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Estro

Estro do meu ego guarda a minha poesia, sem preocupações de forma ou conteúdo, apenas narrativas do que me constitui...

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Livro de Poesia - Plectros de um Egrégio Tetro Umbrático: A Margem do Rio - V

Margem de um Rio.jpg

            V

 

"A MARGEM DO RIO"

 

Lembrei-me hoje do Arade,

O rio que nasce a Sul, no Caldeirão,

Passa Silves e desagua no Atlântico

Separando Lagoa e Portimão.

Setenta e cinco quilómetros de água doce,

Vinda da serra algarvia onde nasceu,

Para dar vida ao sequioso barlavento,

Maior do que o Gilão, a sotavento.

 

Um rio velho nos anos,

Pleno de tradições, fados, saudades,

Memórias de um Algarve antigo onde o castelo

Recorda os tempos do reino à beira-mar,

Lembrando mouros, batalhas e conquistas,

Cavaleiros e nobres feitos alpinistas.

Descansa Silves pelas verdes colinas,

Instalado na calma à beira Sol.

É triste o descansar desta cidade,

À beira-rio assoreada, entristecida,

Há séculos sem o porto majestoso

Que outrora lhe deu fama, glória e vida.

É triste o arrastar da urbe antiga,

De altivo castelo vigilante,

Ainda atento a séculos de história…

É triste o repousar, pois que esquecida

Parece estar do mundo a terra amada,

Estagnada nas areias do rio e das ribeiras.

 

Silves dorme, mas não sonha,

Anseia um despertar, um sortilégio,

Um líder nascido das águas, por ventura,

Como outro que a sede lhe matou,

Em tempos idos, D. Sancho I,

Rei de Portugal e do Algarve.

Silves espera paciente nestas horas,

Porque sabe esperar, é tradição,

Aguarda serenamente, mas com esperança,

Porque a espera não será em vão,

A chegada de um filho do Arade,

Para se erguer altiva uma vez mais.

 

A margem do rio tem os seus segredos,

Cenas de dor, de luta e de paixão,

Desde a serra que vem, entre penedos,

Traçando planos, barragens, erosão.

Foi na margem do rio que eu conheci,

Nos idos anos de um milénio já passado,

O calor franco do amar demais,

Em plena noite de São João.

Lua cheia, preenchendo-me amplamente o coração,

Pelos olhos de água de uma mulher divina,

Em corpo adulto um rosto de menina.

A pele morena,

Vestes feitas de brisa acalorada,

Um sorriso perfeito de que vale a pena

Esperar por sentir a alma apaixonada.

Foi nessa mesma noite que fizemos amor,

Ali, na margem do rio, sem vergonha,

Sob a vigília da Lua prateada

Brilhando nos olhos de quem sonha

Sentindo entre os braços sua amada.

 

Adormeci ao luar abraçado a esta mulher,

A quem jurei amor, fulgor, dedicação,

A quem me dei de alma e coração,

Que a margem do rio, haja o que houver,

É testemunha da nossa paixão.

Porém, a manhã me despertou sozinho,

Procurei a minha deusa enfeitiçada,

Mas qual borracho em abandonado ninho,

Na grande busca não encontrei nada.

Passou num jumento um velho ermita,

Sorriu-lhe tristemente a face enrugada

E interrogou, como por desdita:

- Foi sua, esta noite, a Moira Encantada?

 

Gil Saraiva

 

 

 

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