada...
Poderia, finalmente, te olhar de cabeça erguida,
Com o orgulho de gente, que a batalha tem vencida,
Rendendo-me humildemente ao nosso amor e à vida!
Ai! Fosse eu um dos Infantes, ínclito filho de um rei...
Monarca, como era dantes, p'ra quem palavra era lei...
Ai! Fosse eu mago e magia, feito, bruxedo ou proeza...
Dono e senhor da alquimia, mestre da mãe natureza...
Poderia, finalmente, te olhar de cabeça erguida,
Com o orgulho de gente, que a batalha tem vencida,
Rendendo-me humildemente ao nosso amor e à vida!
Fosse eu qualquer coisa assim, com importância acrescida,
Poderia, então, por fim, encontrar uma saída...
Fosse eu, logo, o primeiro, a pedir-te a mão, querida.
Só o inalar teu cheiro dar-me-ia nova vida...
Poderia, finalmente, te olhar de cabeça erguida,
Com o orgulho de gente, que a batalha tem vencida,
Rendendo-me humildemente ao nosso amor e à vida!
Gil Saraiva
"VEM"
Vem...
Extraterrestre que o céu
Ao Homem te entregou
Porque as fábulas não servem pra sonhar!
Vem...
Fantasma que a casa
Ao anoitecer expulsou
Porque as fábulas não são para assustar!
Vem...
Sereia que o mar
Um dia rejeitou
Porque as fábulas não sabem nadar!
Vem...
Lobisomem que a Lua
Uma noite abandonou
Porque as fábulas não vivem ao luar!
Vem...
Abominável Homem que a neve
Uma manhã desmascarou
Porque as fábulas não sabem hibernar!
Vem...
Vampiro que a noite
Ao nascer da aurora atraiçoou
Porque as fábulas não vivem a sangrar!
Vem...
Loch Ness que o lago
Da eterna neblina se acabou
Porque as fábulas também têm de acabar!
Vem...
Conto de fadas, mito, animação,
Mistério oculto no fundo mais profundo,
Bruxedo, animal, pré-histórico, ladrão,
Mágico, mago, astronauta em novo mundo...
Vem...
Venham... bruxa, fada, feiticeira, anjo,
E porque não um pouco de diabo,
Adamastor nas dobras de outro cabo!
Vem...
E sejas conto, fábula, ou página de história,
Ou auto da derrota ou da vitória,
Mito, religião, Bíblia, mentira,
Credo, cruzes e um pouco mais de fé...
Vem...
Venham encher com tudo isto esta minha alma
Que ficou cega, vazia, nua,
Abandonada...
E quer poder sonhar
E ser amada
Mesmo que o preço seja não ser nada!
Vem...
Porque as fábulas não servem pra sonhar!
Porque as fábulas também têm de acabar!
Gil Saraiva
"O PRÓXIMO HOMEM"
Há sempre um Próximo Homem
Para onde quer que seja...
Do: soldado ao comandante,
Marinheiro ao almirante,
Varredor ao vereador,
Segurança ao diretor,
Há sempre...
Desde o sacristão ao Papa,
Do lixeiro ao presidente,
Em qualquer ponto
De um mapa,
Do ausente ao residente,
Há sempre...
Um Próximo Homem
Para onde quer que seja:
Porque o mundo continua
E nada pode parar,
Desde o tráfego da rua,
Às rotas do céu e mar...
Tudo tem alternativa,
Pra tudo ter solução,
Pois em qualquer narrativa,
Desde a Bíblia ao Corão,
Há sempre um Próximo Homem
Para onde quer que seja...
Mas nestas democracias,
Deste Mundo Ocidental,
Por entre burocracias
E fundos do capital,
Pesa o voto de quem vota,
Não sem a legal batota
Da promessa original
Porque:
Há sempre, um Próximo Homem
Para onde quer que seja...
Seja homem ou mulher
Será o que convier...
Mas sempre haverá um próximo,
Um alguém, um outro ser,
Que virá depois do outro e do outro que vier...
Se eu for o Próximo Homem
De um outro que hoje saiu,
Haverá um outro então,
Que ainda não se previu,
Que depois de mim virá
E não sei o que fará, porque:
Há sempre... um Próximo Homem
Para onde quer que seja...
E havendo... que viva o Próximo Homem ...
Porque o outro já não está...
O dilema surgirá só quando
O Próximo Homem
Não tiver um outro alguém
Para o Próximo ser também...
Gil Saraiva
"NA ESTUPIDEZ DE UM POETA"
Na estupidez de um poeta
O âmago é o sonho... a periferia: a realidade,
A verdade é a morte, a loucura: o amor.
Na estupidez de um poeta
A vida é uma questão sem resposta:
Até quando?
Na estupidez de um poeta
O bonito foge à moda,
O medíocre devia sê-lo,
A razão é relativa e a mulher: absoluta.
Na estupidez de um poeta
Há duas opções na vida:
O egocentrismo e o idiotismo
Mas qualquer dos dois é feliz.
Na estupidez de um poeta
O riso é cínico e a guerra não.
E se o saber não ocupa lugar
Para quê haver problemas?
Na estupidez de um poeta
A política existe, a poluição existe,
A ameaça nuclear existe,
Porque toda a merda é orgânica!
Na estupidez de um poeta
A existência é sádica, o Homem: masoquista,
E o pensamento é a fusão dos dois...
Gil Saraiva