V
"ACHAS SOBRE VIDA E MORTE"
Desde que temos história que os poderosos
Se afirmam justos, senhores da verdade,
Protetores da lei ou seguidores de Deus.
Não importa se falamos dos Talibãs,
De Israel, da Rússia de Putin, da Venezuela,
De Bolsonaro ou do MIA
(O ridículo Movimento de Independência do Algarve).
Pelo caminho dessas verdades
Ficam milhões de mortos e feridos, fuzilamentos,
Crianças envenenadas, torturas, violações, escravidão,
Cremações em vala comum,
Encobrimentos e crimes ainda por revelar.
Por sorte minha, nunca vou ter de saltar esse muro,
Não por esquecimento de uma função
Que me foi atribuída por alguém,
Apenas porque nem sei se existo…
E falo de ontem, de hoje ou de amanhã.
Em síntese, se eu for real,
Como posso aceitar e viver com tudo isto?
A morte é das poucas coisas que não se repete,
Porém, chega sempre cedo,
Sempre cedo chega,
Por muito tarde que venha.
Já a vida, essa, é a doença suprema,
Porque, inevitavelmente, o doente morre sempre.
Assim sendo, a vida, só o é
Enquanto não se sabe quando acaba
E, finalmente, o pior dos mortos
É o biologicamente vivo!
Faz cinquenta anos que John Lennon lançou “IMAGINE”
E ainda não aprendemos nada!
Talvez o melhor seja, mesmo, apenas imaginar...
Gil Saraiva
XLII
"ALÉM DA MORTE"
Eu amo-te, Ah!... Como eu te amo vida,
Luz, alma gémea, em mim redescoberta,
Tu és o rosto azul, na sala aberta,
Ao Sol que da janela, de fugida,
Te torna mundo, terra agradecida,
Por seres nascente, fonte, na deserta
Planície de mim, por ti desperta,
Qual Primavera solta, ao ar florida!...
Eu te amo, meu amor, flor encantada,
Perfume que o meu ser à força quer,
Deus, que por Deus, de mim, fará mulher,
Para tornar minha alma apaixonada!
Tu és o meu cometa, a minha sorte,
E neste verso, és meu... além da Morte!
Ariana Telles
XXXI
"RIBEIRA"
Namoram namorados na Ribeira
Entre a miséria de quem vende fruta...
Namoram uns, e os outros na labuta
Choram o que lhes falta na algibeira...
E passa esfarrapada uma estrangeira,
Cobiça-a um canalha, mas que à truta
Que a mãe tenta vender com ares de puta
Quando não passa, a pobre, de peixeira...
Namoram namorados junto ao rio,
Formado pelas lágrimas da fome
Daqueles para quem um inverno frio
Retrata a dor intensa que os consome...
Namoram namorados cheios de sorte
Porque a outros, ali, namora a Morte!
Gil Saraiva
(entre cá e lá...)
XXXIV
"ALÉM DA MORTE"
Eu amo-te, Ah!... Como eu te amo vida,
Luz, alma gémea, em mim redescoberta.
Tu és o rosto azul, na sala aberta,
Ao Sol que da janela, de fugida,
Te torna mundo, terra agradecida,
Por seres nascente, fonte, na deserta
Planície de mim, por ti desperta,
Qual primavera solta, ao ar florida!...
Eu te amo, meu amor, flor encantada,
Perfume que o meu ser à força quer,
Deusa que Deus, um dia, fez mulher,
Para tornar minha alma apaixonada!
Tu és a minha estrela, a minha sorte,
E neste verso, minha… além da Morte!
Gil Saraiva
III
“MORTE”
Todos nós vivemos
Os momentos da Morte
Em instantes que temos
Em mágoa, sem passaporte.
Em memória das memórias
Da nossa identidade
Em silêncio
A nostalgia
Só chora a saudade...
Todos nós choramos
As agruras da Morte
Em instantes cavados
Na sepultura sem Norte.
Melancolia
É a cama
Em que me deito
No taciturno marasmo
Da minha solidão...
Todos nós perdemos
Vidas para a Morte
Em instantes de dor,
Sem rede, sem suporte.
Vagabundo dos Limbos eu sou:
Soturno no existir,
Perdido na alma,
Sombrio no ser...
Uma réstia de sol
Que se apaga tristonha
No mais belo poente...
Todos nós sentimos
Os atos da Morte
Nos instantes da sede, da fome,
Da lei do mais forte.
Como se, até eu,
No tétrico chegar da noite
Fosse o fúnebre negrume
Das trevas,
Gritando o luto
Da minha própria morte...
Todos nós sabemos
Que existe a Morte
Dos instantes onde falta
Saúde, sustento ou simples sorte.
Gil Saraiva
IX
"O DIA INTERNACIONAL DA MULHER..."
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher,
Mas...?
Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias
De quem são?
Um, eu sei...
Onde há peru ou leitão...
É Natal,
Dia do Rei,
Do Papa ou do sacristão...
Outro ainda eu conheço,
É terça de Carnaval,
Tem também um da Criança
E outro dos Namorados...
Mas que nos importa afinal
Esses dias de lembrança,
Seja dia de Finados
Ou dum longo tempo Pascal?
E o dia do ladrão?
Da alegria? Da velha?
Da fome ou da tradição...?
Ninguém me diz quando são?
O Dia Internacional da Mulher...
Mas que coisa que inventaram,
Um dia que aproveitaram
Para enganar… quem quiser...
Exploram e chamam fraco
Ao sexo feminino...
Esse bebé é menino?
Ou… a menina está bem?
Não!
Eles não enganam ninguém!
É medo... Eu sei!
É medo que fique forte...
Dão-lhe um dia, fazem corte,
E através dele criam lei...
Mas que grande hipocrisia,
Dos senhores da valentia...
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher.
Mas...? Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias de quem são?
São daqueles a quem
Um seio materno
Deu vigor, amor, dedicação...
São daqueles por quem
Esse ser terno
Sentiu dor, fome,
Raiva, humilhação...
Nos outros dias do ano,
Nos dias do dia-a-dia,
Eu vejo a panela ao lume,
A casa passada a pano,
A rotina do costume:
Roupa cosida, lavada,
Comida bem preparada,
Casa pronta,
Chão esfregado,
E o soalho encerado...
Mais o trabalho lá fora,
Pago por meio ordenado,
Se quiser ou vai embora...
Nos outros dias do ano
Sexo fraco é para manter,
Assim manda o soberano,
Porque assim é que é viver...
Ter que ser mãe
E ser escrava,
Fazer tudo e calar só.
Andar descalça na lava
E depois limpar o pó...
E não esquecer o marido,
Pois o pobre homem,
Coitado,
Deve estar aborrecido,
Se deve sentir cansado,
Porque cansa
Ser servido
E dar ordens bem sentado...
O outro dia foi o Dia Internacional da Mulher…
Mas...? Então... e hoje...?
E os outros trezentos
E sessenta e quatro dias
De quem são?
Não importa!
Mulheres do mundo inteiro,
Digam: Não!
No Paquistão,
Ou no mais simples outeiro...
Desse dia da mulher
Façam um dia de luta!
Porque há de a mulher
Ser puta e o homem
Garanhão?
Nesse dia da mulher
Façam vigílias e luto
Contra o Patriarca bruto,
Neste mundo
De tabus e repressões...
Digam bem alto,
Gritando:
"- Chega de humilhações!"
Que esse dia da mulher
Seja apenas mais um dia
Para as que já conquistaram
O que mundo lhes devia...
Porém,
Para a maioria:
É o dia da revolta,
Não de festa,
Mas de garra,
De uma garra
Que se solta
Para acabar a fanfarra,
Para impor a igualdade,
Para conquistar:
Liberdade!
O outro dia
Foi o Dia Internacional da Mulher...
Gil Saraiva
"OS AZARES DE UM HOMEM DE SORTE"
Sou um homem de sorte!
Perguntam-me porquê?
Coisa mais simples:
Tenho a sorte de ser feliz,
Alegre,
Um otimista, enfim...
Mas e a Vida corre bem?
Ah... a Vida...
Essa ingrata criatura,
Sem forma ou rosto,
Nem sempre corre
Quanto mais bem...
Se é pra subir,
Subir na Vida,
Quase gatinha
A pobre atrapalhada.
Mas a descer é mestre,
Dá cartas,
Tem os recordes todos
E as medalhas...
Parece andar a jato,
É campeã!
Nos momentos sem altos
E sem baixos
Marca passo,
Conta um por um,
Como se cada passo
Fosse ouro
Que há que guardar para sempre,
Qual tesouro!...
É prima dos Azares a minha Vida,
Com eles convive sem pudor,
Dão-se tão bem,
No dia-a-dia,
Que chego a pensar
Se não seria melhor
Que casassem por amor!...
Se casa, carro, mulher,
Perco de uma vez apenas,
Diz-me a Vida que é banal...
Um azar nunca vem só!...
E se um outro azar houver
É normal,
É natural:
Seja a falência da firma,
Seja o que Deus quiser...
Um azar nunca vem só!
Mas sou um homem de sorte!
Estou vivo,
Choro e coro
Com todas as minhas forças...
E nem a madrasta Morte
Me bate à porta, faz tempo...
Para rir
Basta um sorriso
De quem me quer
Como sou...
Ah! Sim...
Eu sou um homem de sorte...
Tudo o resto são más línguas;
Coisas
Que o vento levou...
E se a tal,
A minha Vida,
Comigo quiser viver,
A sorrir
Tem que aprender,
Que eu tenho mais que fazer
Que aturar os primos dela,
Esses Azares
Sem gosto,
Viciados no desgosto...
Sorriam, estou bem disposto,
Pois sou um homem de sorte,
Para quem sempre é Natal
Ou Páscoa ou Carnaval...
Sou um ser dos alegres
Que sorri até para o não!...
Os Azares de um homem de sorte
Valem pouco, nada são!...
Gil Saraiva
"CHORAI"
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Aqueles que chutam a bola
Apocalíptica dos sonhos sem prazer...
Aqueles a quem a vida disse, um dia,
Pra sofrerem as torturas da agulha;
A doce sensação do não sentir;
E o ventre seco e frio da própria
Morte...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Aqueles que veneram a miragem negra,
Heroína suprema dos homens
Sem rosto, sem nome
E sem força de vontade
Ou sem amor...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Porque deles é o reino da vida
Sem Futuro,
Porque neles tudo é estéril,
Seco e sem sentido;
Porque eles são o espelho mais triste
Do Inferno.
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Porque entre eles passeia a Negra Dama,
Plena de clientes, satisfeita...
Porque de Tchernobil já estão vacinados...
Porque oxigénio, Amazonas e ozono,
São coisas supérfluas, palavras soltas,
Num mundo que deixaram já faz tempo...
Porque a SIDA é apenas um atalho,
Não um mal, apenas e somente
O caminho mais curto para quem
Já não tem tempo...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Lagartas fechadas num casulo
Selado nas veias, ocas de sangue,
Plenas de vício e de tristeza...
Crisálidas, uns insetos humanos
Que nunca serão gente;
Vazios de esperança, carentes de voz...
Seres de asas queimadas
Que jamais voarão rumo à liberdade;
Que jamais sentirão o cheiro das flores,
O gosto, o gozo de voar, ser borboleta...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Chorai lágrimas de amigo, irmão, de primo
Ou filho até...
Chorai os que odeiam, agora, a luz
do Astro Rei...
Chorai os corpos vivos
A quem a mente abandonou...
Chorai aqueles que andam à procura
Da alma que não sabem encontrar...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Chorai também aqueles olhos parados...
Deus…!!!
Aqueles olhos parados de quem já foi criança,
De quem era tão engraçadinho
Nos primeiros sorrisos... lembram...?
E quando, um dia, ele te chamou "- Mamã..."
Ainda te recordas…?
E quando, a dado momento,
Deu os primeiros passos,
E tu, pai orgulhoso,
O abraçaste entre as essas mãos,
Amostras firmes de vigor,
Então tão carinhosas...
Não é fácil esquecer…!!!
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Que já tiveram mãe, avós, amigos,
A quem demos a mão,
Com quem brincamos à apanhada,
Escondidas, cabra-cega, monopólio,
Damas, xadrez, gamão, jogos de cartas,
De amor, carinho, afeto ou de amizade...
Chorai... Aqueles que sabiam quem tu eras,
A quem contavas, baixinho... a rir, talvez...
Segredos que o mundo inteiro ignorava.
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
E sejam brancos, negros, vermelhos,
Arraçados; chineses, esquimós, gregos,
Franceses, angolanos, alemães
Ou portugueses, não nos importa a nós...
Chorai...
Chorai comigo budistas,
Católicos, ateus ou protestantes;
Velhos, crianças, meninos e meninas,
Jovens na flor da idade, homens, mulheres,
E toda a gente que neste mundo exista...
Chorai...
Chorai comigo...
Uni hoje vossa dor à minha mágoa.
Chorai, chorai comigo, ó, por favor...
Que a culpa não é só de quem cultiva,
Trafica ou se vicia... Mas sim de todos nós
Que não fazemos nada para ceifar da Terra
A triste chaga... Ao menos... chorai...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Condenados por nós à Morte lenta...
Chorai...
Chorai comigo...
Chorai, chorai comigo...
Chorai...
Chorai comigo os filhos das Trevas...
Gil Saraiva
"NA ESTUPIDEZ DE UM POETA"
Na estupidez de um poeta
O âmago é o sonho... a periferia: a realidade,
A verdade é a morte, a loucura: o amor.
Na estupidez de um poeta
A vida é uma questão sem resposta:
Até quando?
Na estupidez de um poeta
O bonito foge à moda,
O medíocre devia sê-lo,
A razão é relativa e a mulher: absoluta.
Na estupidez de um poeta
Há duas opções na vida:
O egocentrismo e o idiotismo
Mas qualquer dos dois é feliz.
Na estupidez de um poeta
O riso é cínico e a guerra não.
E se o saber não ocupa lugar
Para quê haver problemas?
Na estupidez de um poeta
A política existe, a poluição existe,
A ameaça nuclear existe,
Porque toda a merda é orgânica!
Na estupidez de um poeta
A existência é sádica, o Homem: masoquista,
E o pensamento é a fusão dos dois...
Gil Saraiva
"MEDO..."
Na noite os pensamentos se refletem
No fumo de um cigarro a consumir...
No desejo real de querer fugir
Dos desejos que uns olhos comprometem...
E as sombras nas paredes medo metem...
E no ar o silêncio faz-se ouvir...
E em mim sobe o desejo de sentir
O amor que os teus lábios me prometem...
Mas tenho medo que à noite me iluda...
- Quem és? Tu que me olhas ternamente ...!?
E essa sombria sombra respondeu:
- Sou uma amiga que te ofereceu ajuda.
- Mas diz-me quem és tu? (Disse insistente).
- Eu sou a Morte, o Fim, o Apogeu!
Gil Saraiva