II
"DESEJOS DE UM ZÉ NINGUÉM"
Pensar não custa nada mesmo
E nem impostos paga, de momento,
Porque não posso, então,
Eu querer o mundo?
Fazer o que desejo a esmo,
Tornar realidade o pensamento,
No tempo certo,
Ao minuto ou ao segundo?
É difícil, preciso batalhar.
Não depende só de mim
E do que eu quero?
Que venha a batalha a conquistar
E se for preciso esperar,
Eu também espero!
Tenho desejos de um Zé Ninguém
E não me importo,
Preciso de na alma ter alguém,
Com quem luto
E de quem sou porto.
Mais do que isso,
O que vier, virá por bem!
Eu quero amar o ser,
Feito à medida
De tudo o que sou,
Faço e gosto,
Eu quero ser entrada e ser saída.
E não me digam
Que há mais quem mereça
Que o que me interessa a mim,
É importante!
Sem cérebro e cabeça
O corpo é indiferente,
E eu procuro o todo,
Um todo vibrante,
Que de mim arranque vida,
Amor e mente,
Pois que serei, também,
Servo e almirante.
O que quero de ti é outro bem,
E não quero, amor, eu ter recusa,
Quero sentir teu sangue
A cada instante,
Pulsar nas minhas veias
Porque abusa
De tudo o que me constitui e faz amante.
Vem escorrer no meu corpo
O corpo meigo
Do teu existir belo e fascinante
E faz de mim o crente, agora leigo.
Vá, vem-me conquistando
Ternamente,
Com tua alma singela, tão saudosa,
A quem a minha, calmamente,
Se vai também juntando
Ao sentir-te a coragem valorosa,
Me atraindo num olhar perdido e brando
Ao esticares essa mão,
Assim, gloriosa.
Vá, vem-me dar vida
E vem-me libertando
Da solidão que é ferida,
Que fere a alma e magoando
Parece habitar em toda a parte.
Vá, vem parir estes desejos
De Zé Ninguém, cobrir de beijos,
Vem dar-me a vitória feita arte,
Pois que de ti
Não há como - vá lá, sorri -
Jamais, nunca, me farte!
Gil Saraiva
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XV
"NINGUÈM O QUIS”
Morrer
No mais profundo anonimato,
Como a abelha,
A mosca
Ou o moscardo.
Morrer
Com o nome de bastardo
Gravado a ferros
Em mim e só em mim,
Já tatuado!
Eu que bastardo não sou,
Mas o que importa,
Se o ferro o gravou,
Fechando a porta.
Eu vou morrer no eco dos sentidos,
Num abraço,
De garganta sedenta
Por bagaço,
Por uma vida que me mata
A cada passo.
Mas antes de morrer,
Que mais, então?
Não sei para onde vou
Ou o que fiz.
Durante toda a vida, este meu ser,
Nunca soube servir ou ser feliz,
Nem comover,
Talvez,
Também,
Porque ninguém o quis.
Gil Saraiva
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VIII
"ZÉ NINGUÉM"
Ele é mesmo
Um Zé Ninguém,
Ninguém sabe
De onde vem,
Como pode então
Um dia
Ele ser alguém?
Ele não tem
Opinião,
Nem passado, nem futuro,
Tem na mão
Um presente sem seguro...
Zé Ninguém
És tu e eu,
Outro alguém
Que já viveu...
Zé Ninguém,
Quantos assim o mundo tem?
Zé Ninguém
Não topa nada,
Não entende uma charada,
Mas serás tu mesmo cego
Zé Ninguém?
Zé Ninguém
Existes,
És ninguém,
Persistes,
És espantoso
Zé Ninguém
Nunca desistes...
Ele não tem
Opinião,
Nem passado, nem futuro,
Tem na mão
Um presente sem seguro...
Zé Ninguém
És tu e eu,
Outro alguém
Que já viveu...
Zé Ninguém,
Quantos assim o mundo tem?
Ele é mesmo
Um Zé Ninguém,
Ninguém sabe
De onde vem,
Como pode então
Um dia
Ele ser alguém?
Como pode então
Um dia
Ele ser alguém?
Como pode então
Um dia
Ele ser alguém?
Gil Saraiva
Nota: 1) Letra para a Banda de garagem “Rock Spot Alive” (anos 80).
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VI
"NINGUÉM OU NADA"
(Fado do Amor Sentido)
Trago guardado na memória
Uma simples negra caixa,
Um registo, a minha história,
Um passear pela Baixa...
Um sorriso, um olhar,
E coisas que já mudaram,
Um passado por passar,
Também trago as que ficaram...
Mas de tudo o que passou,
Do que eu vi, do que eu vivi,
Ninguém ou nada igualou
O que ‘inda hoj' sinto por ti...
Lembro os amores do passado,
Os amigos, os momentos,
Quem está vivo ou acabado,
As ruas, os monumentos...
Lembro as mudanças já feitas
Nas fachadas, nas cidades,
Lembro ações imperfeitas,
Revoluções, liberdades...
Mas de tudo o que passou,
Do que eu vi, do que eu vivi,
Ninguém ou nada igualou
O que inda hoje sinto por ti...
E se há quem eu nunca esqueça,
Locais agora só meus,
Também há quem não mereça
Sequer o banco dos réus...
Tudo e todos amo enfim,
Pois tudo foi o que sou:
Histórias, um resto de mim,
Que cresceu, que se alterou...
Mas de tudo o que passou,
Do que eu vi, do que eu vivi,
Ninguém ou nada igualou
O que inda hoje sinto por ti...
Ninguém ou nada igualou
O que inda hoje sinto por ti...
Gil Saraiva
Nota: Letra de Fado escrita para o meu amigo fadista Zé de Angola.
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"QUEM..."
Quem
Tem na esperança
O sussurrar cálido das marés?
Quem
Encontra no próprio reflexo a alegria
De vivo se sentir com confiança?
Quem
Procura sempre um amor
Sem temer ou mesmo desistir...?
Quem
Sabe que o impossível apenas demora
Mais tempo?
Quem
Sente o nascer do Sol
No crepúsculo insustentável da madrugada?
Quem
Jura que a palavra é só uma,
E uma apenas?
Um só alguém!...
E esse quem
Não tem o que temer,
Por que tremer,
Pois brilha mais alto,
Mais forte e mais além...!
E luta, como luta mais ninguém,
Mesmo na mais temível escuridão,
Acabando por encontrar, por conquistar,
E por sorrir, enfim, ao ver no espelho
A imagem refletora de um futuro
Que em cada segundo se torna presente...!
Que em cada impresente renasce em saudade!...
Assim...
Todos saberão conhecer o tal de quem,
Que no sussurrar ameno das marés,
Completará um próximo devir,
Com a forma simples de um sorrir...
Mas será realmente que esse quem,
Com a imatemática clareza dos sentidos,
Sente, o amor, sem incerteza?
Mesmo sem temer ou desistir?
Talvez...
Quantos ou quantas acharão sinais
E por engano se julgarão escolhidos?
Só quem acreditar que jamais
A ilógica absurda, de um tão grande amor,
Poderia servir de engodo vil
Ganhará a glória terminal!
E esse alguém terá...
No sussurrar cálido das marés,
Na alegria de vivo se sentir,
Na procura impossível sem temer,
No crepúsculo insustentável da madrugada,
No brilho mais alto, mais forte, mais além,
Na busca perdida pelos Limbos,
E na mais temível escuridão,
A taça da vitória conquistada,
A certeza de saber que o quem
É ele ou ela e mais ninguém!
Para mim,
Apenas importa esse meu quem!
E espero meu amor, querida, meu bem,
Que a taça seja eu e ela tua,
Tal como o infinito é mais além,
Tal como da Terra satélite é a Lua...
E só assim,
Por fim,
Na forma de um sorriso, feito belo,
O meu quem se refletirá da cara nua,
Por provir simples, franco, singelo,
Desse amado rosto, dessa face tua!
Gil Saraiva
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IX
"CAI O MEDO"
Cai o medo na cidade
E chamam-lhe noite.
Porém,
O Sol sorri ao Povo intimidado,
Mas para os que tremem
No calor
O eclipse aparente não existe
Pois, pura e simplesmente
Já estão cegos...
E para todos eles
As Trevas são reais...
Cegos de medo,
Sedentos de conforto e segurança,
Amantes do estável e do firme
Porque nada mais há de tão hipnótico...
Eles:
Cegos, sedentos e amantes,
São os condutores
Da noite eterna...
"- O Sol só queima o corpo,
Eu nunca o vi brilhar
Na minha alma..."
Parecem dizer as bocas mudas,
Fechadas na noite,
Cariadas de vontade própria...
Cai o medo na cidade
E chamam-lhe silêncio...
Ninguém ouve, ali, agora,
Os gritos dos amordaçados,
Calados pelo estômago,
Apagados no marasmo da noite
E do silêncio...
Cai o medo na cidade
Mas ninguém, ninguém,
Mesmo ninguém
O parece sentir...
No fundo
Todos somos autistas,
Na noite e no silêncio,
Do vil quotidiano...
O medo não vem no dicionário
É mero gene transmitido...
"- Antes sobreviver do que viver..."
Pensamos todos nós
Sem repararmos
Que o nosso pensamento é viciado...
Somos filhos da noite
E do silêncio...
Cai silenciosa a noite na cidade
E ninguém,
Mesmo ninguém repara
Pois só caiu de noite
E em silêncio...
Gil Saraiva
![Caçadora de Sonhos.jpg Caçadora de Sonhos.jpg]()
"CAÇADORA DE SONHOS"
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Armada de vida,
Carente de presas,
Eu... pela cidade
Procuro a saída
Encontro defesas
Na alma do mundo:
Ninguém se quer dar;
Ninguém sabe amar;
Ninguém quer, no fundo,
Saber encontrar
A paz, no profundo
Calor de um segundo...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Eu vejo no dia,
Na noite bravia,
No caminho, na rua,
Entre gente, mais gente,
Vestindo essa moda
(Qual festa tardia
Ao néon da Lua),
A gente que mente
E em bares se acomoda...
E ali, nessa esquina,
Eu vejo no dia,
Na noite bravia,
Se vendendo toda,
Uma pobre menina
Que diz a quem passa:
"- Mil paus... tô na moda..."
No meio da praça,
Se vendendo toda
Joana sem caça,
Carente de presas,
Faz contas à vida:
"- Nem dá prás despesas...
Que porra de vida!..."
E gente infeliz,
Com hora marcada,
Passa e lhe diz:
"- Dou cem e mais nada..."
Caçadora de sonhos...
E tão sem saudade...
Eu já vejo agora
O riso da erva
Nos pés dessa serva,
Que vende por hora
O corpo... estragado...
De tão ser usado.
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Buscando, perdida,
A velha igualdade
Do mundo, da vida...
Buscando ilusões,
Conceitos, ideias,
Credos e orações,
Entre cefaleias...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
É assim: no leve sorriso
Dessa erva daninha;
No cato que cresce
Formando uma espinha;
Na espinha que pica
Aquela andorinha
(Coitada, infeliz,
Que sangue já chora),
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
E choro de mágoa
O gozo sinistro
De certa gentinha,
Com cara de quisto
Pejado de tinha;
E a cara alegre
De um velho ministro
Que julga esconder
O que já foi visto...
Choro... choro e volto a chorar...
Mas... riem as luzes p’la cidade fora...
Riem de mim na noite vizinha;
Riem... riem como quem ri
De uma adivinha prá qual a solução
Não se avizinha...
Riem... riem enquanto meu ser
De novo chora,
Chora como ontem,
Como hoje e agora:
Chora as meninas
No meio da praça
Se vendendo todas
Ao primeiro que passa...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Como posso caçar
Sonhos no mundo?
Como posso amar
Mais que um segundo?
Não tenho saudades
Da terra maldita,
Onde o direito
Não passa de fita...
Minha alma:
Caçadora de sonhos
É tão sem saudade...
Gil Saraiva