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"UM POEMA"
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Se for ouvido é música divina,
É arte,
É voz...
Mas se na valeta
Do esquecimento ele cair
Então…
O poeta morreu uma vez mais,
Mas não sem antes sofrer muito
Para além do suportável
Pelo comum dos mortais...
Quantos de nós,
Muito além desse sentido,
A que chamamos de audição,
Escutamos realmente o grito mudo?
Quantos de nós ouvimos
No marasmo do nosso quotidiano
Um só poema?
"-Depende..."
Dirão os mais sensíveis...
"-Eu acho que sim!"
Afirmarão os convencidos
Pelas lições que a vida
Lhes foi dando...
"-Eu escuto..."
Dirás tu
Com medo da tua própria voz...
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Gil Saraiva
![Tiananmen.jpg Tiananmen.jpg]()
"TIAN AN MEN"
(AS VINDIMAS DE JUNHO)
Cantam as vindimas os Podadores,
Cantam na Praça de Tian An Men...
Vindimas de junho
Onde uvas, aos cachos,
Aguardam a poda...
E há quem as ouça... parecem gritar:
"- Queremos Liberdade! Democracia...
E embora com medo queremos Liberdade!
Não vamos fugir,
Somos milhares pedindo uma voz,
E apenas uma,
Hoje e aqui em Tian An Men,
No lar da Paz Celestial...
Tien An Men, Tian An Men,
Pedimos apenas o que é natural!..."
Fazem chacinas os Caçadores,
Caçam na Praça de Tian An Men...
Chacinas de junho
De foice e martelo, de gás e de bala,
De bomba e canhão, de tanques estanques,
Ceifam-se estudantes...
Morrem às dezenas, centenas, milhares,
Qual carne picada triturada a aço;
Não sobra pedaço...
No lagar de horrores o mosto já fede!...
E choram as vítimas dos Podadores
Choram na Praça de Tian An Men...
Vítimas de Junho...
Só os mortos cantam, num descanso ameno,
Na Praça da Paz Celestial...
Vítimas do medo, que o Poder tremeu,
Vítimas tão cedo de quem não cedeu...
Mortos, mais mortos e outros ainda
Que em Tian An Men
Pra sempre ficaram...
E só porque ousaram pedir Liberdade
Pra poder falar e ouvir e ler,
E poder escolher
Entre concordar e não concordar...
E contam as vítimas os Ditadores
Contam na Praça de Tian An Men
Um, dois, três, cem, mil, e mais e mais...
Aumentam os corpos ceifados a esmo:
Mulheres, homens, velhos, crianças,
Dois mil, três mil...
Vale mais não somar,
Esquecer os totais...
Que em Tian An Men,
A praça da Paz Celestial,
Nasceu um Inferno feito por mil Dantes...
O Verão foi Inverno... morreram estudantes...
E cantam os Anjos num coro de dor
Cantam as Almas de Tian An Men...
E a China já chora
O chão decorado de ossos e tripas,
De músculos rasgados,
Banhados no sangue de um mar de mártires:
Um novo Austerlitz!...
No tocar dos extremos
O sangue é fusão...
Cantam as vítimas os Podadores
Tomara que só em Tian An Men...
Tomara também que no Luso Ocidente,
Vindimas não hajam
Nos meses errados...
Cantam as vítimas os Podadores
Tomara que só em Tian An Men...
Vítimas de Junho...
Pisaram-se as uvas e embora verdes
Um mosto vermelho encheu o lagar
- Tian An Men... Tian An Men...
Os bagos esmagados parecem falar...
E cantam as vítimas os Podadores
Tomara que seja o Canto dos Cisnes...
Gil Saraiva
![Sarajevo.jpg Sarajevo.jpg]()
"SARAJEVO"
- Mãe ... oh mãe, mãe!?
Tenho fome, mãe...
Mãe... oh mãe, mãe!?
Tenho medo, mãe...
Mãe, oh mãe, mãe,
Tenho frio mãe...
Eu vou morrer, mãe!!!
É sempre assim
Dia-a-dia,
Sempre e sempre
E já vai longo o tempo
Em que é sempre assim
Em Sarajevo...
Quando irão crescer,
Em esperança,
Estes tão tristes seres
Na idade dos sorrisos?
Alguns conseguem
Fugir...
Mas quantos ficam pra sempre
Nos despojos da guerra?
Até quando ouvirá
O Mundo
E em quantos Sarajevo
Aquele grito de angústia:
- Mãe... oh mãe, mãe!...
Gil Saraiva
![Medo.jpg Medo.jpg]()
"MEDO..."
Na noite os pensamentos se refletem
No fumo de um cigarro a consumir...
No desejo real de querer fugir
Dos desejos que uns olhos comprometem...
E as sombras nas paredes medo metem...
E no ar o silêncio faz-se ouvir...
E em mim sobe o desejo de sentir
O amor que os teus lábios me prometem...
Mas tenho medo que à noite me iluda...
- Quem és? Tu que me olhas ternamente ...!?
E essa sombria sombra respondeu:
- Sou uma amiga que te ofereceu ajuda.
- Mas diz-me quem és tu? (Disse insistente).
- Eu sou a Morte, o Fim, o Apogeu!
Gil Saraiva
![Cedo.jpg Cedo.jpg]()
"CEDO"
Eu quero amar-te! Sim! Com que ansiedade...
Ó única, dos olhos meus, miragem...
Ó por ninguém, jamais, vista paisagem,
Só porque nunca alguém viu a verdade!
Eu quero amar-te p’ra sentir saudade...
Eu quero, ao longe, ver a tua imagem
Projetada em meu corpo de selvagem,
Tão louco por perder a liberdade!
E, no entanto, quero um maior bem:
O trunfo desse amor... desse segredo!
Mas encontro-me só e sem ninguém,
No mundo escuro... só... com o meu medo.
E tão só, sem poder ir mais além,
Fico tão solitário ‘inda tão cedo...
Gil Saraiva
![Gil 11 04 2019 c.JPG Gil 11 04 2019 c.JPG]()
“SOU”
Eu sou uma parte do que escrevo,
E escrevo para saber aquilo que sou,
Sou ego, animal, humano, trevo,
Sou tudo o que fui, o que amou,
Riu, sentiu, viveu e teve medo,
Esperança, fé; eu sou quem já chorou;
E continuo a achar que ainda é cedo,
Para ser muito mais daquilo que sou!
Gil Saraiva