V
"TRAGÉDIA EM QUATRO ATOS - KOBANE"
3
"VIAGEM PARA O PARAÍSO"
Perante os migrantes vindo do Oriente,
A Europa justa vai abrir os portões,
Dizem os líderes da União Europeia,
Criam cotas, repartem apoios,
Vão às televisões…
Mas faltam melões.
Que a verdade se esconde, abriga-se,
E o que se fala nada quer dizer,
Não tem explicação,
Nem tem tradução;
Mas todos prometem intenções tão boas,
Numa teoria que jamais será Tese, Lei ou Saber.
Aceitam milhares,
Dizem os jornais,
Mas fazem-se muros
Que é farpado o arame,
Entram meia dúzia,
Um pouco mais,
mas de pouco não passa,
A custo, a medo
Que a vergonha não esconde a cara…
Impera o cinismo,
Dizem que é cedo,
Mas para os migrantes o tempo parou,
E tentam entrar de qualquer maneira
Nessa Europa
Onde solidariedade se escreve a borracha,
Onde esperança
É palavra oca que o vento varreu…
Por entre os milhares,
Fugidos da Síria curda,
Entre fome e sangue,
Entre dor, pânico e sobrevivência,
Uma família que o lar perdeu
Na perdida Kobane,
Já na Turquia,
Procura uma forma de chegar
À Grécia, talvez a Kos,
Nem terra, nem ar,
Que apenas o mar é solução…
E ali, em Bodrum,
A dois passos da Europa,
Um casal com dois filhos decide arriscar,
Um entre os milhares
Que já são milhões.
Da praia de Ali Hoca partem
De barco feito borracha
Que apaga vidas
De quem nada acha…
Onde cabem dez
Viajam cinquenta,
E dá-se a tormenta,
O naufrágio, mais um,
Sobrevive o pai,
Sucumbe a mãe
E as duas crianças,
De três e cinco anos que a idade é tenra
Mas a morte não.
A viagem acaba, como começou,
Em calamidade,
Igual a tantas outras
Que a precederam,
E assim chegaram,
Todos ou quase, por fim,
Finalmente,
A um paraíso que não tem país,
Mas apenas paz…
Gil Saraiva
III
“PAISAGEM E PAISAGENS”
Do ocre das fachadas
Das acomodações e dos chalés
Imagens de cor ficam gravadas,
Se destacam os detalhes, lés-a-lés,
Das madeiras, dos alçados,
Das varandas,
Passadeiras, caminhos, cordas bambas,
Delimitando espaços e picados…
São os chalés, por fora, salpicados
De espreguiçadeiras inovando
Ora repouso ameno,
Ora pecados,
Que cabe a cada um ir desvendando…
Tudo se vira ao porto, ao mar
E a Valença,
Ponto continental no horizonte,
Que a noite, ao cair, faz revelar
Do outro lado da água, bem de fronte,
Pelas luzes, as formas e a presença
Que olhando podemos vislumbrar…
É neste contexto que te chamo
De sonho, de alma, de paixão,
É nesta paisagem que te amo,
Na relva, na varanda, no colchão…
Perco-me em teu olhar
E sou feliz,
Feliz por te sentir,
Por te tocar,
Por saber que amanhã
Vou acordar
Com tua fragrância em meu nariz…
Mas mais do que esta ilha
Deslumbrante,
Inventada para amores intensos,
Vivos,
Tu és, amor, hoje e doravante
A paisagem de meus passos
Ainda conjuntivos…
Mas em montes e vales me quero perder,
Nas tuas paisagens vou viver,
Sem precisar de outros atrativos…
São paisagens reais que amo e friso
Só porque adoro estar no paraíso…
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
X
“ENTRADA NO PARAÍSO”
Porto e Portal da vila,
Imponentes entradas,
A quem tributo até as aves prestam,
Onde o chegar é natural,
Lembrando talvez outras arcadas
Ou romantismos que se manifestam
Numa vassalagem da memória
De gerações vividas,
Longa história,
De muitas vindas, muitas idas…
Pegadas gravadas pelo tempo,
Entre o riso e o contratempo,
De quem ali passou,
De quem dali gravou
O portal, o porto, o movimento,
De quem ali viveu mais que um momento…
Este todo é belo,
Fascinante, admirável,
Simples porto,
Onde se chega num sorriso,
Para depois transpor portal austero,
Tão memorável,
Que transpô-lo
Nos deixa, enfim, no paraíso…
Assim chegamos nós,
Trocando beijos,
Fazendo do Amor,
A nossa voz,
Nossos desejos,
Com paixão, com fé
E com esplendor…
Paisagens,
Puras, com verdade,
Do Morro da Saudade,
Que se vivem plenas
Pelas margens
Do oceano que nos beija os pés.
Um vivo sortilégio da paixão
Entre nós dois amor, amante, amada,
Que, sem sentirmos, nos invade o coração,
E que se instala sem jamais nos pedir nada…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da paixão
VII
“TINHARÉ”
Tinharé
Se desvenda e redescobre,
Do homónimo arquipélago
Se destaca,
Impõe naturalmente um porte nobre,
No vestir rico da verde casaca,
Feita de Mata Atlântica em frescura…
Tinharé é terra, é ilha pura…
Qual esmeralda brilhando
Entre ametistas,
Tinharé deslumbra pelas vistas…
Verdejante de vida
E de natura,
Parece esquecer a amargura
Dos dias que pareciam sem saída
Nos tempos velhos da escravatura…
Em plena Mata Atlântica
Sitiada,
A ilha parece quase desenhada
Para, sendo deslumbrante
E desejada,
Se tornar doravante,
De improviso,
No último sonhado paraíso…
Aqui chegámos, finalmente,
Tu e eu, ambos, nós os dois,
Um par alado na paixão
Que, ardentemente,
Nos funde, num antes e depois,
Num ritmo que vem do coração,
Num já, num mais agora
E amanhã,
Tudo somado como num aviso,
De ter chegado a hora,
A esperança sã,
Do amor estar a viver no paraíso!
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da Paixão