V
"ADEUS HERÓIS DO MAR"
Adeus heróis do mar
Das armas e barões já reformados
Adeus a todos vós
Que edificaram este reino que um dia foi Timor
Adeus ó nobre povo, de quem um dia herdamos
A força, a valentia, a resistência
Faz muitos anos que da dor fazemos pão
Desde o dia da vossa despedida
Que somos caça de um vil invasor
Somos gente de paz
Mas a voz heróis do mar
Pedimos hoje que com esplendor
Levanteis de novo a nossa hoje triste
Terra de Timor
Ó heróis do mar
Pois foi de vós
Que a palavra saudade
A nós chegou
E que saudades de vós
Heróis do mar
E que saudades de vós
Heróis do mar
Adeus a todos vós
Que edificaram este reino
Que um dia foi Timor
Adeus ó nobre povo,
De quem um dia herdamos
A força, a valentia, a resistência
Ó heróis do mar
Pois foi de vós
Que a palavra saudade
A nós chegou
E que saudades de vós
Heróis do mar
E que saudades de vós
Heróis do mar
Ó heróis do mar
Pois foi de vós
Que a palavra saudade
A nós chegou
E que saudades de vós
Heróis do mar
E que saudades de vós
Heróis do mar
Gil Saraiva
Nota: Letra escrita para a banda algarvia Íris – Um Disco de Prata e dois de Ouro. Produção: Vidisco.
XIV
"FUZETA: BRANCA NOIVA DO MAR"
Voam aves marinhas nesta praia
E as ondas se espreguiçam na areia;
Num cato brilha uma sedosa teia;
Passa uma jovem, rindo, em minissaia,
No cais um pescador mostra uma raia
Perto de uma criança que esperneia
Quebrando ali a calma, na aldeia,
Sem que mais nada, assim, se sobressaia…
No ar cheira ao marisco das tasquinhas,
De outras vem outro odor: sardinha assada,
E dos beirais espreitam andorinhas…
Branca noiva do mar, terra encantada,
A ti os pescadores, na despedida,
Pedem pescado, rezam pela vida...
Gil Saraiva
IV
"SERRA, VÁRZEA E MAR"
Na Serra do teu corpo
O amor
Não tem fim...
Na Várzea do teu ser
O sonho
Não tem nome...
No Mar do teu existir
A vida
Não tem idade...
Tem um rosto,
Um olhar,
Que te devora faminto
De expectativas,
De êxtase,
De plenitude...
Daqui,
Deste lugar único
Onde a paisagem
É apenas tu,
Eu venero a Serra Da Lua
Jurássica no existir,
Húmida na ramagem,
Nebulosa na sensualidade,
Verde na esperança
De um palácio sem pena
De quem, sem ti,
É Rei em tempo de República...
Sou como o labirinto
De minas e secretos caminhos
Que infestam Várzea e Mar,
Montes e penedos,
Arribas e falésias,
Vales e palacetes…
Sou a passagem esquecida
Que o teu caminhar nunca percorreu
Por falta de mapa ou segurança,
Ou porque a fé
Não tem preço marcado
Nas vendas da feira de S. Pedro...
Sou como o mar
Que afaga, sem cansaço,
A rocha talhada
Pelas caricias da espuma...
Sou como o vento
Criando cavernas, pontes
E esculturas maduras
De séculos de existir,
Mas jovens na forma hirta e firme
Com que recebem
As marés a cada dia
No litoral mais ocidental
Da velha Europa...
Mas tu és a flor,
Pura na cor alva dos teus braços,
Quais pétalas de seda
Onde amordaçaria meus lábios
Para a eternidade…
Tu és o ser
Simples,
Na forma selvagem e rebelde
Com que de branco e verde
Invades a floresta de acácias e pinheiros
Sem te importares com o tamanho,
O talho ou a idade dessa flora conformada
Com a existência...
Tu és minha,
Não por registo, contrato,
Declaração ou pacto,
Mas por amor!
Eu sou o Vagabundo Dos Limbos,
Haragano, O Etéreo,
Senhor da Bruma.
Que na Serra Da Lua
Estendeu a mão
E colheu para sempre do verde
O branco,
A pincelada,
A que as gentes chamam
Flor silvestre ou gota de água...
Na Serra do teu corpo
O amor
Não tem fim...
Na Várzea do teu ser
O sonho
Não tem nome...
No Mar do teu existir
A vida
Não tem idade...
Porque tu, como as marés,
Moldas em mim,
Como se rocha eu fosse,
Os segredos da força
Que nos une,
Os sentimentos
Que nos tornam um...
Um só ser, uma só serra,
uma única várzea,
Um imenso mar...
Nas Serras do teu corpo
Eu encontro o vale
E jamais me volto a encontrar!
Gil Saraiva
VI
“A VIGÍLIA”
O sonho parece não ter fim…
Criando pequenas praias graciosas
O mar banha os despontares de areia,
Com flores de espuma, qual jardim,
Regado a gotas de oceano, preciosas,
Pérolas de mar na maré cheia…
De forma suave, harmoniosa,
Chegam as águas fluidas à muralha,
E a meiga ondulação vai radiosa
Penteando as pedras sem batalha,
Numa paz cúmplice que enleia
As margens por onde serpenteia…
Na piscina do hotel a queda de água
Trauteia indolente a voz da vida,
Sem sinas, tristeza ou sequer mágoa,
Apenas porque a vida lhe é querida…
Ao fundo um colorido bar molhado,
Servido por morena no sorrir garrida,
Refresca, por dentro e por fora,
O mais acalorado convidado,
Para quem as cervejinhas, canapés
Ajudam a ficar mais relaxado,
Na plácida vigília dos chalés….
Subitamente, tu entras na piscina,
E a água reflete as tuas formas
Num misto de sereia e de menina,
Que rompe status quo, rompe normas,
Apenas transmitindo o sensual
Apelo ao sexo, pelo movimento,
De um nadar suave e natural.
Tocam alarmes no meu pensamento
Há muitos predadores
À solta, a esta hora,
Que, tal como nativos batedores,
Vão dar por ti e sem demora.
Qual harpia me ergo concentrado,
Para além de meu amor, tu és família,
De pé, monto o meu posto de soldado,
Anunciando que estou de vigília.
Tu dás conta do meu ar de vigilante,
Rindo, tiras da água o corpo sedutor,
Dizendo bem alto e provocante:
“- Anda, vem, vamos fazer amor.”
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
III
“PAISAGEM E PAISAGENS”
Do ocre das fachadas
Das acomodações e dos chalés
Imagens de cor ficam gravadas,
Se destacam os detalhes, lés-a-lés,
Das madeiras, dos alçados,
Das varandas,
Passadeiras, caminhos, cordas bambas,
Delimitando espaços e picados…
São os chalés, por fora, salpicados
De espreguiçadeiras inovando
Ora repouso ameno,
Ora pecados,
Que cabe a cada um ir desvendando…
Tudo se vira ao porto, ao mar
E a Valença,
Ponto continental no horizonte,
Que a noite, ao cair, faz revelar
Do outro lado da água, bem de fronte,
Pelas luzes, as formas e a presença
Que olhando podemos vislumbrar…
É neste contexto que te chamo
De sonho, de alma, de paixão,
É nesta paisagem que te amo,
Na relva, na varanda, no colchão…
Perco-me em teu olhar
E sou feliz,
Feliz por te sentir,
Por te tocar,
Por saber que amanhã
Vou acordar
Com tua fragrância em meu nariz…
Mas mais do que esta ilha
Deslumbrante,
Inventada para amores intensos,
Vivos,
Tu és, amor, hoje e doravante
A paisagem de meus passos
Ainda conjuntivos…
Mas em montes e vales me quero perder,
Nas tuas paisagens vou viver,
Sem precisar de outros atrativos…
São paisagens reais que amo e friso
Só porque adoro estar no paraíso…
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
“PORTO E PORTAL”
Morro de S. Paulo, Tinharé,
Cheira a Brasil e a saudade,
Aroma mais puro que o café,
Um cheiro profundo
A felicidade…
Descer na paisagem,
Até tocar o mar,
Por rampa de miragem
Singular,
Onde carros de mão,
De malas cheios,
Dizem ser táxis,
Sobem de escalão,
Movidos a braços
Num calor de Verão…
E atracado bem perto a um portal
Que com coragem a tudo resiste,
Feito de séculos, pedras e de cal,
De obra humana firme que persiste,
Qual testemunha histórica da vila,
Eis que se pode vislumbrar o porto…
Subir, descer, andar, pareceu desporto,
Recebem-se os turistas de mochila
Pois no ponto de entrada e de saída,
Neste recanto onde o amor cintila,
A paisagem parece desmedida…
De um lado, o morro da saudade
Ou de São Paulo, bem colorido,
A onde o sonho vira realidade,
Do outro, o portal, o porto, o mar
E lá no fim, quase que esquecido,
Uns rasgos traços tentam desenhar
A terra ao fundo, o continente,
As margens da baía, como espuma,
Desvanecida assim por entre a bruma,
Tão longe desta ilha, desta gente….
Nós viemos lá da outra banda,
Transferidos por um velho bimotor,
Que, pelos ares, cumpriu sua demanda
De nos trazer à terra do amor.
Do aeródromo ao morro, meia hora,
Por caminhos de areia, cá chegamos…
E quando na base do morro estacionamos,
Vieram logo os táxis, sem demora.
Carrinhos de mão, daqueles das obras,
Com moleques, tisnados pelo Sol,
Pareciam sapos, lagartos, mesmo cobras,
Imitando na subida dura, de andar mole,
O passo da lesma, lagarta ou caracol.
Nos carrinhos… as malas dos turistas,
Enquanto estes se perdiam com as vistas.
Já nós os dois, amor, de mãos entrelaçadas,
Namorámos morro a cima e na descida
Vendo botecos, lojinhas e esplanadas,
Pensámos estar vivendo uma outra vida,
No paraíso perdido da paixão,
Lembras-te querida?
Até de ti,
Armada em atrevida,
Levei um apalpão,
Sem saber ler,
Nem achar que o posso descrever…
Por fim, porto e portal,
Num largo, feito movimento,
Onde amar parece natural.
Ali o amor tem cor,
sabor e cheiro,
Porque ali
O romance é hospedeiro,
De mim, de ti,
De nós,
Em imprevistas
Emoções,
Impulsos e ecos egoístas,
Do bater dos corações apaixonados
Ao qual nos rendemos,
Num torpor,
Que por amor,
Nos faz do verbo amar escravizados…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da Paixão
V
“RUMO AO MAR”
Do céu tudo fomos
Mirando,
São Salvador, a baía e umas ilhas,
Que lá no horizonte
Se focando,
Pareciam estar a muitas milhas…
Uns pontos verdes no mar
E na paisagem
Frente à baía,
Quase uma miragem,
Como gotas puras,
Meigas, generosas,
Quais gemas saindo preciosas
Do Atlântico
Que lhes presta vassalagem…
Por fim,
As mornas chuvas tropicais
Iam, passo a passo, lavando,
Nas ilhas,
O verde e o ouro naturais
Em instantes, minutos,
Já limpando
Os tons de jade puro e de cristais…
E enquanto o avião descia,
Em curva,
Sorrindo às nossas mãos
Entrelaçadas,
Ainda eu sentindo a vista turva
Beijava as tuas faces,
Pela luz, rosadas.
Descemos ao solo
Sem ravinas,
Rapidamente
O aeroporto se perdeu,
Pelas estradas brilhando,
Genuínas,
Lavadas pela chuva,
Que choveu…
Seguimos rumo ao mar
Só tu e eu
Nem enlace perfeito de encantar…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da Paixão
"VEM"
Vem...
Extraterrestre que o céu
Ao Homem te entregou
Porque as fábulas não servem pra sonhar!
Vem...
Fantasma que a casa
Ao anoitecer expulsou
Porque as fábulas não são para assustar!
Vem...
Sereia que o mar
Um dia rejeitou
Porque as fábulas não sabem nadar!
Vem...
Lobisomem que a Lua
Uma noite abandonou
Porque as fábulas não vivem ao luar!
Vem...
Abominável Homem que a neve
Uma manhã desmascarou
Porque as fábulas não sabem hibernar!
Vem...
Vampiro que a noite
Ao nascer da aurora atraiçoou
Porque as fábulas não vivem a sangrar!
Vem...
Loch Ness que o lago
Da eterna neblina se acabou
Porque as fábulas também têm de acabar!
Vem...
Conto de fadas, mito, animação,
Mistério oculto no fundo mais profundo,
Bruxedo, animal, pré-histórico, ladrão,
Mágico, mago, astronauta em novo mundo...
Vem...
Venham... bruxa, fada, feiticeira, anjo,
E porque não um pouco de diabo,
Adamastor nas dobras de outro cabo!
Vem...
E sejas conto, fábula, ou página de história,
Ou auto da derrota ou da vitória,
Mito, religião, Bíblia, mentira,
Credo, cruzes e um pouco mais de fé...
Vem...
Venham encher com tudo isto esta minha alma
Que ficou cega, vazia, nua,
Abandonada...
E quer poder sonhar
E ser amada
Mesmo que o preço seja não ser nada!
Vem...
Porque as fábulas não servem pra sonhar!
Porque as fábulas também têm de acabar!
Gil Saraiva