IX
“SINTAGMAS DA PROCELA E DO LIBAMBO”
Tratados da pobreza,
Miséria, destruição,
E da desgraça,
Crónicas conjunturais de pandemias mil,
Anunciadas…
Tsunami terra adentro
Arrasando vidas estacionadas,
Nas margens de um mar
Antes sem ameaça.
Grilhetas e correntes
De vidas ainda escravizadas
Pela fome, pela doença,
Pela guerra que não passa,
Despojos e ruínas que não esquece o tempo.
Tudo e todos descendentes
De mortes antecipadas,
Que chegam cedo,
Às vezes a vidas ainda agora começadas.
Horrores de um século que ao passado
Não fica a dever coisa nenhuma…
Sintagmas da procela e do libambo,
Sinais que o tempo teima em replicar,
Tragédias na sombra de um melambo,
De uma acácia, de um castanheiro,
De uma árvore a abater ou a queimar…
Sintagmas do caos,
Apeadeiro de vivências
De dor ou sofrimento,
Num mar de tumulto derradeiro,
Procela ou maremoto em movimento
Ou vulcão que rebenta reivindicando
Terra e mar, bens, casas e piscinas,
Que a natureza não tem título de propriedade
Quando chega absoluta e suprema
Nos sintagmas da procela e do libambo…
Gil Saraiva
VIII
“O VÍRUS”
Dizem que tudo teve início
Num bater de asa
Abruptamente interrompido por um caçador…
Foi na China, lá longe, nessa Ásia
Onde as tradições são ancestrais…
O morcego abatido
Foi vendido
Para o mercado de Wuhan, lá longe, essa Ásia
Onde as explicações são paranormais…
Diz um pangolim, que vem na história,
Que o rato voador jurou vingança
Antes de sucumbir, de se finar…
Dizem que ao pangolim doou o vírus
Talvez já no mercado ou a caminho,
Mas ninguém sabe ao certo
Se assim foi…
Morcego ou Pangolim, ou ambos, traficaram
O vírus do morcego para a raça humana.
Foi em outubro, talvez em novembro,
Ou no mês do Natal Ocidental,
Foi no último quartel de 2019
Isso é certo, seguro e é formal.
Coronavírus, mais um, dessa família,
Repleta de primos ou parentes,
Perfeitos malfeitores da humanidade,
Pelas maleitas criadas em humanos mais carentes,
Com menos cuidados ou saúde,
Mais pobres, que dinheiro dá virtude…
Todos os continentes do globo o receberam,
Ao vírus com honras de assassino
E carta branca para ceifar milhares de vidas,
Primeiros as mais velhas,
Mais doentes, mais perdidas.
Qual pandemia que se alastra e expande
Sedenta por gerar um novo caos,
Que o vírus não separa
Os bons, dos outros que são maus.
Ataca a eito
Com pezinhos de lã,
Ataca o Homem,
Deixando em paz a rã,
A avestruz, o gado, a andorinha,
Mas não perdoando, porta-a-porta,
Primo, parente, vizinho ou vizinha…
São agora milhões os infetados,
Pelo mundo espalhando aflição e dor,
E são sempre os mais velhos,
Doentes, desgraçados,
Os primeiros a lidar com o horror.
São milhões
Os que testaram positivo,
Centenas de milhares morreram já
E muitos outros lhe seguirão caminho.
Dobrando valores,
Infeções e mortes
Com o passar dos dias
Que o momento não está
Para outras sortes…
Para o dinheiro, recua a economia,
Com confinamentos exaltados
Pelos caixões
A todo o instante televisionados
Nos écrans de um mundo
Sem perdões…
Definham os índios na Amazónia
Dizimados sem dó ou piedade,
Salva-se um americano,
Um espertalhão,
Provando, ter sido tratado por
Bem mais que um milhão…
Sim! Um milhão
De dólares, de divisas, d’el contado
Que nunca salvará um desgraçado
De ficar sem trabalho, de roubar,
De ir para a prisão,
Sem conseguir tratar os pais ou os avós,
A madrinha, o tio, ou ele, aquele e o outro ou até nós.
Morrem centenas de milhares
No mundo inteiro
O desemprego dispara e já se alastra,
Que uma praga nunca vem sozinha.
Depois virá a fome e a miséria
Mas sempre para os mesmos do costume
Que o vírus protege quem pode
Enquanto aos outros ele apenas… (fogo!)
Ataca, sem sequer pedir perdão!
Tempos difíceis neste vinte, vinte…
Mais centenas de milhar
Irão morrer.
Infetados, com fome, sem casa
Ou sem trabalho,
Que estes são tempos de mandar
Para o baralho,
As cartas do destino
Já lançadas.
Gil Saraiva
VII
“A DOR QUE DÓI”
A dor que dói assim, confina um lamento,
É quase minha filha e justifica
Meu ego corroer em crescimento.
É dor que dói assim, num movimento,
Que não se afasta nunca, mas que implica
Voar para sempre mais que o próprio vento…
A dor que dói assim, não tem alento…
Vem da raiz de nós e não se aplica
A coisas que não sejam pensamento.
A dor que dói assim num vil tormento
Tem cerne de mágoa que não explica
Porque não seca ela num momento…
A dor que dói assim, sem advento,
Que na saudade é cancro e se complica,
É como água que me mantem sedento,
É dor que dói assim sem ter evento,
Que só a pouco e pouco se fabrica,
Sendo a matéria prima esgotamento…
A dor que dói, enfim, é meu sustento,
A dor que dói ruim não se erradica,
A dor que dói sem fim me sacrifica,
A dor que dói assim é alimento
Da dor que dói em mim, em sofrimento.
Gil Saraiva
VI
"O MENINO DE ALEPPO…"
Aleppo, Síria,
Oito horas e trinta minutos da manhã,
Bairro de Al-Qatergui,
Verão quente, muito quente,
Em pleno Outono,
Terra de horrores,
Uma ambulância acaba de chegar,
Qual anjo descendo até às portas do Inferno…
Rapidamente
O socorrista Ammer Hamami,
Corre para um edifício,
Destruído à bomba,
Para voltar trazendo nos braços Omran,
O menino de Aleppo,
Que encontrou deitado sobre os escombros,
Parecendo fatigado
Depois de uma longa conversa
Com a velha Morte…
No rosto do infante o sangue quase secou,
Mas tem demora…
O cabelo de pardal voando em liberdade
É agora uma pasta turva, desalinhada,
Sem brilho, cinzenta,
A espaços arruivada por glóbulos secos
Fugidos, há pouco,
De um crânio fissurado
Pelos detritos urbanos
De um bombardeamento lançado
Já noite finda.
Nessa madrugada…
A boca não ri,
O olhar parou de olhar
Mas os olhos ainda
Derivam sem sentido…
A face esquerda
Está pintada de uma guerra
Para a qual não foi chamado,
Pintada não, manchada,
Mas quase parece tatuagem,
Uma rubra máscara de horror
Só por zombies sonhada
E os zombies nem existem…
Os lábios não falam,
O menino não chora
Nem chama por ninguém,
O lado direito do rosto é obra prima de pó,
De sangue, de barro,
Dos aviões de Putin
A mando do Governo Sírio,
De Bashar al-Assad,
Que o poder vicia,
Corrompe (mas sabe tão bem).
Um verdadeiro tributo
À hipocrisia
Dos mandantes,
Um dano colateral
De cinco anos
E pés descalços,
Entre outros percalços…
A camisola de algodão,
De mangas curtas,
Ornada de bonecos coloridos,
E o pequeno calção
Subido, a meio das coxas,
Perderam juntos o design
De pijama de verão,
Viraram camuflado de soldado
Que não vence batalhas,
Que já perdeu a guerra
Onde nunca tinha entrado…
Aleppo, Síria,
Oito horas e quarenta minutos
Da manhã,
Ammer senta Omran
Num banco cor de laranja
Da ambulância
De interior limpo,
Quase imaculado,
Um corpo estranho de puro
Numa luta suja…
E rapidamente o socorrista
Volta a sair,
Mais umas saídas,
Na busca infinda por outras vidas…
O menino de Aleppo
Ali só, ali, nessa viatura,
Onde o contraste gritante da imagem
Parece chorar as lágrimas
Que Omran nunca verteu.
Subitamente,
O menino leva a mão
À face esquerda,
Estrega o olho
Invadido pelo seu próprio sangue
E a máscara dessa face aumenta,
Cresce, diaboliza e me atormenta.
Enquanto a pele,
Agora encarnada,
Já chega ao queixo
Ensanguentada…
Com surpresa os seus olhos descem
Sobre a mão que, nesta hora,
O sangue já mancha,
Parece não entender a cor,
A humidade ou o odor…
Eu vi tudo,
E todo o mundo viu,
Que o jornalista Mahmud Rastan
Tudo filmou para a História, para nós,
Para as vergonhas do Século XXI,
Nesta entrada sangrenta
De um Terceiro Milénio
Que continua negro,
De trevas, de atrocidades,
Coisas vulgares,
Sem quaisquer novidades…
O menino de Aleppo
Nunca chorou,
Mas chorei eu por ele
E vós também,
Muitos de vós e todos os outros
Que viram o que eu vi.
Voltará ele a sorrir, na vida, um dia?
Entenderá alguma vez
O que não tem sentido?
O que se dá a um menino
A quem a infância foi ceifada?
O que se diz? O que se faz?
Talvez o silêncio não diga nada…
Talvez um dia ele fique em paz…
Menino de Aleppo,
Menino de Aleppo,
Porque não choras de cara tapada?
Saí do sofá,
Frente à televisão,
E fui para a cama estranhamente cansado,
Adormeci…
Acordei de repente, em sobressalto,
Chorando o grito mudo de Omran,
O menino de Aleppo,
O meu menino…
Podia ser… podia…
Gil Saraiva
V
"TRAGÉDIA EM QUATRO ATOS - KOBANE"
4
"O MENINO DE KOBANE"
Uma imagem vale mais que mil palavras,
Dizem, por aí, os entendidos.
Foi assim no Vietname
Onde uma menina,
Fugindo na estrada de uma guerra vil,
Vestia napalm
Sobre a pele nua.
Kim Phuc,
Já fez cinquenta e três anos,
Mas será sempre
A Menina de Napalm…
Agora outra imagem
Invade-me o lar,
Desta vez,
Para além de uma fotografia,
Existe um filme que me mirra a existência,
Enquanto as imagens
Me turvam a mente,
O olhar e o ser,
Porque, como muitos,
Outros talvez não,
Sou um ser humano,
Que sente na alma,
No corpo e no coração
A raiva irracional
Perante algo sem explicação.
Turquia, Bodrum,
Praia de Ali Hoca Burnu,
É de lá que chegam
As imagens malditas,
Transmitidas de manhã,
Ao almoço, ao jantar,
Vezes sem conta,
Mas não mudam,
São sempre as mesmas,
cruéis e letais…
Duras, infernais…
Já nem preciso de tela
Para ver o filme
E na minha mente
A gravação não tem fim…
Entra-me na pele
Não sai mais de mim…
As ondas do mar
Rebentam na areia,
Numa ondulação suave
Onde a espuma branca
Parece lavar com carinho a praia creme,
Grão a grão,
Qual vento soprando
Em asa de ave…
E algures na margem,
Deitado no areal,
Molhado pelas ondas,
Um menino jaz,
Três anos talvez…
Rosto enterrado na areia,
Um corpo pequeno,
Inerte, de braços arrumados
Bem junto ao tronco,
T-shirt vermelha,
Calção todo azul,
Um antagonismo,
Saído do Inferno,
Que as ondas lavam
Num ritmo eterno
Sem que aquela mancha se esfume no chão.
Fazendo esquecer a podridão…
Ali jaz Alan Kurdi,
Três anos de idade,
Nascido em Kobane,
Curdo de sangue,
Vítima de guerra,
Refugiado, migrante,
Islâmico, criança,
Roubada à vida,
nascido para a morte,
Um pobre infante
Sem uma saída,
Sem estrela ou sorte…
Qual fio de seda,
De aranha foi presa, foi teia,
O menino de Kobane
Jamais. jamais fará
Castelos de areia.
Gil Saraiva
V
"TRAGÉDIA EM QUATRO ATOS - KOBANE"
3
"VIAGEM PARA O PARAÍSO"
Perante os migrantes vindo do Oriente,
A Europa justa vai abrir os portões,
Dizem os líderes da União Europeia,
Criam cotas, repartem apoios,
Vão às televisões…
Mas faltam melões.
Que a verdade se esconde, abriga-se,
E o que se fala nada quer dizer,
Não tem explicação,
Nem tem tradução;
Mas todos prometem intenções tão boas,
Numa teoria que jamais será Tese, Lei ou Saber.
Aceitam milhares,
Dizem os jornais,
Mas fazem-se muros
Que é farpado o arame,
Entram meia dúzia,
Um pouco mais,
mas de pouco não passa,
A custo, a medo
Que a vergonha não esconde a cara…
Impera o cinismo,
Dizem que é cedo,
Mas para os migrantes o tempo parou,
E tentam entrar de qualquer maneira
Nessa Europa
Onde solidariedade se escreve a borracha,
Onde esperança
É palavra oca que o vento varreu…
Por entre os milhares,
Fugidos da Síria curda,
Entre fome e sangue,
Entre dor, pânico e sobrevivência,
Uma família que o lar perdeu
Na perdida Kobane,
Já na Turquia,
Procura uma forma de chegar
À Grécia, talvez a Kos,
Nem terra, nem ar,
Que apenas o mar é solução…
E ali, em Bodrum,
A dois passos da Europa,
Um casal com dois filhos decide arriscar,
Um entre os milhares
Que já são milhões.
Da praia de Ali Hoca partem
De barco feito borracha
Que apaga vidas
De quem nada acha…
Onde cabem dez
Viajam cinquenta,
E dá-se a tormenta,
O naufrágio, mais um,
Sobrevive o pai,
Sucumbe a mãe
E as duas crianças,
De três e cinco anos que a idade é tenra
Mas a morte não.
A viagem acaba, como começou,
Em calamidade,
Igual a tantas outras
Que a precederam,
E assim chegaram,
Todos ou quase, por fim,
Finalmente,
A um paraíso que não tem país,
Mas apenas paz…
Gil Saraiva
V
"TRAGÉDIA EM QUATRO ATOS - KOBANE"
2
" MIGRANTES DEPOIS DE REFUGIADOS"
Entre bombas, escombros, sangue e tripas,
Foge quem pode
Porque a guerra é cega,
Não vê mulheres
Nem crianças,
Não vê nada
Nem ninguém.
A música virou ruído e o ruído trovão;
O povo não quer Bashar al-Assad
Nem o Estado Islâmico,
Quer uma Síria de paz dizem os sírios,
Quer um Estado Curdo
Gritam os oprimidos,
Mas o Estado é surdo
Seja islâmico ou não.
A guerra veste de santa, clama justiça
E todos se dizem senhores
Da razão e da verdade,
Mas ninguém dá ouvidos a ninguém;
Morrem civis aos milhares,
Gente de carne e osso,
Sem limite de idade,
De género, de etnia
Ou de religião,
Morrem porque estavam ali,
No local errado,
Na hora errada,
Apenas e mais nada.
Perante a atrocidade
Dá-se a debandada
E o povo foge,
Procura refúgio
Nos países mais perto,
Mas é enlatado
Em campos de fome e aperto,
Sem condições são refugiados
Que parecem presos,
Tratados a monte
Na beira da vida…
E honrosas exceções não fazem a regra,
Nem estancam a ferida
Aberta pela guerra.
Só de Kobane,
De Ain al-Arab,
Da fonte dos árabes,
Centenas, milhares, quase meio milhão,
Fugiu, deixou tudo,
Que a fonte secou,
Procurando o direito a não morrer,
Sem explicação ou sentido,
Com os filhos pela mão
Tão vazia de pão…
Chegados à Turquia,
Vizinha, interesseira,
São refugiados, amontoados,
E serão tratados
De qualquer maneira,
Sem dignidade, consideração
Ou sentimento …
E às portas da Europa,
Qual El Dourado,
Viraram migrantes,
Em sofrimento,
Na busca de luz, de vida, de paz,
Mortos de tudo, sem um capaz…
Gil Saraiva
"TRAGÉDIA EM QUATRO ATOS - KOBANE"
1
"OCUPAÇÃO"
No planeta imaginado
Por trinta milhões de seres humanos,
Algures, numa estreita margem do Mediterrâneo,
Começou, há dois mil e seiscentos anos,
Um país chamado Curdistão
Ou, talvez, quem sabe,
Deveria ter começado.
Madrasta foi a História deste povo,
Ocupado por impérios e tiranos.
Avaros os vizinhos sempre o cobiçaram
E a terra que nunca foi país,
Acabou por ver-se repartida…
Nas margens da Europa,
Pelo raiar da Ásia,
Ele se ergueria sob a égide de Alá,
A Norte a Turquia Otomana,
Com desejos de poder,
A Oeste a Arménia
E o Azerbaijão,
Famintos de território,
A Sul… o Irão,
Fanático no crer e no crescer,
A Este o Iraque e a Síria,
Com sede de recursos…
Como pode esta gente ter direito
À existência, ao território?
O que pensam os judeus deste direito?
E a América e o imperador careca,
Esse Putin?
A culpa nunca é de ninguém,
São sempre "OS OUTROS"…
Depois chegou o ISIS,
O DAESH,
O Estado Islâmico,
Não interessa o nome,
Apenas importa que rima com terror,
Ocupando o ocupado,
Terras queimadas para um grande Califado,
Vidas ceifadas pelo fanatismo enlouquecido
E sem qualquer pudor
Publicitadas na imprensa,
Na net e nas televisões,
Qual algodão que não engana
Porque a saga garante o verdadeiro horror…
Gil Saraiva
IV
"BAGDAD"
Bagdad,
Terra das Mil e Uma Noites,
Das Mil e Uma Mortes,
Dos Mil e Um Pesadelos,
Das Mil e Uma Armas de Destruição Massiva,
Das Mil e Uma Crianças Que Imploram:
- Mãe ... oh mãe, mãe!?
Onde estás, mãe...
Mãe... oh mãe, mãe!?
É no regaço coberto pela burca
Que se escondem os olhos de mágoa,
Os rostos de dor,
O sofrer no silêncio
De quem perde os filhos
Para uma eternidade sem preço...
- Mãe ... oh mãe, mãe!?
Onde estás, mãe...
Mãe... oh mãe, mãe!?
Já vai longo o tempo em Bagdad,
Dia a dia
É sempre assim
Dia a dia,
Sempre e sempre,
Dia a dia, Mãe a Mãe...
- Mãe ... oh mãe, mãe!?
Onde estás, mãe...
Mãe... oh mãe, mãe!?
Bagdad podia ser Alepo, El Salvador, Dili, Sarajevo,
Fronteira turca de refugiados sem Grécia, Itália,
Europa ou direito à paz,
À vida, à existência,
À dignidade de se ser humano.
Quando irão viver,
Num mundo de esperança,
As crianças tristes da Terra das Mil e Uma Noites?
Quando será deles a era dos sorrisos?
Ninguém escapa,
Ninguém pode fugir...
Mas quantos ficarão nos escombros sombrios,
Nos destroços da guerra?
- Mãe ... oh mãe, mãe!?
Onde estás, mãe...
Mãe... oh mãe, mãe!?
Até quando deixará a Terra
Que as Mil e Uma Noites
Sejam pesadelos de mãe
Por entre burcas,
Num grito aflito que ecoa pelo universo:
- Mãe... oh mãe, mãe!...
Bagdad,
Terra sem mãe!
Gil Saraiva
III
“MORTE”
Todos nós vivemos
Os momentos da Morte
Em instantes que temos
Em mágoa, sem passaporte.
Em memória das memórias
Da nossa identidade
Em silêncio
A nostalgia
Só chora a saudade...
Todos nós choramos
As agruras da Morte
Em instantes cavados
Na sepultura sem Norte.
Melancolia
É a cama
Em que me deito
No taciturno marasmo
Da minha solidão...
Todos nós perdemos
Vidas para a Morte
Em instantes de dor,
Sem rede, sem suporte.
Vagabundo dos Limbos eu sou:
Soturno no existir,
Perdido na alma,
Sombrio no ser...
Uma réstia de sol
Que se apaga tristonha
No mais belo poente...
Todos nós sentimos
Os atos da Morte
Nos instantes da sede, da fome,
Da lei do mais forte.
Como se, até eu,
No tétrico chegar da noite
Fosse o fúnebre negrume
Das trevas,
Gritando o luto
Da minha própria morte...
Todos nós sabemos
Que existe a Morte
Dos instantes onde falta
Saúde, sustento ou simples sorte.
Gil Saraiva