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(Mestre Isolino Vaz - Anos 70)
III
"MESTRE"
Mestre
Entre os mestres lusitanos,
Pintor de uma só arte
E vidas muitas,
De traço certo, firme e imortal
No retratar de um mundo que era o nosso!
Retratos vivos,
De vivos e de outros idos,
Descrevendo almas e figuras,
Por entre os traços,
Em cada pincelada…
À pena, de caneta, esferográfica,
Carvão, pincel de óleo ou aguarela,
Transparente no traço
E na pintura,
Como se em cada tela,
Vitral, ardósia, cerâmica ou barro,
Se vislumbrasse o ser,
Tal como sai perfeito o mel à abelha,
Ele assim as almas também espelha.
De um neorrealismo único,
Com a transparência
De vidro ou de janela,
O Mestre retrata a figura
Onde por detrás a alma espreita.
Vidente de almas
De figuras de ilustres lusitanos,
Ou do povo no seu todo
Ou parte a parte,
O emigrante, o mineiro,
O filósofo, o escritor,
O Povo, o herói, a personagem,
Que nada se esconde ao traço do pintor,
Mestre maior do retrato em Portugal.
Mestre Isolino Vaz
Tinha por nome,
Pintava o sentimento com amor,
Desenhava a pobreza,
A dor e a fome!
Mestre a ver a vida,
A ver a morte,
Nenhum outro como ele pintava
A ditadura, o vício, a avareza,
O luxo, a vida dura,
A injustiça,
A falta de nobreza,
As mágoas do infinito,
Os rios do tormento,
As vagas da aflição,
O pó, o fel
E o chão…
Gil Saraiva
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(Miguel Torga por Isolino Vaz)
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"OS AZARES DE UM HOMEM DE SORTE"
Sou um homem de sorte!
Perguntam-me porquê?
Coisa mais simples:
Tenho a sorte de ser feliz,
Alegre,
Um otimista, enfim...
Mas e a Vida corre bem?
Ah... a Vida...
Essa ingrata criatura,
Sem forma ou rosto,
Nem sempre corre
Quanto mais bem...
Se é pra subir,
Subir na Vida,
Quase gatinha
A pobre atrapalhada.
Mas a descer é mestre,
Dá cartas,
Tem os recordes todos
E as medalhas...
Parece andar a jato,
É campeã!
Nos momentos sem altos
E sem baixos
Marca passo,
Conta um por um,
Como se cada passo
Fosse ouro
Que há que guardar para sempre,
Qual tesouro!...
É prima dos Azares a minha Vida,
Com eles convive sem pudor,
Dão-se tão bem,
No dia-a-dia,
Que chego a pensar
Se não seria melhor
Que casassem por amor!...
Se casa, carro, mulher,
Perco de uma vez apenas,
Diz-me a Vida que é banal...
Um azar nunca vem só!...
E se um outro azar houver
É normal,
É natural:
Seja a falência da firma,
Seja o que Deus quiser...
Um azar nunca vem só!
Mas sou um homem de sorte!
Estou vivo,
Choro e coro
Com todas as minhas forças...
E nem a madrasta Morte
Me bate à porta, faz tempo...
Para rir
Basta um sorriso
De quem me quer
Como sou...
Ah! Sim...
Eu sou um homem de sorte...
Tudo o resto são más línguas;
Coisas
Que o vento levou...
E se a tal,
A minha Vida,
Comigo quiser viver,
A sorrir
Tem que aprender,
Que eu tenho mais que fazer
Que aturar os primos dela,
Esses Azares
Sem gosto,
Viciados no desgosto...
Sorriam, estou bem disposto,
Pois sou um homem de sorte,
Para quem sempre é Natal
Ou Páscoa ou Carnaval...
Sou um ser dos alegres
Que sorri até para o não!...
Os Azares de um homem de sorte
Valem pouco, nada são!...
Gil Saraiva