"CAÇADORA DE SONHOS"
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Armada de vida,
Carente de presas,
Eu... pela cidade
Procuro a saída
Encontro defesas
Na alma do mundo:
Ninguém se quer dar;
Ninguém sabe amar;
Ninguém quer, no fundo,
Saber encontrar
A paz, no profundo
Calor de um segundo...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Eu vejo no dia,
Na noite bravia,
No caminho, na rua,
Entre gente, mais gente,
Vestindo essa moda
(Qual festa tardia
Ao néon da Lua),
A gente que mente
E em bares se acomoda...
E ali, nessa esquina,
Eu vejo no dia,
Na noite bravia,
Se vendendo toda,
Uma pobre menina
Que diz a quem passa:
"- Mil paus... tô na moda..."
No meio da praça,
Se vendendo toda
Joana sem caça,
Carente de presas,
Faz contas à vida:
"- Nem dá prás despesas...
Que porra de vida!..."
E gente infeliz,
Com hora marcada,
Passa e lhe diz:
"- Dou cem e mais nada..."
Caçadora de sonhos...
E tão sem saudade...
Eu já vejo agora
O riso da erva
Nos pés dessa serva,
Que vende por hora
O corpo... estragado...
De tão ser usado.
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Buscando, perdida,
A velha igualdade
Do mundo, da vida...
Buscando ilusões,
Conceitos, ideias,
Credos e orações,
Entre cefaleias...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
É assim: no leve sorriso
Dessa erva daninha;
No cato que cresce
Formando uma espinha;
Na espinha que pica
Aquela andorinha
(Coitada, infeliz,
Que sangue já chora),
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
E choro de mágoa
O gozo sinistro
De certa gentinha,
Com cara de quisto
Pejado de tinha;
E a cara alegre
De um velho ministro
Que julga esconder
O que já foi visto...
Choro... choro e volto a chorar...
Mas... riem as luzes p’la cidade fora...
Riem de mim na noite vizinha;
Riem... riem como quem ri
De uma adivinha prá qual a solução
Não se avizinha...
Riem... riem enquanto meu ser
De novo chora,
Chora como ontem,
Como hoje e agora:
Chora as meninas
No meio da praça
Se vendendo todas
Ao primeiro que passa...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Como posso caçar
Sonhos no mundo?
Como posso amar
Mais que um segundo?
Não tenho saudades
Da terra maldita,
Onde o direito
Não passa de fita...
Minha alma:
Caçadora de sonhos
É tão sem saudade...
Gil Saraiva
"O DIA INTERNACIONAL DA MULHER..."
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher,
Mas...?
Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias
De quem são?
Um, eu sei...
Onde há peru ou leitão...
É Natal,
Dia do Rei,
Do Papa ou do sacristão...
Outro ainda eu conheço,
É terça de Carnaval,
Tem também um da Criança
E outro dos Namorados...
Mas que nos importa afinal
Esses dias de lembrança,
Seja dia de Finados
Ou dum longo tempo Pascal?
E o dia do ladrão?
Da alegria? Da velha?
Da fome ou da tradição...?
Ninguém me diz quando são?
O Dia Internacional da Mulher...
Mas que coisa que inventaram,
Um dia que aproveitaram
Para enganar… quem quiser...
Exploram e chamam fraco
Ao sexo feminino...
Esse bebé é menino?
Ou… a menina está bem?
Não!
Eles não enganam ninguém!
É medo... Eu sei!
É medo que fique forte...
Dão-lhe um dia, fazem corte,
E através dele criam lei...
Mas que grande hipocrisia,
Dos senhores da valentia...
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher.
Mas...? Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias de quem são?
São daqueles a quem
Um seio materno
Deu vigor, amor, dedicação...
São daqueles por quem
Esse ser terno
Sentiu dor, fome,
Raiva, humilhação...
Nos outros dias do ano,
Nos dias do dia-a-dia,
Eu vejo a panela ao lume,
A casa passada a pano,
A rotina do costume:
Roupa cosida, lavada,
Comida bem preparada,
Casa pronta,
Chão esfregado,
E o soalho encerado...
Mais o trabalho lá fora,
Pago por meio ordenado,
Se quiser ou vai embora...
Nos outros dias do ano
Sexo fraco
É para manter,
Assim manda o soberano,
Porque assim é que é viver...
Ter que ser mãe
E ser escrava,
Fazer tudo e calar só.
Andar descalça na lava
E depois limpar o pó...
E não esquecer o marido,
Pois o pobre homem,
Coitado,
Deve estar aborrecido,
Se deve sentir cansado,
Porque cansa
Ser servido
E dar ordens bem sentado...
O outro dia foi o Dia Internacional da Mulher…
Mas...? Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias
De quem são?
Não importa!
Mulheres do mundo inteiro,
Digam: Não!
No Paquistão,
Ou no mais simples outeiro...
Desse dia da mulher
Façam um dia de luta!
Porque há de a mulher
Ser puta e o homem
Garanhão?
Nesse dia da mulher
Façam vigílias e luto
Contra o Patriarca bruto,
Neste mundo
De tabus e repressões...
Digam bem alto,
Gritando:
"- Chega de humilhações!"
Que esse dia da mulher
Seja apenas mais um dia
Para as que já conquistaram
O que mundo lhes devia...
Porém,
Para a maioria:
É o dia da revolta,
Não de festa,
Mas de garra,
De uma garra
Que se solta
Para acabar a fanfarra,
Para impor a igualdade,
Para conquistar:
Liberdade!
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher...
Gil Saraiva