VII
“AS ÁGUAS”
Bebem-se caipirinhas e sorrisos,
Piropos, muitos risos,
Tudo se bebe molhado
Entre adivinhas…
Nas águas da cascata,
No relvado,
Na piscina e nas praias,
Tudo ao calor resiste e se desnata
Nos biquínis, nos chapéus, nas minissaias,
Na chuva que ao cair é catarata
E que minutos depois já se esqueceu
Porque apenas nos lavou o eu…
Ah! Isto sim, é vida!
Águas bem-ditas, mais do que água benta,
Que nos fazem esquecer uma partida,
Que embora longe já nos atormenta…
Que toquem oboés,
Que dobrem sinos,
Que do velho Sinai desça Moisés,
Que se dance o samba, cantem hinos,
Mesmo após o poente glorioso
Fazer nascer a lua prateada,
Pois tudo aqui é bom, é tudo gozo,
Tudo nos traz a alma embriagada
Neste Portaló feito virtude
Onde cada momento é plenitude…
Mas devo confessar, ó meu amor,
Apenas o teu corpo mata a sede
Deste meu ser molhado em teu calor,
Seja na cama, na relva, na parede,
Contra a qual nada tenho, nem critico,
A forma como de encontro a ela,
Em ti, atinjo, meu amor, o pico…
Tu és a água que, às vezes, cai do céu,
Mais a do mar salgado,
Do Oceano, da cascata,
A da piscina, da praia e do lavar
Só tu me passas de húmido a molhado…
Porque em ti meu corpo a sede mata,
Em golos de Sol e de luar,
Por entre a poesia e a sonata…
Nas encostas deste morro encantado,
Te sirvo eu, no crepitar das fráguas,
Para me servir de ti, musa das águas…
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
VI
“A VIGÍLIA”
O sonho parece não ter fim…
Criando pequenas praias graciosas
O mar banha os despontares de areia,
Com flores de espuma, qual jardim,
Regado a gotas de oceano, preciosas,
Pérolas de mar na maré cheia…
De forma suave, harmoniosa,
Chegam as águas fluidas à muralha,
E a meiga ondulação vai radiosa
Penteando as pedras sem batalha,
Numa paz cúmplice que enleia
As margens por onde serpenteia…
Na piscina do hotel a queda de água
Trauteia indolente a voz da vida,
Sem sinas, tristeza ou sequer mágoa,
Apenas porque a vida lhe é querida…
Ao fundo um colorido bar molhado,
Servido por morena no sorrir garrida,
Refresca, por dentro e por fora,
O mais acalorado convidado,
Para quem as cervejinhas, canapés
Ajudam a ficar mais relaxado,
Na plácida vigília dos chalés….
Subitamente, tu entras na piscina,
E a água reflete as tuas formas
Num misto de sereia e de menina,
Que rompe status quo, rompe normas,
Apenas transmitindo o sensual
Apelo ao sexo, pelo movimento,
De um nadar suave e natural.
Tocam alarmes no meu pensamento
Há muitos predadores
À solta, a esta hora,
Que, tal como nativos batedores,
Vão dar por ti e sem demora.
Qual harpia me ergo concentrado,
Para além de meu amor, tu és família,
De pé, monto o meu posto de soldado,
Anunciando que estou de vigília.
Tu dás conta do meu ar de vigilante,
Rindo, tiras da água o corpo sedutor,
Dizendo bem alto e provocante:
“- Anda, vem, vamos fazer amor.”
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
V
“HARMONIA”
Aqui,
Neste hotel me sinto estranho,
Aqui,
Nada é pequeno nem tacanho,
Aqui,
Eu vivo paz, me sinto em casa,
Aqui,
Posso voar sem grão na asa….
Por entre árvores de fruto e palmeiras,
Por entre arbustos, por entre trepadeiras,
Passam correndo répteis velozes,
Lagartos, entre o verde e o castanho,
Fugindo, sem tempo para poses,
Com medo de nós pelo tamanho
Ou pelo gargalhar das nossas vozes…
Por todo o lado
Vibra, quase com ardor, a empatia…
O sonho aqui está acordado
E a saudade é meta para um dia…
Tudo aqui
É natureza na essência,
Aves, flores, gentes e magia,
Tudo aqui
É puro, é existência,
Porque aqui
Se respira a harmonia…
Mas só por ti entendo a melodia,
São os teus olhos que me fazem
Ver o dia,
A tua boca rindo é alegria
E o teu corpo, amor,
Pura harmonia…
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
IV
“MIL AMORES”
No ar, o som das aves é vida,
É luz que brilha atrevida,
É música, é alegria
Cantada, como por magia,
Em tom de felicidade
Com força, com garra, com vontade…
Pelas calçadas e valados
De um cinza feito de matizes,
Onde desponta, aqui e ali, a cor da terra,
Pelos arbustos salpicados
Entre o verde das copas
E o amarelo das raízes,
Por entre tons do morro
Que lembram a serra,
Pelo verde, da erva, tão garrido,
Pelas pétalas que o tornam colorido,
Por toda a parte, enfim,
Pairam aromas mil
De mil e uma flores,
Pairam partes de mim
Enfeitiçado pelo estio primaveril,
Por Portaló,
Por mil amores…
Mil amores de ti amada minha,
Tu que ao existires,
Me dás sentido,
Tu que me fazes rei,
Por seres rainha,
De mil amores contados
Ao ouvido…
Por ti eu sou alguém,
Dentro de ti, vassalo e rei,
Senhor da Bruma, e mais além
Serei
De tudo o que, por ti,
Eu conquistei.
Chamas-me e me invades
Em fervores,
Que, vindos de ti,
São mil amores…
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
III
“PAISAGEM E PAISAGENS”
Do ocre das fachadas
Das acomodações e dos chalés
Imagens de cor ficam gravadas,
Se destacam os detalhes, lés-a-lés,
Das madeiras, dos alçados,
Das varandas,
Passadeiras, caminhos, cordas bambas,
Delimitando espaços e picados…
São os chalés, por fora, salpicados
De espreguiçadeiras inovando
Ora repouso ameno,
Ora pecados,
Que cabe a cada um ir desvendando…
Tudo se vira ao porto, ao mar
E a Valença,
Ponto continental no horizonte,
Que a noite, ao cair, faz revelar
Do outro lado da água, bem de fronte,
Pelas luzes, as formas e a presença
Que olhando podemos vislumbrar…
É neste contexto que te chamo
De sonho, de alma, de paixão,
É nesta paisagem que te amo,
Na relva, na varanda, no colchão…
Perco-me em teu olhar
E sou feliz,
Feliz por te sentir,
Por te tocar,
Por saber que amanhã
Vou acordar
Com tua fragrância em meu nariz…
Mas mais do que esta ilha
Deslumbrante,
Inventada para amores intensos,
Vivos,
Tu és, amor, hoje e doravante
A paisagem de meus passos
Ainda conjuntivos…
Mas em montes e vales me quero perder,
Nas tuas paisagens vou viver,
Sem precisar de outros atrativos…
São paisagens reais que amo e friso
Só porque adoro estar no paraíso…
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
II
“O REFÚGIO”
Venham visitar o refúgio
Dos poetas, criadores,
Dos amantes, pensadores,
Sem subterfúgio
Entrar com amor,
Vir sentir a paz
E a harmonia,
Num descanso tão consolador
Seja no pôr-do-sol
Ou no raiar do dia…
É aqui que escrevo
Eu estas linhas,
É aqui que estou
Eu deslumbrado,
Tentando colocar nas entrelinhas
O quanto aqui me sinto
Apaixonado…
O Portaló tem um manto de magia,
Algo me faz sentir
Enfeitiçado,
Como se num cerne de alegria
Fosse possível tocar
A nostalgia,
Sem ficar triste ou angustiado.
Beijar a saudade
Que já sinto deste lugar
Onde a realidade
É lagrima de mar
Em felicidade.
Aqui, neste refúgio, não estou só,
Aqui me sinto amado
E desejado,
Aqui, neste hotel de Portaló,
Nem penso no futuro,
Esqueço o passado,
Me sinto tão seguro
E só penso em pecado.
Anda amor, vem, vamos amar,
Dançar o dentro e fora,
Com loucura,
Adoro ouvir-te em êxtase gritar:
“- No refúgio, amor, mete mais.
Ah! Está tão dura.”
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
I
“RÚSTICA ENTRADA”
Quem chega
O porto atravessa
E o portal;
Se de barco chegou
É natural
Que no verde pasmem os olhos,
Sem pressa,
Porque a paisagem
É de ritual,
De verdes, aos molhos
Das árvores caindo
De todos os tons,
O chão colorindo,
Bichos, gente, sons…
A dois passos somente
O Portaló,
Ali, alegremente,
Como um sol-e-dó,
Parece,
Pela rústica entrada,
Convidar quem passa,
A prolongar a estada,
Com seu ar de graça…
Ali entrámos dois, um tu e eu,
Dali saímos um,
Que em nós cresceu
De amor como nenhum
Outro, jamais assim, se conheceu.
Vivemos plenitude,
Amor, alegria, fusão
Com atitude,
De quem, do nós, fez pão
Com devoção,
Amassando a farinha
Do amor
Que de nós vinha,
Com garra, com paixão
E com fervor.
Rustica entrada aquela do hotel,
Onde rústicos refinámos a vida,
Sem sabermos que mais tarde,
À despedida,
Seria pura e doce como o mel
Das abelhas aplicadas,
O amor que ali crescera
De forma desmedida
Nas nossas almas
Para sempre entrelaçadas…
Rústica entrada…
Perfeita estada…
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
X
“ENTRADA NO PARAÍSO”
Porto e Portal da vila,
Imponentes entradas,
A quem tributo até as aves prestam,
Onde o chegar é natural,
Lembrando talvez outras arcadas
Ou romantismos que se manifestam
Numa vassalagem da memória
De gerações vividas,
Longa história,
De muitas vindas, muitas idas…
Pegadas gravadas pelo tempo,
Entre o riso e o contratempo,
De quem ali passou,
De quem dali gravou
O portal, o porto, o movimento,
De quem ali viveu mais que um momento…
Este todo é belo,
Fascinante, admirável,
Simples porto,
Onde se chega num sorriso,
Para depois transpor portal austero,
Tão memorável,
Que transpô-lo
Nos deixa, enfim, no paraíso…
Assim chegamos nós,
Trocando beijos,
Fazendo do Amor,
A nossa voz,
Nossos desejos,
Com paixão, com fé
E com esplendor…
Paisagens,
Puras, com verdade,
Do Morro da Saudade,
Que se vivem plenas
Pelas margens
Do oceano que nos beija os pés.
Um vivo sortilégio da paixão
Entre nós dois amor, amante, amada,
Que, sem sentirmos, nos invade o coração,
E que se instala sem jamais nos pedir nada…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da paixão
“PORTO E PORTAL”
Morro de S. Paulo, Tinharé,
Cheira a Brasil e a saudade,
Aroma mais puro que o café,
Um cheiro profundo
A felicidade…
Descer na paisagem,
Até tocar o mar,
Por rampa de miragem
Singular,
Onde carros de mão,
De malas cheios,
Dizem ser táxis,
Sobem de escalão,
Movidos a braços
Num calor de Verão…
E atracado bem perto a um portal
Que com coragem a tudo resiste,
Feito de séculos, pedras e de cal,
De obra humana firme que persiste,
Qual testemunha histórica da vila,
Eis que se pode vislumbrar o porto…
Subir, descer, andar, pareceu desporto,
Recebem-se os turistas de mochila
Pois no ponto de entrada e de saída,
Neste recanto onde o amor cintila,
A paisagem parece desmedida…
De um lado, o morro da saudade
Ou de São Paulo, bem colorido,
A onde o sonho vira realidade,
Do outro, o portal, o porto, o mar
E lá no fim, quase que esquecido,
Uns rasgos traços tentam desenhar
A terra ao fundo, o continente,
As margens da baía, como espuma,
Desvanecida assim por entre a bruma,
Tão longe desta ilha, desta gente….
Nós viemos lá da outra banda,
Transferidos por um velho bimotor,
Que, pelos ares, cumpriu sua demanda
De nos trazer à terra do amor.
Do aeródromo ao morro, meia hora,
Por caminhos de areia, cá chegamos…
E quando na base do morro estacionamos,
Vieram logo os táxis, sem demora.
Carrinhos de mão, daqueles das obras,
Com moleques, tisnados pelo Sol,
Pareciam sapos, lagartos, mesmo cobras,
Imitando na subida dura, de andar mole,
O passo da lesma, lagarta ou caracol.
Nos carrinhos… as malas dos turistas,
Enquanto estes se perdiam com as vistas.
Já nós os dois, amor, de mãos entrelaçadas,
Namorámos morro a cima e na descida
Vendo botecos, lojinhas e esplanadas,
Pensámos estar vivendo uma outra vida,
No paraíso perdido da paixão,
Lembras-te querida?
Até de ti,
Armada em atrevida,
Levei um apalpão,
Sem saber ler,
Nem achar que o posso descrever…
Por fim, porto e portal,
Num largo, feito movimento,
Onde amar parece natural.
Ali o amor tem cor,
sabor e cheiro,
Porque ali
O romance é hospedeiro,
De mim, de ti,
De nós,
Em imprevistas
Emoções,
Impulsos e ecos egoístas,
Do bater dos corações apaixonados
Ao qual nos rendemos,
Num torpor,
Que por amor,
Nos faz do verbo amar escravizados…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da Paixão
VIII
“MORRO DE S. PAULO”
Ao olhar
Ressalta já o Morro de S. Paulo;
Ao recordar
Um morro de reis, de glórias
E de escravos;
Morro de histórias,
Fantasmas e de bravos;
Morro de saudade,
No tempo perdido,
Onde um minuto vale a eternidade,
Onde cada segundo tem sentido…
Aqui, no Morro de S. Paulo,
Das águas feitas de cristal,
Se elevando
O sonho ganha corpo, rosto, forma,
É natural…
E o sorriso vai edificando,
Em cada instante,
Uma outra plataforma,
Feita de natureza cativante
Como que esculpindo nova Atenas…
Mais do que bonito
O Morro de S. Paulo
É belo apenas!
Aqui,
De mãos dadas, passeamos
O nosso amor
E ele sorri, enquanto andamos,
Ao Sol e ao calor,
Por entre as lojas
Como que para nós engalanadas,
Por entre ruas estreitas,
Calcetadas,
Onde se vendem,
Quase às toneladas,
Recordações,
Que um dia,
Empoeiradas,
Nos despertam a saudade,
A nostalgia,
Dos olhares trocados naquele morro.
Objetos, símbolos, na verdade,
Do amor vivido, da alegria,
De quem dentro de ti
Não quis socorro…
No Morro de S. Paulo fui feliz,
Fomos amor rubro,
Intenso, enlouquecido…
Que ali se cimentou, criou raiz,
Que jamais por nós será esquecido…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da Paixão