I
“VEJO A LUA LÁ NO ALTO"
(A TI QUERO EU BEM MAIS PERTO)
Juntos, como quem constrói
Uma memória ao luar,
Sem mágoa, esquece onde dói,
Meu amor, vamos dançar.
Meu amor, vamos dançar
Loucamente pela rua,
Vamo-nos deixar levar
Pela batuta da Lua.
Pela batuta da Lua
Onde a natura se cale,
Onde podes dançar nua
Nesses lençóis, bem no vale,
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Quem com coragem se afoite
Pelas noites de luar,
Pela calada da noite
Não sabe o que vai achar.
Não sabe o que vai achar
Quem procura amor no breu,
Pode o inferno alcançar
Ou mesmo ascender ao céu.
Ou mesmo ascender ao céu,
Sem saber que gente existe,
Que na noite há mais que um réu
Condenado a viver triste.
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Vejo a Lua e penso, enfim,
Se sem ti posso viver…
Não sei que será de mim
Se algum dia eu te perder.
Se algum dia eu te perder
Vou compor uma balada
Plena de dor, de sofrer,
Sem caminho, sem estrada.
Sem caminho, sem estrada,
Sem a luz da Lua Cheia,
Que sem ti não há mais nada,
Torno, viro, grão de areia
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Vejo a Lua lá no alto,
A ti quero bem mais perto.
Mãos ao ar, que isto é um assalto!
Quero amor a descoberto.
Gil Saraiva
Nota: Quadras escritas em 2008 algum tempo depois de voltar para Lisboa.
Hoje, dia 13/03/2020 - Sexta-Feira, 13, Lua Cheia - Portugal, Lisboa - Estado de Alerta Nacional
![Sexta-Feira 13.jpg Sexta-Feira 13.jpg]()
"LUA"
É sexta-feira, 13, e é cheia a Lua...
Na noite clara as mentes dormem já,
Paira no ar o som de um bacará
No sussurrar “cristálico” da rua...
Ofusca a luz da noite a forma nua,
Os corações repletos de oxalá,
Os corpos clandestinos de sofá,
E o supremo prazer que se acentua...
Por toda a parte ascendem mil amplexos
E crescem movimentos murmurados...
Vampiros, lobisomens, estão fechados
Porque esta noite imperam nossos sexos...
E num ato de amor meu corpo sua...
É sexta-feira, 13, e é prenhe a Lua...
Gil Saraiva
![Quem.jpg Quem.jpg]()
"QUEM..."
Quem
Tem na esperança
O sussurrar cálido das marés?
Quem
Encontra no próprio reflexo a alegria
De vivo se sentir com confiança?
Quem
Procura sempre um amor
Sem temer ou mesmo desistir...?
Quem
Sabe que o impossível apenas demora
Mais tempo?
Quem
Sente o nascer do Sol
No crepúsculo insustentável da madrugada?
Quem
Jura que a palavra é só uma,
E uma apenas?
Um só alguém!...
E esse quem
Não tem o que temer,
Por que tremer,
Pois brilha mais alto,
Mais forte e mais além...!
E luta, como luta mais ninguém,
Mesmo na mais temível escuridão,
Acabando por encontrar, por conquistar,
E por sorrir, enfim, ao ver no espelho
A imagem refletora de um futuro
Que em cada segundo se torna presente...!
Que em cada impresente renasce em saudade!...
Assim...
Todos saberão conhecer o tal de quem,
Que no sussurrar ameno das marés,
Completará um próximo devir,
Com a forma simples de um sorrir...
Mas será realmente que esse quem,
Com a imatemática clareza dos sentidos,
Sente, o amor, sem incerteza?
Mesmo sem temer ou desistir?
Talvez...
Quantos ou quantas acharão sinais
E por engano se julgarão escolhidos?
Só quem acreditar que jamais
A ilógica absurda, de um tão grande amor,
Poderia servir de engodo vil
Ganhará a glória terminal!
E esse alguém terá...
No sussurrar cálido das marés,
Na alegria de vivo se sentir,
Na procura impossível sem temer,
No crepúsculo insustentável da madrugada,
No brilho mais alto, mais forte, mais além,
Na busca perdida pelos Limbos,
E na mais temível escuridão,
A taça da vitória conquistada,
A certeza de saber que o quem
É ele ou ela e mais ninguém!
Para mim,
Apenas importa esse meu quem!
E espero meu amor, querida, meu bem,
Que a taça seja eu e ela tua,
Tal como o infinito é mais além,
Tal como da Terra satélite é a Lua...
E só assim,
Por fim,
Na forma de um sorriso, feito belo,
O meu quem se refletirá da cara nua,
Por provir simples, franco, singelo,
Desse amado rosto, dessa face tua!
Gil Saraiva
![Aqui.jpg Aqui.jpg]()
"AQUI..."
Aqui,
Onde a palavra mais se afirma
Como produto social,
A faculdade última
De comunicarmos
Por meio de sinais
Que todos entendemos,
Porque são próprios
Desta comunidade
Que constituímos...
Aqui,
Onde a fala
Se traduz na escrita
Como um ato de utilização
De uma linguagem,
E porque não,
Como a concretização
Do potencial da língua
Passada à palavra...
Aqui,
Falamos...
Escrevemos...
Sentimentos em sinais,
Próprios do grupo
Que constituímos...
Aqui
Traduzimos estados da alma
Em discursos originais,
Vivos e criativos,
Através de combinações livres
Do que somos, sentimos,
Queremos, desejamos
E em última análise
Sonhamos...
Aqui...
Somos,
Nas palavras,
Verdadeiras metáforas
Do que queremos ser...
Configurações tacitamente
Assumidas pela líbido...
Aqui...
Inventamos verdades inequívocas
Provocadas pelo efeito do écran,
Como se da nossa própria visão
Se tratasse...
E nos lugares comuns
Desta linguagem
Afirmamos o grito
Da nossa solidão...
Aqui
Queremos existir
Em felicidade!...
Pura,
Simples,
Essencial...
Aqui
Conseguimos entender
E produzir
Um número infinito de frases
Que nunca antes lemos,
Ouvimos ou pronunciamos...
E porquê?
Porque estamos integrados!...
Aqui...
Somos parte de um todo
Que funciona sem conhecimento
De todas as partes,
Aparentemente anárquico,
Mas obviamente
Interligado a esquemas
Que apenas o nosso subconsciente
Consegue interpretar...
Enfim...
Aqui...
Somos os filhos
De uma mesma alcateia
E ao uivarmos,
Não estamos apenas a venerar a Lua
Que se encontra cheia...
Mas a dizer também aqui
Que queremos amar!...
Gil Saraiva
![Vem.jpg Vem.jpg]()
"VEM"
Vem...
Extraterrestre que o céu
Ao Homem te entregou
Porque as fábulas não servem pra sonhar!
Vem...
Fantasma que a casa
Ao anoitecer expulsou
Porque as fábulas não são para assustar!
Vem...
Sereia que o mar
Um dia rejeitou
Porque as fábulas não sabem nadar!
Vem...
Lobisomem que a Lua
Uma noite abandonou
Porque as fábulas não vivem ao luar!
Vem...
Abominável Homem que a neve
Uma manhã desmascarou
Porque as fábulas não sabem hibernar!
Vem...
Vampiro que a noite
Ao nascer da aurora atraiçoou
Porque as fábulas não vivem a sangrar!
Vem...
Loch Ness que o lago
Da eterna neblina se acabou
Porque as fábulas também têm de acabar!
Vem...
Conto de fadas, mito, animação,
Mistério oculto no fundo mais profundo,
Bruxedo, animal, pré-histórico, ladrão,
Mágico, mago, astronauta em novo mundo...
Vem...
Venham... bruxa, fada, feiticeira, anjo,
E porque não um pouco de diabo,
Adamastor nas dobras de outro cabo!
Vem...
E sejas conto, fábula, ou página de história,
Ou auto da derrota ou da vitória,
Mito, religião, Bíblia, mentira,
Credo, cruzes e um pouco mais de fé...
Vem...
Venham encher com tudo isto esta minha alma
Que ficou cega, vazia, nua,
Abandonada...
E quer poder sonhar
E ser amada
Mesmo que o preço seja não ser nada!
Vem...
Porque as fábulas não servem pra sonhar!
Porque as fábulas também têm de acabar!
Gil Saraiva
![O Julgamento.jpg O Julgamento.jpg]()
"O JULGAMENTO"
Juntem-se as águas já sob esses céus,
E a Morte tape a fria face crua,
Que o Sol se esconda por detrás da Lua,
Que lá no alto Olimpo trema Zeus...
No julgamento já nem falta um deus;
O cansado Mercúrio apenas sua;
Vénus observa feminina e nua
E agora se aproximam os dois réus...
O Amor vai ser julgado, e por Dante,
Que no inferno tem associados,
Eu, se este tribunal tem o desplante
De condenar os dois apaixonados,
Peço a Cristo que logo, nesse instante,
P’la morte acabe então com tais jurados!
Gil Saraiva